Uma criança foi infectada por HIV a cada dois minutos em 2020, conclui relatório do Unicef

Professor do Departamento de Pediatria Jorge Andrade Pinto analisa dados do documento em entrevista à Rádio UFMG Educativa.


07 de dezembro de 2021 - , ,


Segundo o médico, Brasil teria condições para alcançar a taxa zero de transmissão vertical, de mãe para filho, do HIV
Segundo o médico, Brasil teria condições para alcançar a taxa zero de transmissão vertical, de mãe para filho, do HIV. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.

Pelo menos 310 mil crianças foram infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana em 2020, o que corresponde a uma a cada dois minutos. Os dados fazem parte do mais recente relatório global sobre HIV e Aids do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Divulgado às vésperas do Dia Mundial do Combate à Aids, 1° de dezembro, a pesquisa mostra que outras 120 mil crianças morreram de causas relacionadas à doença durante o mesmo período, ou seja: uma criança a cada cinco minutos. O texto também alerta que a pandemia de covid-19 aprofunda as desigualdades que já impulsionam a epidemia de HIV há um tempo.

A crise sanitária coloca em maior risco  crianças, adolescentes, gestantes e lactantes vulneráveis pela falta de acesso a serviços vitais de prevenção e tratamento da Aids. Ainda de acordo com o relatório, duas em cada cinco crianças vivendo com HIV em todo o mundo não sabem sua condição, e pouco mais da metade das crianças soropositivas está recebendo o tratamento antirretroviral, a mais importante estratégia para melhorar a qualidade de vida das pessoas nessa condição. O documento também apontou que 88% das mortes infantis relacionadas à enfermidade ocorrem na África Subsaariana. A região foi responsável por 89% dos novos casos pediátricos de Aids em 2020. Na América Latina, o Brasil concentra o maior número de crianças e adolescentes de zero a dezenove anos vivendo com o vírus.

Para analisar os dados divulgados no relatório e entender as causas para um número tão alto de crianças infectadas pela doença no mundo, o professor titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Jorge Andrade Pinto, participou do programa Conexões desta segunda, 6. O pesquisador apresentou uma visão histórica do tratamento da Aids desde a descoberta do vírus, há 40 anos. Nos anos 80, explicou, a doença era fatal. Com os avanços médicos, na virada do século já era considerada crônica, mas tratável, com o uso de medicamentos mais eficientes que proporcionavam a melhora da qualidade de vida das pessoas soropositivas. O convidado comentou como a pandemia da covid-19 dificultou o combate à enfermidade nos últimos dois anos, visto que muitos serviços estabelecidos para a população com HIV foram interrompidos nesse período. A condição de pobreza, conforme ressaltou o professor, também é um fator importante para as pessoas com a doença, pois sofrem com dificuldade de acesso à informação, ao tratamento e ao diagnóstico.

O médico analisou como o combate à Aids é prejudicado pelo estigma, muitas vezes reproduzido por membros do governo, e a forma como o poder executivo tem lidado com a questão, sem fazer campanhas de conscientização e incentivando os jovens a praticarem a abstinência sexual. Para o professor, a estratégia é totalmente ineficaz, pois deveria focar em informar sobre a Aids e outras doenças e gravidez indesejada para que essas situações fossem evitadas. Sobre os dados do relatório da incidência da enfermidade em crianças, Pinto afirmou que é uma tragédia totalmente evitável. O Brasil teria condições de zerar a transmissão de mãe para filho no parto, passando pela testagem da mulher e introdução do tratamento antirretroviral, trabalho de parto assistido adequadamente e não expor o bebê aos riscos do aleitamento materno. Além do país não ter resolvido esse problema, as  condições de tratamento para crianças são muito piores.

“Aids na infância é uma doença considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde e outros órgãos multilaterais. Negligenciada no sentido de que se você comparar as opções terapêuticas oferecidas para o adulto vivendo com HIV com as oferecidas para a criança, a diferença é muito grande. Ou seja, você tem muito menos opções de terapia retroviral adequados para a população pediátrica e isso reflete uma negligência das companhias farmacêuticas e dos governos em geral em prover esse acesso adequado e um rol de opções que sejam apropriados para essa faixa etária. É nesse sentido que a gente vê essa desigualdade de acesso. Então, se você tem, por exemplo, 80% da população adulta em tratamento, você tem 50% da população pediátrica em tratamento”, explicou. 

Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.

O relatório HIV and Aids Global Snapshot, em inglês, pode visto na íntegra no site da Unicef. Os destaques, em português, podem ser acessados neste link.

Produção: Enaile Almeida e Carlos Ortega, sob orientação de Luiza Glória e Alessandra Dantas
Publicação: Alessandra Dantas


Centro de Comunicação da UFMG