Reforma psiquiátrica busca acolhimento e inserção social

Diminuição das internações garantiu tratamento mais adequado às pessoas com transtornos mentais


14 de maio de 2019 - , ,


Diminuição das internações garantiu tratamento mais adequado às pessoas com transtornos mentais

Giovana Maldini e Carol Prado*

Telas produzidas por usuários do Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em São Paulo. Foto: Prefeitura SP

Em uma década, cerca de 20 mil leitos psiquiátricos foram fechados, segundo o Ministério da Saúde. A medida faz parte da chamada Reforma Psiquiátrica, que mudou a forma de tratamento dos transtornos mentais no Brasil. Se, hoje em dia, existe uma gama de medicamentos e formas de tratamento que buscam acolher o paciente psiquiátrico, saiba que nem sempre foi assim e as internações por longos períodos eram de praxe. Para se ter uma ideia, na década de 1980, a região formada por Barbacena, Juiz de Fora e Belo Horizonte abrigava 19 dos 25 hospitais psiquiátricos de Minas Gerais e 80% dos leitos de saúde mental do estado. O número de internações era de cinco internações para cada grupo de mil, quase o dobro das três em mil recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na Semana da Saúde Mental e Inclusão Social, o assunto é abordado no programa Saúde com Ciência.

Uma página importante da história da saúde mental no Brasil é o Hospital Colônia de Barbacena, que ficou conhecido pelo modelo de internação desumanizado e segregacionista, separando do convívio social e familiar pessoas indesejadas, como mães solteiras, gays, alcoólatras e militantes políticos. A instituição passou por reestruturação física e humanização e hoje, além do tratamento, o local abriga o Museu da Loucura, criado para contextualizar o ocorrido do chamado “holocausto brasileiro”, que levou à morte de 24 mil pessoas. A pedagoga e coordenadora do Museu, Lucimar Pereira, relata as condições vividas pela instituição, na época. “Com essa demanda enorme que chegava de pacientes para a internação, o hospital passa a oferecer um tratamento desumano e degradante, devido à falta de recursos, a uma falta, também, de conhecimento, falta de condições, porque se nós observarmos essa história da saúde mental, aos poucos é que foram sendo descobertos medicamentos e outras formas de tratar o paciente”, relata.

Arte: CCS Medicina

As mudanças ocorreram devido à Reforma Psiquiátrica, iniciada na década de 1970. Mobilizado pelos profissionais da área de saúde mental da época, o movimento questionava os métodos utilizados e propunha modelos mais humanizados de tratar os pacientes. A pedagoga conta que, atualmente, o Hospital integra modelos mais dignos nos tratamentos. “E hoje, a filosofia institucional prevê esses princípios da humanização, do respeito ao paciente, de tratá-los como um cidadão que tem todos os direitos e condições de estar no espaço urbano, em um espaço que é considerado da comunidade em geral”, destaca.

O que diz a legislação

Foi há 18 anos que o Brasil mudou a política de assistência à saúde mental: a Lei n°10.216/01 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e indica uma direção para a assistência psiquiátrica e regulamenta as internações involuntárias, colocando-as sob a supervisão do Ministério Público.

Além do fechamento do número de leitos psiquiátricos, a reforma inclui aumento dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e maior destinação de recursos financeiros para a saúde mental. Houve, ainda, a criação de políticas de inserção social e geração de renda. Desse modo, as internações ocorrem somente em casos muito específicos. “Uma internação pode ser mais esse ambiente de proteção. Às vezes, é mais fácil para pedir exames ou acompanhar um caso, mas principalmente para proteger o paciente de alguma coisa que ele quer fazer contra si mesmo ou contra outra pessoa. Mas o indivíduo precisa mais do que uma internação”, avalia o psiquiatra e professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Helian Nunes de Oliveira. “Se ele tiver acesso às coisas que ele precisa, talvez ele não precise internar nunca na vida. A maior parte dos nossos pacientes nunca vai internar”, acrescenta.

Tabu e preconceito

Mesmo com as mudanças ocorridas, ainda existe muito preconceito, por parte da sociedade, em relação aos pacientes. “É um pouco dessa herança do tratamento de loucos, que era feito de uma forma desumana, isso ficou no nosso imaginário. Mas também uma dificuldade que a sociedade tem de lidar com o que é mais subjetivo daquilo que não é tão palpável, tão concreto”, explica o professor Helian Nunes. Além disso, ele ressalta a vulnerabilidade desses pacientes. “Existe um imaginário, uma fantasia que é criada na mídia de que os pacientes psiquiátricos são violentos. Mas a maior parte deles mais sofre violência do que comete violência. Então eles são mais vítimas de violência, são mais objetos, são vulneráveis. Então cabe a todos nós proteger essas pessoas, ajudá-las e promover inclusão social”, completa.

Além disso, existe preconceito em relação aos tratamentos oferecidos e, devido a isso, muitas pessoas demoram muito tempo para iniciá-los. Porém, o professor alerta sobre a importância de tratar esses distúrbios. “Existe uma ideia de que a depressão é malandragem, é uma preguiça. De que a ansiedade, uma crise de pânico é uma fraqueza. Que uma tentativa de suicídio é um comportamento de fraqueza também. Na verdade são pessoas que estão em sofrimento, merecem ser ouvidas, cuidadas”, finaliza.

Sobre o programa de rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h.

O programa também é veiculado em outras 145 emissoras de rádio, distribuídas por todas as macrorregiões de Minas Gerais e nos seguintes estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Massachusetts, nos Estados Unidos.

Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.


* Giovana Maldini e Carol Prado – estagiárias de jornalismo

Edição: Maria Dulce Miranda