Tabu longevo: Taxa de morte por suicídio é maior na população idosa

Por representação quantitativa da população, pessoas idosas tem risco maior do que as mais jovens em relação ao suicídio. Especialista alerta que mortes são evitáveis e orienta sobre intervenções.


27 de dezembro de 2022 - , ,


Os jovens estão no grupo etário que apresentam mais mortes por suicídio, avaliando os números absolutos. No entanto, as maiores taxas por cem mil habitantes são representadas por idosos. Ou seja, pessoas com 60 anos ou mais têm maior risco de se suicidarem, sendo que esse risco aumenta conforme a idade no sexo masculino. Por isso é importante que a população geral, familiares e profissionais de saúde se atentem aos sinais e possam promover intervenções, incluindo algumas específicas para a idade.

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“É preciso compreender que os idosos estão em menor número em representatividade da população. Por isso que, embora o número absoluto de mortes é menor, a taxa por cem mil habitantes fica maior”, ressalta o professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Bernardo de Mattos Viana.

Outro dado importante é sobre o número de tentativas. O especialista afirma que há uma proporção de uma morte por 200 tentativas entre os jovens, enquanto a proporção é de uma para até 4 tentativas por idosos. Isso significa que a tentativa de suicídio em idosos é mais letal. De acordo com Viana, este grupo tende a planejar mais, dificultando o pedido de socorro, além de escolherem meios mais letais, causadores de danos físicos que podem se complicar, inclusive, devido à capacidade de reação do corpo idoso. “Também há a questão do maior potencial de isolamento. Jovens tendem a ter uma rede de suporte mais presente, enquanto idosos dependem majoritariamente de uma rede primária, como familiares”, acrescenta.

Bernardo ainda lembra que, como mostram estudos, é possível que o número de suicídio seja maior e essa subnotificação está relacionada ao tabu, preconceito ou visão negativa do que é uma morte por suicídio. “É como se notificar o suicídio significasse apontar a culpa de alguém, da própria pessoa, de familiares ou profissionais de saúde, por exemplo”, reflete. “Isso não só impacta a sociedade ao não mostrar a realidade, como significa que ela não quer ver esse problema como ele deve ser visto”, continua.

“É uma questão multifatorial e complexa que deve ser abordada nessa amplitude, pois assim é possível compreendê-la e entender que se trata de uma morte potencialmente evitável”

Suicídio é questão de saúde pública

O professor acredita que são diversas as razões por ainda se falar pouco sobre o suicídio por idosos, mas o tabu tem destaque. E isso está relacionado tanto por ser um assunto vedado quanto “a problemática em relação ao entendimento do que é o envelhecer, ainda maior quando somada ao tabu sobre sexo e uso de substâncias nessa idade”.

A pontuação do especialista é por essas questões estarem associadas ao perfil de idosos que se suicidam. “Em geral há um transtorno mental associado: sendo mais a depressão no caso de mulheres e depressão e uso de substâncias como o álcool no caso dos homens”, explica. De acordo com Bernardo, 1/3 dos homens que suicidaram tinham problema com o uso do álcool. “Por isso, intervenções nesse grupo devem considerar a questão, além do tratamento de depressão, por exemplo. Mas o tabu também em relação a isto, o uso de álcool e outras substâncias nessa idade, dificulta ainda mais”.

Uma questão social relacionada ao risco para suicídio que o professor destaca é a perda imediata de suporte, como a morte da pessoa parceria da vida, sua companhia afetiva e de rotinas. “Isso seja pela morte do cônjuge, de um filho, amigo próximo, mas também pela perda dos recursos financeiros ou do seu lar, como quando vai para uma instituição de longa permanência”, cita. Além disso, ele lembra que essas mudanças no estilo de vida, incluindo por questão de saúde física, podem levar episódio depressivo – devido à perda funcional, com o sentimento de falta de autonomia e de que a vida não vale mais a pena ser vivida – e à tentativa de suicídio.

“É importante falar desses riscos para lembrar que são potencialmente tratáveis. Ou seja, tratar a depressão ou a dor crônica, por exemplo, pode ser uma estratégia de prevenção ao suicídio”, destaca Bernardo Viana

Suicídio está associado ao desespero, desesperança e desamparo

Segundo o especialista, idosos dão menos sinais, pedem menos ajuda e tem uma tendência menor de falar sobre tristeza ou sofrimento. Muitas vezes, quando falam, o ouvinte acha que as queixas são comuns da idade. “Não se deve menosprezar. Algumas condições, como a depressão, podem se manifestar como redução de interesse ou vontade de fazer coisas que a pessoa costuma fazer, isolamento, tristeza (com ou sem choro) e pensamentos recorrentes de morte como uma solução para o sofrimento”, lembra Bernardo. Ele alerta para a importância de ficar atento aos sinais principalmente quando o idoso perde seu suporte social.

Conheça o IVCF-20
De acordo com o professor Bernardo, é possível rastrear a depressão com perguntas simples feitas por profissionais de saúde:
1) Nas últimas duas semanas a pessoa apresenta tristeza, ou humor deprimido ou rebaixado ou sentimento de vazio na maior parte dos dias?
2) Nas últimas duas semanas a pessoa apresenta redução acentuada da vontade e do prazer na maior parte dos dias?

“Idosos frágeis e com alta vulnerabilidade clínico funcional apresentam maiores taxas de depressão. Estas duas perguntas também fazem parte do IVCF-20, instrumento de avaliação da vulnerabilidade clínico funcional de idosos desenvolvido pelo professor da Faculdade, Edgar Nunes de Moraes, e pela equipe do Núcleo de Geriatria e Gerontologia do Hospital das Clínicas da UFMG.

Qualquer profissional de saúde ou até mesmo o próprio idoso e seus familiares podem utilizar o IVCF-20 como instrumentos de triagem rápida. Saiba mais clicando aqui.

“Ao ver a pessoa idosa dando esses sinais, a melhor conduta é procurar um serviço de saúde”, defende o especialista. E ele salienta: “é fundamental rastrear e tratar depressão. Mas no caso de homens idosos, por exemplo, ainda é importante rastrear e tratar o transtorno de uso de álcool e outras substâncias”.

Hábitos como atividade física, alimentação e sono adequados tem impacto positivo nos sintomas de depressão, assim como evitar o isolamento social pode ser uma ação de prevenção ao suicídio para mulheres idosas. Mas o professor acrescenta que outros dados, da psicologia positiva, também apontam o otimismo, capacidade de resiliência e o suporte social e familiar como possíveis preditores de promoção de saúde. “Ou seja, não é não ter problemas, mas sim ser capaz de lidar com os problemas e superá-los”.

“Também é preciso ter um motivo de viver. As pessoas têm que ter tanto atividades significativas quanto atividades prazerosas ao longo do dia para nortearem este motivo. Quem não tem nem uma, nem outra, tende a ser menos estimulado a ter boa saúde mental ou a manutenção do seu estado de humor. Mas isso não é uma fórmula. Cada pessoa é de um jeito. O que é significativo e importante, assim como prazeroso para um pode não ser para o outro. É preciso entender o que faz sentido para a pessoa idosa”

O professor reforça a importância do suporte social e familiar, capaz de abarcar a pessoa idosa ou de ajudá-la no momento de sofrimento, como fundamentais para proteção contra o desespero, desesperança e desamparo, os três “Ds” muitas vezes associados à depressão e à tentativa de suicídio.

Atenção!
Se você sentir a necessidade de conversar com alguém sobre seus sentimentos e pensamentos, ligue gratuitamente para o CVV no número 188 ou entre no site www.cvv.org.br.

Também é possível buscar suporte para a saúde mental em instituições como Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou hospitais psiquiátricos. Para isso é importante consultar-se com o médico, que pode orientar sobre o plano de tratamento de acordo com as necessidades do paciente.

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