UFMG tem cinco das 50 pesquisadoras que mais formam ‘descendentes’ no Brasil

Lista conta com docente da Faculdade de Medicina e foi compilada com base em informações sobre orientações acadêmicas de 1,4 milhão de cientistas com currículos na plataforma Lattes


13 de setembro de 2021 - , , , ,


Rede mostra as descendências acadêmicas de 50 pesquisadoras brasileiras
Rede mostra as descendências acadêmicas de 50 pesquisadoras brasileiras. Divulgação

Trinta e dois mil pontinhos interligados, cada um representando um cientista ou um aspirante a cientista. A imagem que ilustra essa matéria foi elaborada pelo grupo de pesquisa Computational System Biology Laboratory e mostra os descendentes acadêmicos de 50 mulheres que contribuíram para a ciência mundial, atuando no desenvolvimento de pesquisas e orientando os futuros pesquisadores em cursos de mestrado e doutorado.

Essa rede foi elaborada por Helder Nakaya, pesquisador sênior do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele fez o download dos dados da Plataforma Acácia, que compila as orientações de 1,4 milhão de pesquisadoras cujos currículos estão disponíveis na plataforma Lattes. Com base nisso, Nakaya elaborou um programa que é capaz de, partindo da lista de currículos da plataforma, filtrar os descendentes acadêmicos das pesquisadoras listadas.

“Inicialmente, elaborei uma rede com 19 pesquisadores de um grupo de Whatsapp do qual faço parte. Naquele momento, recebi críticas mais do que justas, pois, dos 19 nomes, apenas dois eram mulheres. Então, decidi elaborar um novo gráfico, escolhendo 50 nomes de pesquisadoras mulheres que admiro pessoalmente, integrantes da Academia Brasileira de Ciências ou que têm muitos descendentes acadêmicos. Assim, surgiu essa rede formada por mulheres pesquisadoras”, conta.

Maioria na base, minoria no topo

A invisibilidade das mulheres no campo da pesquisa que ficou evidenciada na primeira rede criada por Nakaya é um ponto de consenso das análises feitas pelas cinco professoras e pesquisadoras da UFMG que integram a rede: Heloisa de Oliveira Beraldo, do Instituto de Ciências Exatas (Icex), Sandra Regina Goulart Almeida, da Faculdade de Letras, Santuza Maria Ribeiro Teixeira, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Virgínia Sampaio Teixeira Ciminelli, da Escola de Engenharia, e Dulciene Maria de Magalhães Queiroz, da Faculdade de Medicina.

Apesar de serem de áreas distintas do conhecimento, elas enumeraram os obstáculos que enfrentaram a partir do momento em que decidiram se tornar pesquisadoras. Virgínia Ciminelli, primeira professora titular da Escola de Engenharia da UFMG, cita o “efeito tesoura”, teoria formulada por Márcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para explicar a desigualdade entre homens e mulheres nas carreiras acadêmicas. “A mulher não é minoria na base, mas é minoria no topo da pirâmide. Por isso, é importante que aquelas que conseguiram chegar ao topo acolham e sejam mentoras das que virão nas próximas gerações”, afirma Ciminelli.

A reitora Sandra Goulart Almeida corrobora com esse pensamento: ela afirma que, na UFMG, apesar de as mulheres já representarem 54% do corpo discente na graduação, esse índice cai quando é considerada a presença delas em cargos de direção. “O ‘efeito tesoura’ é visível no nosso dia a dia, visto que a presença das mulheres vai diminuindo nos níveis mais altos da carreira de pesquisador. Além de pesquisar, as mulheres exercem outras funções na sociedade, são mães, são cuidadoras, então é muito importante criar ferramentas para que elas consigam exercer os papéis que desejar, sem comprometer suas carreiras na pesquisa”, diz Sandra.

“O fato de a plataforma Lattes ter criado um campo para a maternidade é um avanço, mas ainda é pouco. É necessário que se construa igualdade de condições para homens e mulheres em todos os campos. Na academia, isso passa pelas bancas de seleção, que precisam ter homens e mulheres na mesma proporção, e pelo incentivo para que mulheres citem outras mulheres em seus trabalhos”, acresenta.

Para a professora Santuza Teixeira, o posicionamento das mulheres na pesquisa é um desafio que precisa ser enfrentado com urgência. “Essa não é uma briga fácil. É preciso desenvolver uma estrutura para que a pesquisadora possa também ser mãe, caso assim deseje, sem prejudicar as suas funções na universidade ou no laboratório. É preciso trabalhar para a mudança dessa mentalidade, para que a sociedade entenda que o papel de cuidadora não deve ser restrito às mulheres.”

Sobre essa mudança de mentalidade, a professora Heloisa Beraldo acrescenta que, desde a infância, os papéis dos homens e das mulheres são muito diferentes e que a curiosidade científica, em geral, costuma ser associada somente aos homens.

“Não se espera que uma menina demonstre interesse pela ciência, e isso se reflete no menor número de mulheres que conseguem atingir os níveis mais altos de produtividade científica e das esferas decisórias. Por isso, as mulheres cientistas, além de se dedicarem à pesquisa, devem também se dedicar a formar novas pesquisadoras e novos pesquisadores que respeitem a participação das mulheres na ciência”, enfatiza.

O Portal UFMG conversou com quatro das pesquisadoras da UFMG que integram a rede desenvolvida pelo Computational System Biology Laboratory. Elas falaram um pouco de suas trajetórias e de como encaram o desafio de formar novos pesquisadores.

Sandra Goulart Almeida:
Sandra Goulart Almeida: curiosidade e aprendizado. Sarah Torres | ALMG

Biblioteca para os orientandos

Sandra Goulart Almeida, da Faculdade de Letras, começou a conversa dizendo que a curiosidade foi a maior motivadora para a sua carreira de pesquisadora e que tudo teve início ainda na graduação, quando atuou como monitora no curso de Letras. Porém, foi um incentivo no fim do curso que desencadeou todo o processo. “Naquela época, a professora Ana Lúcia Almeida Gazolla [que mais tarde seria reitora da UFMG, de 2002 a 2006] me perguntou o que eu pretendia fazer da vida depois de formada. Eu respondi que queria fazer pós-graduação porque gostava de estudar, então ela me incentivou a ir para o exterior, porque o Brasil iria precisar de pessoas com doutorado. Estávamos na década de 80 e foi isso que mudou a minha vida, pois fui para fora decidida a voltar para fazer a diferença, ajudando na formação de outras gerações de novos pesquisadores”, relata.

Ela afirma que orientar é uma das coisas de que mais gosta em sua carreira. “Eu aprendo bastante, me sinto meio mãe dos meus orientandos, ajudando em todo o processo de aprendizado. Nas décadas de 80 e 90, era muito difícil achar livros da minha área aqui no Brasil, então eu viajava e voltava com malas de livros para os meus orientandos, criava uma biblioteca para eles. Hoje, ver esses ex-alunos atuando como professores de universidades federais é uma grande alegria. Sou muito feliz por saber que fiz parte das histórias deles.”

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Virgínia Ciminelli: “orientar é uma experiência maravilhosa”. Arquivo pessoal

Vocação descoberta no doutorado

Santuza:
Santuza: não existem protocolos para lidar com pessoas. Arquivo pessoal

“Sou a filha mais velha de cinco irmãos. Meu pai era comerciante, e minha mãe, dona de casa. Então, posso dizer que não cresci em um ambiente de pesquisa, mas sei exatamente como essa semente nasceu em mim naquela época. Foram a ousadia e o trabalho duro do meu pai, aliados à busca da minha mãe pela excelência, que me fizeram decidir pela carreira de pesquisadora.” É dessa forma que a professora Virgínia Ciminelli, da Escola de Engenharia, atribui o êxito de sua carreira. Sua grande motivação na graduação, no mestrado e no doutorado era a vontade de ser independente, trabalhar e conseguir se manter de forma autônoma, sem precisar da ajuda de outras pessoas. 

O doutorado no exterior foi a etapa que mudou a sua vida. “Me encantei, foi naquele momento que descobri o que era fazer pesquisa, como era o processo de produção de conhecimento”, conta. Sobre a missão de formar novos pesquisadores, ela diz que esta sempre foi a atividade que considera mais importante na carreira acadêmica: “Orientar é uma experiência maravilhosa, pois a troca de experiências é essencial para o nosso crescimento como pesquisadores”.

Orientar é o grande desafio

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Heloisa: ambiente favorável em casa.
Lúcia Beatriz Torres

A professora Santuza Teixeira, do ICB, relata que seu primeiro contato com o ambiente científico ocorreu quando cursava o segundo grau no Colégio Técnico (Coltec) da UFMG. Naquela época, ainda adolescente, ela se deparou pela primeira vez com um laboratório. Ao ingressar na Universidade, logo nos primeiros semestres do curso de Ciências Biológicas, ela começou a fazer iniciação científica. “Eu via os pesquisadores realizando experimentos e tinha certeza que queria ser como eles”, conta. O mestrado e o doutorado aconteceram naturalmente, e hoje a professora acredita que orientar e formar novos pesquisadores é a atividade mais desafiadora da sua carreira. “Não existem protocolos para lidar com as pessoas. Cada orientando é um indivíduo único, com personalidades e interesses distintos. Eu comecei muito jovem na pesquisa e acredito que demorei para aprender a orientar e entender a importância de respeitar a individualidade de cada jovem pesquisador. Vê-los progredindo e dando retorno para a sociedade é o que me move.”

Quando vida pessoal e carreira se confundem

O pai de Heloisa Beraldo, Wilson Teixeira Beraldo, foi um pesquisador reconhecido no campo da Fisiologia. Essa condição proporcionou à professora do ICEx um ambiente muito favorável dentro de casa, onde todos sempre conversaram sobre ciência e pesquisa. No entanto, ela acredita que a paixão pela carreira acadêmica foi definitivamente despertada em seu doutorado na França, quando pôde conviver com as pesquisadoras Lucia Tosi e Arlette Garnier-Suillerot, que trabalhavam “com muito prazer e entusiasmo”. Hoje, Heloisa acredita que sua vida pessoal e sua carreira como pesquisadora se confundem: “Não há uma sem a outra. Ser uma pesquisadora significa dedicar-me inteiramente a investigar temas de interesse, é viver um constante desafio intelectual, que faz muito bem a quem se dedica a essa atividade”. 

Heloísa Beraldo afirma que orientar é a melhor parte do seu ofício. “É muito bom saber que consigo motivar os jovens a se tornarem pesquisadores, que esses jovens darão continuidade aos trabalhos e, melhor ainda, que vão ter suas próprias ideias e linhas de investigação. Esse é o meu estímulo para continuar a pesquisar. Trocar ideias com os alunos é muito importante, e eu devo o que sei aos meus alunos.”

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Dulciene: reconhecimento por pesquisas com a bactéria ‘Helicobacter pylori’
Arquivo da Faculdade de Medicina


Pioneirismo na ABC

Dulciene Queiroz foi uma das primeiras residentes em Patologia Clínica da Faculdade de Medicina da UFMG e passou a integrar seu corpo docente em 1976. Hoje, ela continua à frente de descobertas importantes para a área, principalmente em relação à bactéria Helicobacter pylori, um dos temas em que trabalha com mais ênfase. Em 2014, a professora foi a primeira mulher a representar a Faculdade de Medicina da UFMG na Academia Brasileira de Ciências (ABC), e sua trajetória também já foi reconhecida com a Medalha da Inconfidência, em 2016.


(Luana Macieira/Centro de Comunicação da UFMG)