Reabilitação ajuda a viver bem com deficiências


18 de setembro de 2013


Notícia publicada no Saúde Informa

O Brasil tem 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Esse número representa 14,5% da população, segundo dados do IBGE. Apesar das dificuldades naturais para esta parcela significativa da sociedade, a vida não acaba em razão das limitações de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, especialmente de longo prazo. Com um programa de reabilitação, as pessoas com deficiência podem se adaptar à sociedade para uma vida plena em comunidade.

A reabilitação visa restabelecer as funções do paciente prejudicadas por doenças crônicas, acidentes, lesões derivadas da gestação e do parto, dentre outros fatores, explica o professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Mauro Ivan Salgado. “Sem a reabilitação, as pessoas com deficiência podem ser privadas da vida em sociedade”, enfatiza.

Para que o processo de reabilitação e inserção social seja efetivado, conforme determina a Organização Mundial de Saúde, é preciso modificar a vida dessas pessoas, para que elas estejam em condições de alcançar e manter boa situação funcional e sejam mais independentes.

O primeiro passo é a avaliação médica. “É fundamental que o processo de reabilitação conte com equipe formada por médico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, nutricionista e enfermeiro, dentre outros profissionais”, explica Mauro Ivan. Os especialistas, em conjunto com os outros membros da equipe, fazem o diagnóstico das limitações do paciente para traçar os objetivos de recuperação.

O Ministério da Saúde ressalta que para o modelo de reabilitação ser efetivo, ele deve ser baseado na integralidade, com enfoque no usuário, além de se articular em redes integradas e em interface com outros serviços e setores. “Para isso, devem ser utilizados recursos e procedimentos das áreas de saúde, educação, trabalho, assistência social e outros”, observa o professor Marcos Aguiar, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.

Desafios

Mas o país está longe de atender com dignidade esse enorme contingente de necessidades. A falta de políticas eficientes de acolhimento no sistema de saúde torna a vida de quem precisa de habilitação ou reabilitação muito mais dolorosa.

Pesquisa realizada junto ao programa de pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, publicada em 2013, verificou a necessidade da atuação interdisciplinar de profissionais habilitados para entender as especificidades das limitações. “Apesar dos avanços que tivemos no SUS em relação ao acolhimento das pessoas com deficiência, há muito a melhorar para a garantia da qualidade de vida dos usuários”, alerta a terapeuta ocupacional Sandra Minardi Mitre, autora do estudo.

Segundo ela, em Belo Horizonte existem três Centros de Referência em Reabilitação (CRR) da Rede SUS, que atendem desde crianças até idosos. “A reabilitação ficava perto das regiões centrais e com acesso difícil às pessoas do interior. Atualmente, vemos uma modificação nessa dinâmica. Com serviço descentralizado da cidade, é possível atender ao cidadão mais perto do seu local de residência, permitindo maior integralidade na atenção à saúde”.

Entretanto, o estudo mostra que, apesar de atualmente o sistema de saúde integrar população maior de usuários, muitas vezes eles são alvos da negligência, ao serem avaliados por profissionais despreparados, que os excluem da construção do próprio projeto terapêutico. “O trabalho deveria ser com equipe multidisciplinar em constante diálogo. As equipes exploram pouco o espaço relacional com os usuários, importante para a construção de novas ações que possibilitam o fortalecimento da autonomia”, explica Sandra.

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Oswaldo, 51, sofreu AVC e passa por reabilitação. Foto: Bruna Carvalho

 

Exemplo

A reabilitação ajuda os pacientes a continuar em atividade profissional, mesmo com limitações. Oswaldo Luiz Prates, 51, que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) há quatro anos, é um exemplo. Ele teve comprometimentos principalmente na fala. Porém, com apoio de uma equipe multidisciplinar, já consegue lidar com as sequelas.

Professor de matemática, atualmente ele é responsável por ensinar a matéria aos demais integrantes do Centro de Convivência de Indivíduos Afásicos [com comprometimento da linguagem] do Hospital das Clínicas (HC) da UFMG. “Muitos tiveram acesso só ao ensino básico. Então, nas aulas com tema ‘Supermercado’, por exemplo, ensino contas de adição e subtração. Nas aulas com o tema ‘A casa dos meus sonhos’, misturo multiplicação com a divisão”, explica Oswaldo, que se sente realizado por contribuir com o grupo e continuar atuando como professor.

A reabilitação, porém, nem sempre é sinônimo de inclusão. “A maioria dos indivíduos com afasia, por exemplo, está aposentada, mesmo quando são totalmente recuperados ou aprendem a viver com as sequelas. Essas pessoas poderiam ser reintegradas nas empresas que trabalhavam. Mas não existe um esforço nesse sentido. Isso mostra que a sociedade não está preparada para viver com a diferença”, avalia a professora Érica Couto, do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenadora do Centro de Convivência de Indivíduos Afásicos do HC.

“D”eficiências

Segundo a Organização Mundial de Saúde, deficiência é o termo usado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. Já a síndrome é um conjunto de sintomas ou sinais que, juntos, evidenciam uma condição particular. A síndrome de Down, por exemplo, engloba deficiência intelectual, dificuldades na comunicação, além de outras características. O transtorno, na psiquiatria, é o que provoca um desarranjo, uma desordem na área psíquica do indivíduo e pode englobar a deficiência e a síndrome.

icone_deficiencia visualVisual
É o comprometimento parcial, de 40% a 60%, ou total da visão. Os diferentes graus de deficiência visual são classificados em baixa visão e cegueira. A baixa visão, ou visão subnormal, é compensada com o uso de lentes de aumento, lupas, telescópios e com o auxílio de bengalas. Quando não há nenhuma percepção da luz, considera-se cegueira total. Nestes casos, o sistema braile, a bengala e os treinamentos de orientação e de mobilidade são fundamentais. Entre as causas mais comuns de cegueira estão doenças como glaucoma, rubéola e catarata, além de trauma ocular, infecções e deficiência de vitamina A.

icone_deficiencia auditivaAuditiva
É a perda parcial ou total da audição, causada por malformação (causa genética), lesão na orelha ou nas estruturas que
compõem o aparelho auditivo. Existem diferentes graus de surdez, que varia de leve (perda de 25 a 40 decibéis) a profunda (mais de 90 dB, conforme classificação Classificação BIAP – Bureau International d’Audiophonologic). Quanto mais agudo o grau de deficiência auditiva, maior a dificuldade de aquisição da língua oral.

icone_cadeira de rodasFísica
Conjunto de complicações que leva à limitação da mobilidade e da coordenação geral, podendo também afetar a fala, em diferentes graus. As causas variam desde lesões neurológicas e neuromusculares, malformação congênita, até condições como hidrocefalia (acúmulo de líquido na caixa craniana), ou paralisia cerebral. Entre os principais tipos de deficiência física, estão a paraplegia – perda total das funções motoras dos membros inferiores; tetraplegia – perda total da função motora dos  quatro membros; e hemiplegia – perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo.

icone_deficiencia cognitivaMental
Caracterizada pelo funcionamento intelectual significativamente inferior à média, antes dos dezoito anos, e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas com a comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais e acadêmicas. Entre as causas mais comuns estão os fatores de ordem genética e as complicações ocorridas
ao longo da gestação, durante o parto.

Doenças raras
Quando se trata de deficiências denominadas raras, as barreiras são ainda mais difíceis de serem transpostas. Síndrome de Marfan, nanismo e albinismo são algumas delas. De acordo com o professor Marcos Aguiar, uma em cada 2,3 mil pessoas são atingidas por uma dessas doenças. São deficiências geralmente de origem genética, quase sempre acompanhadas por outras, como a física, auditiva ou mental. “Como a deficiência é rara, a maioria dos profissionais não a conhece”, relata o professor.

Mas para que seja iniciada a habilitação ou reabilitação, é necessário o diagnóstico. “A demora em iniciar a reabilitação pode levar, além de prejuízos no desenvolvimento, a danos emocionais”, afirma Marcos Aguiar. Talita de Menezes Silva, 12 anos, foi diagnosticada com deficiência rara no cromossomo 4p. Com limitações motoras e sensoriais, ela faz tratamento desde os dois anos de idade. “A reabilitação tem sido fundamental para ela adquirir autonomia. Antes, ela parecia um bebê, mas agora já consegue apontar para as coisas e se comunicar com alguns sinais. Ela já está até em uma escola especializada”, conta a mãe, Valéria de Menezes.

Ela lembra que teve dificuldades para conseguir o tratamento e precisou de muita persistência. “Os resultados têm sido ótimos. O nosso objetivo agora é fazer com que ela possa andar e falar”, planeja. Diante a relevância do diagnóstico e da reabilitação para as deficiências raras, o Ministério da Saúde criou um grupo para elaboração de política para atenção às pessoas com doenças raras, no âmbito do SUS. “Para que ela seja implementada, é necessário o esforço do Ministério e a cobrança dos pacientes”, enfatiza o professor Marcos, um dos integrantes do grupo. De acordo com ele, o Hospital das Clínicas da UFMG tem todas as condições de criar um serviço de referência para melhorar o entendimento dessas deficiências e a inserção delas na saúde pública.