UFMG foi ‘atropelada’ pela Stock Car, diz Sandra Goulart em audiência na ALMG
Reunião convocada pela Comissão de Educação do parlamento mineiro foi marcada pela ausência da Prefeitura e dos organizadores
17 de abril de 2024 - UFMG
Audiência pública realizada nesta terça-feira, 16 de abril, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi marcada pela apresentação de dados sobre os impactos da realização da corrida automobilística Stock Car no entorno da UFMG por gestores de diversas instâncias da Universidade e pela ausência da Prefeitura de Belo Horizonte e da Speed Seven, empresa responsável pelo empreendimento.
A audiência foi convocada pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, que recomendou a mudança do local da prova em relatório apresentado no último dia 10 de abril, após visita técnica ao Biotério Central da UFMG. Durante a audiência, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida destacou que a “UFMG não foi apenas atropelada, mas desrespeitada” no processo de escolha do local da Stock Car em Belo Horizonte, quando deveria ter sido a primeira a ser consultada sobre a decisão, uma vez que o percurso da corrida afeta várias unidades da instituição de forma direta, como o Hospital Veterinário, o Centro Esportivo Universitário (CEU) e o Centro de Treinamento Esportivo (CTE), que terão seus acessos fechados durante a competição – o acesso ao estacionamento do ICB, na Avenida Rei Pelé, já está bloqueado por conta das obras de recapeamento das vias no entorno do Mineirão.
A reitora também apresentou documentos históricos, como a recomendação do então reitor Marcelo Coelho, em 1972, para a preservação das árvores no entorno do então Palácio dos Esportes, o atual Ginásio Mineirinho, após acordo com o governo estadual. Também foi exibido ofício, de 1988, em que a Ademg, antiga autarquia que administrava o estádio Mineirão, descartou a construção de um autódromo de kart nas imediações, ideia ventilada à época.
A reitora aproveitou ainda para contestar as narrativas que têm sido construídas no sentido de desqualificar o posicionamento da universidade sobre a Stock Car. “A UFMG é vítima e denunciante. Estão construindo narrativas inverídicas, mentirosas, muitas vezes, sobre a postura da Universidade, tentando trazer para a seara questões que não dizem respeito a este assunto específico, inclusive dizendo que há calouradas na UFMG. A Universidade proibiu as festas em 2022; antes disso, chegou a adotar uma resolução que era muito rigorosa, e todas as festas realizadas sem autorização são inclusive investigadas”, assegurou.
Além da reitora, vários diretores de unidades e integrantes da Administração Central da UFMG apresentaram números sobre os impactos da Stock Car. O pró-reitor de Administração, Ivan Lopes, informou que cerca de 20 mil veículos circulam diariamente pelo campus Pampulha, além de cinco linhas de ônibus internas e três linhas externas (incluindo uma suplementar). “Esse fluxo foi alterado com o processo de recapeamento, de obras no entorno, que já começou”, observou.
Atletas e pacientes
Os diretores do CTE e do CEU, Maicon Albuquerque e Luciano Pereira da Silva, respectivamente, destacaram que ainda não receberam qualquer informação sobre o período da interdição dos acessos aos centros, que pode se estender por até 19 dias, no mês de agosto, entre a montagem da estrutura e a prova da Stock Car, nem mesmo para que possam fazer o planejamento das atividades. Eles informaram que 300 pessoas fazem atividades de esporte e lazer diariamente no CEU, além dos 80 funcionários; outros 600 atletas e paratletas treinam semanalmente no CTE, incluindo atletas classificados para a próxima edição dos Jogos Olímpicos, em Paris. “Dezenove dias no treinamento de um atleta olímpico não se recuperam. Esses atletas não terão outro lugar para treinar se não tiverem acesso ao CTE”, pontuou Albuquerque.
O diretor da Faculdade de Odontologia, João Batista Novaes Júnior, também lamentou a falta de informações sobre possíveis alterações que podem afetar o acesso à Unidade, onde cerca de 500 pacientes encaminhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) fazem tratamento. “Nós temos pacientes que necessitam de diagnóstico de câncer [bucomaxilofacial]. Alguém pode vir do Norte de Minas, num determinado dia, e não conseguir chegar à Faculdade de Odontologia. Qual será o impacto disso na vida desse paciente? A prefeitura [de sua cidade] agendou um carro para ele, ou até mesmo uma ambulância”, ilustrou o diretor da Unidade, João Batista Novaes Júnior.
Acessibilidade e meio ambiente
A diretora da Estação Ecológica da UFMG, Maria Auxiliadora Drumond, informou que a área protegida, com extensão de 114 hectares, é limítrofe à pista traçada para a prova da Stock Car. “É muito mais difícil monitorar os impactos sobre a fauna silvestre em liberdade do que os impactos sobre os animais que estão confinados no hospital [veterinário] ou no biotério. Precisamos de um licenciamento ambiental, isso não é um evento, é um empreendimento”, enfatizou.
Durante a reunião foram apresentados, ainda, possíveis impactos no calendário letivo dos estudantes do Coltec, colégio técnico instalado na campus Pampulha, impactos diretos para a acessibilidade de mais de 350 pessoas com deficiência, o equivalente a 30% do número cadastrado pelo Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG, além de impactos para as pesquisas da Universidade, especialmente para os animais do Biotério Central, usados nos testes de laboratório.
Encaminhamentos
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, comprometeu-se a fazer novas visitas técnicas às instalações da UFMG, a começar pelo Hospital Veterinário, e depois ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB), à Estação Ecológica e ao Colégio Técnico (Coltec). A parlamentar também informou que acionará o Ministério Público, por meio das promotorias de Defesa à Educação e ao Direito das Pessoas com Deficiência, e encaminhar aos patrocinadores da Stock Car o relatório da visita técnica ao Biotério Central e o conteúdo da audiência pública.
O deputado federal Rogério Corrêa, do PT, que participou da audiência de forma remota, informou ter entregue ofício à Advocacia Geral da União (AGU) para que o órgão avalie possíveis medidas judiciais em defesa da UFMG no contexto da realização da Stock Car.
Alessandra Ribeiro – Cedecom