Teresa Ferrari

A única certeza que tinha, desde pequena, quando fazia experimentos em casa, era de que gostaria de ser cientista

As salas, laboratórios e todos os espaços da Faculdade de Medicina da UFMG são mais do que familiares para a professora Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Teresa Cristina de Abreu Ferrari. Afinal, desde 1976, quando foi aprovada no vestibular, ela frequenta a Instituição. Como docente, já são 33 anos.

“A Faculdade representa tudo pra mim. Eu vivo muito para ela. Tenho tempo para aposentar, com três anos de sobra e, embora eu tenha pensado brevemente sobre isso diante da reforma da previdência, logo decidi que mesmo se eu for perder alguma coisa, prefiro abrir mão para continuar atuando”, conta.

Na época do doutorado em área básica, eu cheguei à conclusão que gostava tanto da clínica quanto da pesquisa. A partir de então, me dediquei às duas frentes

É com esse amor que, por décadas, ela se divide igualmente entre pesquisa, clínica e ensino. “Na época do doutorado em área básica, eu cheguei à conclusão que gostava tanto da clínica quanto da pesquisa. A partir de então, me dediquei às duas frentes. Isso é difícil, porque as duas áreas são muito absorventes. Na clínica, eu lido com casos complexos, que requerem análise profunda e muito estudo, porque é disso que eu gosto. Na pesquisa, é o mesmo”, comenta.

Apesar das dificuldades, ela afirma conseguir conciliar as áreas em que atua. É questão de organização: Teresa fica na parte da manhã no Hospital das Clínicas (HC) da UFMG, com médicos residentes, alunos da graduação e pacientes, e se dedica às pesquisas à tarde. “A clínica eu gosto com os alunos. Nunca pensei em ter consultório. Ensinar também faz parte no meu perfil. Adoro o que eu faço. Acho uma pena estar longe fisicamente da área básica, porque isso acaba dificultando um pouco o desenvolvimento de pesquisas. Se tivéssemos ao lado da microbiologia, parasitologia e bioquímica seria muito mais fácil”, acrescenta.

Percurso

Mas, até se descobrir como profissional, muitas outras possibilidades foram cogitadas. “A única certeza que tinha, desde pequena, quando fazia experimentos em casa, era de que gostaria de ser cientista”, conta. Por isso, Teresa chegou a pensar em cursar diferentes áreas para que pudesse ter mais oportunidades de realizar pesquisas. Quase se matriculou na área de exatas. Mas a Medicina pesou mais, provavelmente por ter referência de médicos na família.

Já graduada na área, Teresa Cristina não sabia se tornaria clínica ou pesquisadora. A primeira tentativa foi a área básica, por meio do doutorado em bioquímica no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Mas bastou um semestre para que sentisse a falta de algo. “Parecia que eu tinha abandonado a Medicina. Resolvi deixar o curso, mesmo sendo uma decisão difícil, e me inscrevi para residência de Clínica Médica. Ainda residente, passei no concurso para ser professora na Faculdade”, lembra. Depois disso, ela realizou o mestrado em Medicina Tropical e o doutorado em Medicina-Gastroenterologia.

A ciência da Clínica Médica

Quem sempre quis desvendar o mundo com pesquisas e experimentos não se contentaria com casos simples. Por isso, Teresa encontrou na Clínica Médica a porta de entrada para seu sucesso pessoal e profissional. “A Clínica Médica é abrangente e uma das funções do clínico é investigar casos complexos, tanto do ponto de vista de diagnóstico como terapêutico. Acaba tendo um viés de pesquisador na prática médica também”, declara.

A clínica, por ser extensa e ser este profissional que, em geral, avalia os casos complexos, tem uma alguma similaridade com a pesquisa

Além disso, ela menciona que os profissionais generalistas avaliam o paciente como um todo, verificando se determinado quadro tem influência em outro. “A clínica também me permite fazer associações entre acometimentos de diferentes sistemas orgânicos, o que é mais complicado para o especialista, mesmo que saibam em profundidade muito mais do que o clínico, em sua área de atuação. Mas o clínico domina o conhecimento em extensão”, aponta. “A clínica, por ser extensa e ser este profissional que, em geral, avalia os casos complexos, tem uma alguma similaridade com a pesquisa”, continua.

Foi com esta perspectiva que Teresa realizou o mestrado, no qual avaliou casos de febre de origem indeterminada, baseados em casuística do Hospital. A professora explica que esse problema não é uma síndrome, mas sim um diagnóstico provisório do quadro clínico do paciente que tem febre prolongada e de diagnóstico difícil. As causas do quadro variam de um lugar para o outro.

“Eu queria conhecer essas causas aqui no HC e verificar se seria possível identificar fatores que favorecessem o diagnóstico do paciente. Tudo centrado na clínica”, comenta Teresa. A casuística foi formada durante seis anos e teve como principais causas as doenças infeciosas, principalmente a tuberculose, e os linfomas dentro das neoplasias (proliferação anormal e descontrolada de determinadas células do corpo). “Achei o que já era descrito na literatura, mas que passou a valer também para o nosso meio”, explica.

Com alguma dificuldade, convenci o pessoal da oftalmologia a fazer uma paracentese ocular e tirar amostra do humor aquoso, de onde foi isolada leishmania. Isso ainda não havia sido descrito

De acordo com a professora, também foi a experiência na Clínica Médica que a permitiu descrever um achado com base no raciocínio clínico: o acometimento ocular na leishmaniose sem ser por contiguidade. O paciente do caso descrito, em tratamento para leishmaniose, estava perdendo a visão progressivamente e já tinha feito inúmeros exames. “Pelo raciocínio clínico, eu cheguei à conclusão que ele estava tendo uma reação imunológica local, na câmera anterior do olho, ou a leishmania estava lá, chegando por via sanguínea. Então, com alguma dificuldade, convenci o pessoal da oftalmologia a fazer uma paracentese ocular e tirar amostra do humor aquoso, de onde foi isolada leishmania. Isso ainda não havia sido descrito”, realça.

Clínica Médica e casos complexos

Para dar continuidade ao mestrado, a professora iniciou pesquisas sobre endocardite infecciosa, uma das causas de febre de origem indeterminada. Concomitantemente, começou suas análises sobre esquistossomose e doenças hepáticas crônicas. “Já no doutorado, estudei mielorradiculopatia esquistossomótica, uma forma de apresentação da esquistossomose muito pouco estudada, até então, e da qual não se sabia quase nada no Brasil e no mundo. Os nossos estudos contribuíram muito para o conhecimento sobre essa forma da esquistossomose”, afirma Teresa.

De acordo com ela, essa é uma doença que resulta da deposição do ovo do parasita na medula espinhal e, pela reação inflamatória ao redor do ovo, causa sintomas neurológicos como dor lombar, que irradia para os membros inferiores, e fraqueza muscular. Cerca de 50% das pessoas ficam sem andar. É uma modificação da medula espinhal que deve ser diferenciada de outras mielopatias – doenças que comprometem a medula – e é uma forma ectópica grave da esquistossomose.

Depois que publicamos, foi nítido o aumento dos trabalhos sobre o tema, inclusive usando a classificação que nós propusemos

Ela desenvolveu, em sua tese, um teste imunológico realizado no líquor (líquido cerebrospinal) para diagnosticar a doença. “Depois que publicamos, foi nítido o aumento dos trabalhos sobre o tema, inclusive usando a classificação que nós propusemos. Demonstramos também outros aspectos sobre resposta imune na entidade, além do estudo dos aspectos clínicos”, comenta. “Continuo pesquisando sobre o tema até hoje, mas como é doença relativamente rara, é preciso muito tempo para se conseguir um número de casos adequado para um estudo. Além disso, trabalhamos com líquor, que é material limitado em quantidade para análise”, completa.

No momento, ela também pesquisa biomarcadores de diagnóstico, monitoramento e de prognóstico em hepatopatias crônicas, o que se iniciou a partir dos estudos relacionados à esquistossomose; além de endocardite infecciosa oriunda da febre de origem indeterminada, que eram temas desde o início das suas atividades científicas na Clínica Médica.

Teresa explica que já estão aparecendo drogas para tratar a fibrose hepática e a biópsia do fígado ainda é o padrão ouro para diagnóstico e estadiamento da fibrose. Mais recentemente, surgiu a elastografia, exame que mede a rigidez do parênquima hepático (tecido do fígado), que é um método não invasivo para se avaliar a fibrose. Porém outros marcadores não invasivos, pesquisados no sangue, também poderiam ser de utilidade “Então, a maior importância desses marcadores é permitir acompanhar o doente de forma não invasiva ou minimamente invasiva, pois ao se examinar o sangue seria possível saber se a fibrose hepática está melhorando com o tratamento”, explana.

Teresa Ferrari

Teresa já era destaque enquanto discente. Na sua formatura em Medicina na UFMG, ela recebeu o prêmio Oswaldo Cruz, destinado ao primeiro aluno da turma. Ela também já foi premiada como profissional com o prêmio de Personalidade Médica Mineira na Área Cientifica, em 2013. Este prêmio é indicado pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, o Sindicato dos Médicos e a Faculdade.

Na Instituição, ela ainda ocupou (e ainda ocupa) o cargo de coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto nas gestões: 2009-2011; 2011-2013; 2013-2015; 2015-2017; e 2017-2019.

Redação: Deborah Castro
Fotos: Carol Morena

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