Risco de abusos contra crianças e adolescentes cresce na pandemia

Programa de rádio Saúde com Ciência destaca papel da educação sexual na prevenção de abuso infantil


05 de julho de 2021 - , , ,


Maria Beatriz Aquino*

Dados apresentados pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos mostram que somente entre janeiro e maio de 2021 foram registradas cerca de 35 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Os números foram obtidos pelo Disque 100, sendo 6 mil registros referentes às denúncias de violência sexual praticadas contra crianças e adolescentes de 2 e 14 anos. Para especialistas, a educação sexual se torna ferramenta fundamental para o combate a esse problema.

No entanto, esse tema ainda é cercado por muito tabus. Ainda há quem confunda, por exemplo, educação sexual com erotização infantil ou orientação sexual, o que impede avanços nesse debate.

Por isso, em entrevista concedida ao programa de rádio Saúde com Ciência, a professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Ana Maria Lopes, enfatiza que a probabilidade de se combater o abuso infantil se torna ainda maior com a educação sexual. Para conferir o programa, clique aqui.

“Existe o medo de que a escola influencie a orientação sexual da criança, mas isso não passa pela educação sexual. Educação sexual tem articulação com a discussão sobre o racismo, a homofobia e o respeito, por exemplo”, esclarece a professora, que é psiquiatra especialista na saúde da criança e do adolescente.

A especialista explica que é preciso conversar sobre sexualidade com crianças e adolescentes, sem preconceitos ou julgamentos, para que saibam reconhecer quando estão sofrendo alguma violação. E essa é uma iniciativa que deve partir da família em consonância com a escola e outros atores sociais, como agentes de saúde.

“O que a gente espera é que famílias e escolas possam caminhar para uma prática discursiva, sobretudo, do respeito e das escolhas sexuais que cada um faz”, orienta a professora. Além disso, é importante que a família, junto às escolas, ensine às crianças conceitos como autoproteção, intimidade e consentimento.

Educação como prevenção

Evitar a violência sexual entre crianças e adolescentes é também ensinar a esse público as várias formas de se prevenir. Não para que os adolescentes, por exemplo, criem o hábito de se relacionarem sexualmente, mas para combater dados alarmantes de infecção sexualmente transmissível (IST) entre os jovens.

De acordo com os dados levantados pelo projeto PrEP 15-19 Minas, 13,64% dos jovens entre 15 e 19 anos que fazem parte do público alvo do projeto testaram positivo para sífilis, e os números são ainda maiores para a população belo-horizontina de homens que fazem sexo com homens. A pesquisa foi desenvolvida pela Faculdade de Medicina da UFMG para avaliar o uso de um método preventivo conhecido como Profilaxia Pré-exposição ao vírus HIV (PrEP).

“Eu não educo apenas sexualmente, eu educo do ponto de vista social também, para que o adolescente conheça o próprio corpo, saiba cuidar de si mesmo e se proteger”, avalia Ana Maria.

Subnotificações crescem

Falar sobre educação sexual se tornou ainda mais importante agora na pandemia, que restringiu a convivência ao ambiente familiar, e já se sabe que a maior parte desse tipo de abuso ocorre dentro de casa. De acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, 73% dos abusos surgem dentro dos lares das próprias vítimas, sendo pais e padrastos os principais suspeitos em 40% das denúncias recebidas.

Mesmo com números já alarmantes de notificações de abuso, a subnotificação de casos ainda tende a aumentar. Isso porque com as aulas ainda remotas em diversas regiões do país, as escolas, que são peças-chave na suspeição de casos, enfrentam grande dificuldade para conseguir ajudar a família a detectar possíveis problemas com a criança.

Por isso, a professora Ana Maria Lopes orienta que as denúncias devem ser feitas quando há uma suspeita, mesmo que não ainda se tenha o reconhecimento de fato da violência sexual. E existem várias formas disso acontecer, como dividir a suspeita com a escola, profissionais de saúde ou espaços para além da escola curricular, como institutos de balé, natação ou futebol. Outra maneira é discar para o Disque 100 ou procurar o conselho tutelar local e apresentar a queixa. Após o recebimento da suposição, os próprios órgãos devem prosseguir com a notificação.

E após a denúncia é preciso acolher uma vítima, respeitando seu momento de privacidade e sigilo, para que a partir disso seja criada uma rede de proteção. ”Para a criança contar o ocorrido, ela precisa confiar no adulto para dizer sobre isso. Somente aí é possível dar o encaminhamento necessário”, ressalta.

Saiba mais no Saúde com Ciência

Ficou com dúvidas sobre as diferenças entre educação e orientação sexual? Quer entender melhor como abordar o tema com as crianças? Isso tudo você confere no programa Saúde com Ciência desta semana.

programa é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Maria Beatriz Aquino – estagiária de Jornalismo
Edição: Karla Scarmigliat