Robô trans é criada para engajar jovens na prevenção ao HIV

Ela foi desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Medicina da UFMG, da USP e da UFBA


09 de agosto de 2019 - , , , ,


Amanda se comunica com o público jovem
Amanda se comunica com o público jovem. Acervo do projeto

Quando o celular toca e, do outro lado, surge uma voz mecânica – e quase sempre irritante –, não há quem não abomine a existência desses robôs que ligam incessantemente nos horários mais inoportunos. No entanto, a Inteligência Artificial não existe só para vender produtos. Seu emprego no engajamento social tem sido fundamental para atingir nichos da sociedade que antes eram quase inacessíveis pelas campanhas de massa. 

Foi com esse objetivo que nasceu Amanda Selfie, a primeira robô trans do país. Desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Medicina da UFMG, da USP e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Amanda Selfie é “bb”, ou seja, “bem basiquinha”, por usar uma estratégia de comunicação direcionada a um público específico. Sua missão é interagir no Facebook e no site com potenciais participantes do projeto PrEP 15-19, uma pesquisa para prevenção combinada contra o HIV. Esse estudo visa acompanhar o uso da Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP), o tenofovir+emtricitabina, que protege contra a infecção pelo HIV, entre jovens de 15 a 19 anos que se identificam como homens gays, mulheres trans e travestis.

Ferramenta característica da chamada geração Z, nascida na era digital, Amanda Selfie usa uma linguagem acessível (leia texto abaixo), recheada de gírias e expressões em pajubá, dialeto de origem iorubá usado pela comunidade LGBTQI+. O bate-papo com a assistente virtual possibilita tirar dúvidas sobre sexo, prevenção contra as infecções sexualmente transmissíveis (IST), cultura LGBTQI+, gênero e orientação sexual, entre outros assuntos. Embora as expressões sejam segmentadas, as orientações da “roboa”, termo usado pela própria Amanda Selfie, servem para todos os públicos.

Falando a mesma língua

“Os jovens têm uma linguagem típica, bem diferente do linguajar mais formal dos pesquisadores. Para chegar até eles, é preciso falar a mesma língua. Muitos se sentem mais à vontade para conversar sobre sexualidade e prevenção no ambiente virtual”, comenta o professor Unaí Tupinambás, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e um dos coordenadores da pesquisa. 

A equipe da Medicina participou da concepção da assistente virtual, contribuindo com perguntas e orientações de linguagem. “Essa população ainda é invisível aos olhos do sistema de saúde. Muitos são discriminados, por isso não ocupam os espaços de sociabilização, não frequentam os serviços de saúde, não se sentem bem acolhidos e sofrem com o rompimento de seus laços familiares em razão de sua orientação sexual”, analisa Unaí Tupinambás. 

E a invisibilidade acaba potencializando o risco de infecção. Isso porque a falta de informação é um dos fatores que mais contribuem para a epidemia da doença: em dez anos, o índice de detecção de aids quase triplicou na faixa etária de 15 a 19 anos. De acordo com o Unaids, programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids, a chance de homens que fazem sexo com homens se infectarem é 27 vezes maior do que na população geral. Já as mulheres trans têm 13 vezes mais possibilidade de infecção.

Prevenção combinada 

Acervo do projeto

A PreP é um medicamento usado como método complementar de prevenção ao HIV, que deve ser combinado com outros métodos, uma vez que não previne contra a transmissão de outras ISTs. Sua eficácia em adultos foi comprovada por outros estudos já publicados. A proposta é verificar se haverá adesão entre os jovens. O medicamento é disponibilizado no SUS para pessoas acima de 18 anos e que correm mais riscos de ser infectadas pelo HIV. 

Os jovens que se apresentarem para o estudo podem escolher ou não usar a profilaxia pré-exposição, e todos terão acesso a vários outros métodos que compõem o leque da prevenção combinada: camisinha, lubrificante, aconselhamento, teste para diagnóstico de HIV e outras ISTs, tratamento ou encaminhamento para serviço especializado, autoteste para HIV e vacinação contra hepatite A e B. 

Tupinambás considera que o projeto é socialmente relevante por dar voz a esses adolescentes. “Eles são acolhidos, tem um Centro de Referência da Juventude, que é o lugar deles, não é um ambiente hospitalar. A Amanda Selfie é uma ponta de lança, uma forma de recrutá-los mais rapidamente e de coletar dados que contribuirão para entendermos o comportamento desses jovens”, avalia. 

Em Belo Horizonte, o Centro de Referência funciona na Rua Guaicurus, 50, na região central. Os atendimentos são realizados às segundas-feiras, das 18h às 21h, e de terça a sexta-feira, das 14h às 17h. Interessados em participar da pesquisa devem entrar em contato pelo telefone (31) 99726-9307. 

‘Deixa eu te contar’

Acervo do projeto

“Sabia q existem vários tipos de prevenções? Uma delas é a PreP, que previne a infecção pelo HIV através de um remedinho, tipo pílula q vc toma todo dia e é gratuito pelo SUS, acredita? Os meus criadores são pesquisadores da UFMG, USP e UFBA e querem sua autorização para usar as infos do nosso papo pra pesquisar o comportamento sexual e prevenção do HIV em jovens. Se tu não tiver a fim de participar dessa pesquisa, pode continuar falando comigo de boas, mas, se quiser, pode desistir a qualquer hora e pedir pra apagar suas infos! Qualquer denúncia pode ser comunicada ao Comitê de Ética em Pesquisa. Info da pesquisa e o contato do comitê estão no link.”

(Matéria publicada no Boletim UFMG Nº 2067 – Ano 45 – 12.08.2019)