Revitalização urbana diminui taxa de homicídios em favelas de BH

Pesquisa da Faculdade avaliou Programa Vila Viva


30 de setembro de 2019 - , , , ,


Foto: Urbel – Projeto Vilva Viva – PBH

A taxa de homicídios em favelas com o programa Vila Viva diminuiu, de acordo com análise de onze anos (2002 a 2012) desta intervenção estruturante implementada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Os resultados da avaliação foram apresentados na tese da médica sanitarista, Maria Angélica de Salles Dias, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG.

A análise considerou o impacto do programa que conta com revitalização urbanística, desenvolvimento social e econômico, além de legalização de posse dos terrenos e domicílios em áreas vulneráveis da cidade. De acordo com a pesquisadora, a melhoria na infraestrutura e no acesso a outras políticas urbanas e sociais nesses locais refletiu, direta ou indiretamente, na mortalidade por homicídios das áreas analisadas.

“Nos dois últimos anos do estudo, que coincidiu com a finalização de boa parte das intervenções do programa, houve redução de 30% nas taxas de homicídios nas favelas que receberam o programa Vila Viva. Em contrapartida, as favelas que não receberam as melhorias registraram, no mesmo período, aumento de até 28,8% nas taxas de homicídio”

Ela ainda acrescenta que a diminuição da taxa ocorria, na maioria das vilas com o programa, à medida que se concluía as intervenções, ano a ano. Todos esses resultados são advindos da análise de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, sistematizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.

Realidades semelhantes

A pesquisa considerou as taxas de homicídios, a partir de dados do Ministério da Saúde e da Prefeitura de Belo Horizonte, em dez das maiores favelas da capital mineira: Serra; Morro; São José; Ventosa; Vista Alegre; Santa Lúcia; Cabana; São Tomaz; Jardim Felicidade e Pedreira. Cinco delas receberam obras de intervenção do programa e outras cinco não tiveram mudança estrutural ligada ao Vila Viva.

Maria Angélica informa que, juntas, as populações desses locais correspondem a 40% do total que vive em favelas da capital e todas as que foram analisadas têm características comuns relacionadas à saúde, acesso a serviços básicos, além do perfil socioeconômico e demográfico. Elas também compartilham taxas elevadas em relação à violência e diversos indicadores de vulnerabilidade social, desde precárias condições de habitabilidade até insuficiência de renda e emprego.

De acordo com a pesquisadora, a literatura sobre saúde urbana aponta que situações de risco ligadas à urbanização desordenada tornam moradores desses locais mais vulneráveis aos riscos de adoecer e morrer. Para ela, essa vulnerabilidade está relacionada à insuficiência de políticas urbanas e sociais que expõe os indivíduos a agravos de saúde, como doenças ligadas à carência de saneamento, ao lixo urbano e às condições dos domicílios.

“Também há os riscos de homicídio nesses locais, a falta de políticas de estado de bem-estar social, incluindo as de segurança pública protetiva, além da presença do tráfico em muitos destes locais, substituindo o Estado e vulnerabilizando ainda mais estes moradores”, ressalta Maria Angélica.

É com o objetivo de modificar tais realidades que o programa Vila Viva promove intervenções de revitalização urbanística, construção de diversos equipamentos públicos e construção de unidades habitacionais nas favelas contempladas. Nos casos dos locais analisados pelo estudo, foram abertas 134 vias de circulação mais ampla e recuperados becos, ambos com iluminação pública, asfaltamento, construção de obras de saneamento, contenção de encostas, riscos de deslizamentos e inundações, além da melhoria de acessibilidade para pedestres, carros e ambulâncias. Ainda foram construídas 3178 moradias, oito parques e 18 equipamentos públicos (escolas, centro culturais, quadras de esporte e espaços de lazer).

Considerando essas obras, Maria Angélica também observou, através de técnicas espaciais, mudanças no comportamento dos pontos mais violentos, a partir da investigação sobre os homicídios por local de residência, antes e depois das intervenções do projeto. “Nessa análise preliminar, ainda com dados de residência e não de ocorrência, verificamos que a criminalidade vai se afastando dos locais com intervenção. Após o fim das obras nas favelas, os pontos “quentes” ou clusters de homicídios se afastaram dos locais com o programa”, aponta.

No vídeo abaixo, é possível observar um exemplo desse comportamento no Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais, situado na Zona Sul de BH:

Determinantes da violência

Para pensar em formas de redução de taxas de homicídios, a pesquisadora destaca que é importante compreender a violência nesses territórios. Para ela, a violência não é considerada um ato irracional, mas uma forma de interação com a existência, sendo que seu sentido tem determinações históricas socialmente construídas e dependentes do contexto social. “Tem aspectos históricos associados à urbanização acelerada, alto adensamento populacional nas cidades e, em especial, nas favelas, sem políticas públicas acompanhando esse processo, imprimindo desigualdade social”, aponta.

“Não que as questões subjetivas não estejam envolvidas na violência, mas elas são secundárias e marcadas por este processo de exclusão nesses territórios. Além disso, a cultura da força, do consumo imediato, do machismo e do preconceito vigente nesta sociedade capitalista se reflete no conflito pessoal. Nessa cultura, as pessoas acabam morrendo porque não há instituições que façam a mediação necessária e uma sociedade que discuta a cultura da paz”, pontua Maria Angélica.

Pensando nisso, a pesquisadora defende soluções estruturantes com programas como o Vila Viva e outras políticas sociais inclusivas e protetoras, “em especial para jovens, pobres e negros e outras populações vítimas deste apartismo e da desigualdade social”. E acrescenta que as soluções armadas não resolvem o problema, por causa da pluralidade de fatores que compõe a violência.

“Quando uma política pública é implementada no sentido de ampliar direitos é possível promover mudanças na vida das pessoas e até na taxa de homicídios, como foi apontado na pesquisa”, argumenta Maria Angélica.

Próximo passo

Após a análise preliminar dos dados secundários da Prefeitura de Belo Horizonte e do Ministério da Saúde, Maria Angélica, junto ao Observatório de Saúde Urbana, está desenvolvendo a segunda parte do estudo, em que já foi feito um inquérito domiciliar. Este foi aplicado para 1193 moradores que vivem em duas vilas da capital, uma que recebeu mudanças do Vila Viva e outra que ainda está sem a intervenção, mas em processo de captação de recursos para implantação do programa.

O objetivo, segundo a médica sanitarista, é comparar a percepção dos moradores com o ambiente antes e depois da intervenção. Por isso, a vila sem intervenção será utilizada para traçar esse mesmo comparativo após a conclusão das obras. A previsão é que as respostas sejam analisadas até o primeiro semestre de 2020.

“Além disso, serão realizadas análises mais sofisticadas com extensão do tempo de acompanhamento das taxas de homicídios nas dez vilas do estudo e na cidade, para dar mais assertividade nesta avaliação de impacto, sustentar e produzir recomendações de políticas para a cidade”, conclui.

Serviço

Título: Mortalidade por homicídios em áreas vulneráveis de Belo Horizonte, objeto de intervenções urbanas e sociais do projeto Vila Viva: uma análise comparativa
Nível: Doutorado
Autora: Maria Angélica de Salles Dias
Orientadora: Waleska Teixeira Caiaffa
Coorientadora: Amélia Augusta de Lima Friche
Programa: Saúde Pública
Data da defesa: 21/02/2019.

*Marcela Brito – estagiária de Jornalismo
Edição: Deborah castro