‘Será que sou uma fraude?’ Conheça a síndrome do impostor

Apesar de não ser considerado um transtorno psicológico pela OMS, acometimento ganha cada vez mais espaço nos estudos de saúde mental


28 de agosto de 2019 - ,


*Alexandre Bueno

Ansiedade, insegurança e dúvidas quanto à própria capacidade. Esses sentimentos podem ser comuns quando se inicia uma nova jornada acadêmica ou profissional. Mas atenção, quando constantes, podem se tratar de um fenômeno psíquico conhecido como “síndrome do impostor”, mas que de impostor não tem é nada. O nome vem do sentimento de fraude que a pessoa com síndrome tem, mesmo ela tendo trabalhando duro para alcançar o sucesso.

 “Tive sorte”

O transtorno faz com que pessoas capacitadas vejam a si mesmas com uma inferioridade ilusória, percebendo-se como desqualificadas e subestimando as próprias habilidades. “A pessoa tem uma competência técnica bem estabelecida, mas atribui seus sucessos a outros fatores, como sorte ou oportunismo”, explica o psicólogo Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis, professor convidado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG.

“Eu sou uma fraude”

Incapazes de aceitar o próprio sucesso, pessoas com a síndrome do impostor podem se sentir como fraudes porque acreditam que só ocupam a posição atual por terem enganado seus pares, fazendo-os acreditar que são mais inteligentes ou competentes do que realmente são.

A situação é oposta a outro fenômeno psíquico, o efeito Dunning-Kruger. Esse fenômeno é caracterizado pela superioridade ilusória. Nele, indivíduos pouco capacitados ou com baixo nível de conhecimento sobre determinado assunto enxergam-se superiores aos demais. Com isso, tomam decisões mal-informadas, resultando em falhas. De acordo com Gilmar Tadeu, é a própria incompetência do indivíduo, aliada à arrogância, que borra sua visão sobre as próprias capacidades.

Um campo de estudo recente

Gilmar Fidelis, que também é coordenador do Programa de Tutoria da Faculdade de Medicina e psicólogo do Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Unidade (Napem), explica que atenção dos pesquisadores em saúde mental tem se voltado para esse fenômeno nos últimos anos, mesmo a síndrome do impostor não sendo reconhecida oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Principalmente nos Estados Unidos, que possui um volume de pesquisa muito grande nessa linha, a gente tem pesquisadores como a professora Gail Matthews, da Universidade Dominicana da Califórnia”, aponta. De acordo com ele, os estudos realizados pela professora americana indicam que até 70% dos entrevistados que podem ser considerados “bem sucedidos” apresentaram sintomas ligados à síndrome do impostor.

Além disso, Gail Matthews também concluiu que um dos ambientes mais propícios para a manifestação do fenômeno é o meio acadêmico, sobretudo entre os alunos de mestrado e doutorado. Fidelis explica que a prevalência nesses ambientes se deve à alta competitividade, à rigorosidade dos processos de seleção e ao nível exacerbado de competência demandado dos indivíduos.

No Brasil, ainda não existem estudos aprofundados sobre a síndrome do impostor. Porém, Fidelis afirma que a área tem chamado atenção dos profissionais do Napem. “Em termos não formais, todos nós que atendemos no Napem, sejam os psicólogos ou psiquiatras, temos percebido isso. Notamos um aumento significativo no percentual de indivíduos, principalmente no ciclo básico, que se sentem inseguros e desmerecedores de ocupar um lugar no curso de Medicina da UFMG”, afirma o professor.

Autossabotagem

Um comportamento observado na maioria dos casos de síndrome do impostor é a autossabotagem. Por medo de falhar, o indivíduo adota posturas e atitudes temerárias que acabam resultam na decepção que tentava evitar. “Isso pode acontecer, inclusive, em outros campos da vida, como nos círculos afetivos. Por medo de decepcionar os parceiros e provocar o fim de um relacionamento, por exemplo, essas pessoas adotam comportamentos autodestrutivos e provocam um distanciamento que, por consequência, leva ao término que tentavam prevenir”, exemplifica Gilmar Fidelis.

Busque ajuda

 “O primeiro cenário, em qualquer situação de sofrimento mental, é fazer o reconhecimento do quadro”, afirma o professor. Para isso, o mais indicado é procurar um profissional de saúde mental. São eles que podem ajudar o indivíduo a identificar as causas do sentimento e as possíveis estratégias de superação.

Como em outros casos de sofrimentos psíquicos, não há um padrão para tratamento da síndrome do impostor. É necessário identificar as ancoragens e gatilhos do transtorno, de forma individual, para que o profissional de saúde consiga direcionar o paciente ao melhor curso de tratamento possível.

“Além disso, é recomendado que a pessoa busque um mentor em sua vida profissional, um indivíduo em quem ela confie e que possa prover um norte, de maneira bem estruturada, para sua atuação e desempenho profissional”, recomenda.

A síndrome do impostor também pode ser indicativo da presença de outros sofrimentos psíquicos no indivíduo. A permanência do transtorno por períodos prolongados pode ser um alerta para a presença da depressão, do transtorno de ansiedade ou outros sofrimentos. Por isso, é importante buscar um profissional de saúde.

Apoio psicopedagógico na UFMG

-> Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Faculdade de Medicina (Napem): Faculdade de Medicina, Térreo, Sala 39
3409-9696
-> Plantão Psicológico – Serviço de Psicologia Aplicada (SPA)
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich): 2º andar, Sala 2066 – campus Pampulha
3409-5070
-> Serviços de Escuta das Unidades – Pró-reitoria de Assuntos Estudantis

No município


-> Rede Municipal de Saúde Mental – Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM)

*Alexandre Bueno – estagiário de Jornalismo
Edição – Karla Scarmigliat