Suicídio: a luta de quem sobrevive

Quando o luto é relacionado ao suicídio, a família precisa superar os rótulos impostos pelas pessoas, além de tentar encontrar respostas diante de uma morte traumática.


08 de setembro de 2016


laço amarelo

*Ives Teixeira Souza

Vivenciar o luto, essa série de sentimentos característicos da perda, não é algo fácil. Quando o luto é relacionado ao suicídio, a família precisa, ainda, superar os rótulos impostos pelas pessoas que observam a situação, além de tentar encontrar respostas diante de uma morte traumática. Como explica o professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente da Associação Latino-Americana de Suicidologia, Humberto Corrêa, o luto de quem perdeu alguém próximo por suicídio é carregado por um sentimento de culpa, de que poderia ser feito algo a mais e a pessoa não deu a atenção devida.

Além disso, esse luto pode apresentar sentimentos de raiva, tanto para com quem se matou quanto para com os profissionais de saúde que lidaram com o caso. “A pessoa na incapacidade de vivenciar a culpa, acaba transferindo isso para um terceiro. Então, os sentimentos são muito intensos e difíceis de serem lidados por elas, quem a literatura médica chama de sobreviventes”, esclarece Corrêa. São consideradas sobreviventes do suicídio as pessoas que tiveram suas vidas afetas por causa dessa morte, como pais, filhos, familiares, amigos.

Estima-se que para cada suicídio, de cinco a seis pessoas sejam diretamente afetadas, o que faz, somente no Brasil, com que mais de 70 mil pessoas, anualmente, sejam consideradas sobreviventes do suicídio. Com mais de 12 mil casos anuais no Brasil, segundo os números do DataSus (2012), o número de suicídios entre jovens entre 15 e 29 anos vem aumentando. Na década de 1990, a Organização Mundial de Saúde convidou os países membros a elaborarem estratégias nacionais de prevenção. O Brasil assinou o documento, porém ainda não adotou nenhuma política pública sobre o tema, apesar do crescimento dos números.

Política Pública

Enquanto alguns países, como a Inglaterra, conseguiram reduzir o índice de mortalidade de suicídio adotando políticas públicas para o tema, como o tratamento efetivo da depressão, o Brasil ainda caminha para efetivar um banco de dados com o perfil epidemiológico das pessoas que tentam suicídio. “Elas têm que ter um atendimento para evitar que tentem novamente. No Brasil, desde 2014, existe uma portaria que torna obrigatório a notificação de tentativa de suicídio. Na prática, as pessoas nem sabem disso. É preciso ter uma forma muito mais ativa de ajudar essas pessoas.”, analisa o professor do Departamento de Saúde Mental.

Corrêa aponta que a posvenção, atividades que ajudam no enfrentamento do luto, é importante para ajudar as pessoas a elaborarem o que aconteceu. Os sobreviventes entram, com mais frequência, em um processo depressivo, além do fato de que as pessoas com histórico familiar de suicídio possuem um risco maior de tentarem se matar.  “Então nós estamos lidando com uma pessoa que passa por um luto complicado, que entra numa fase depressiva e que tem uma vulnerabilidade genética familiar. É fundamental que elas tenham o apoio adequado”, destaca Humberto.

Por isso, o suicídio deve ser prevenido tanto no nível de política pública quanto no nível individual. Para os chamados sobreviventes, participar de grupos que realizam esse acolhimento, de uma pessoa escutar a outra, pode facilitar o processo do luto, além de receber orientações psicológicas e médicas.

Tabu

Considerado tabu pela sociedade, o tema suicídio precisa ser colocado em debate, ser desmitificado. O próprio profissional de saúde, como alerta Corrêa , é pouco treinado para lidar com as pessoas que tentam se suicidar, entre outros motivos, pela dificuldade de se discutir o assunto. “O suicídio tem que ser tratado da maneira mais natural possível, o suicídio é uma questão de saúde. Ninguém fica preconceituoso com a família porque alguém morreu de câncer ou infartou. Por que ficar se alguém morreu por suicídio? Faz parte da prevenção combater esse estigma, tentar falar mais abertamente possível sobre esse problema que é uma questão de saúde pública.” adverte Humberto Corrêa.

*Redação: Ives Teixeira Souza– estagiário de jornalismo
Edição: Gilberto Boaventura