Vacina anticocaína em desenvolvimento na UFMG é apresentada durante audiência pública na Câmara dos Deputados
Pesquisadores apresentaram resultados recentes que demonstraram eficácia do produto na inibição dos efeitos da cocaína no cérebro durante a gestação e a amamentação
28 de outubro de 2021
A pesquisa da UFMG em fase pré-clínica que desenvolve uma vacina para a dependência em cocaína foi tema de audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira, 28 de outubro. Os pesquisadores apresentaram resultados recentes que demonstraram eficácia do produto na inibição dos efeitos da cocaína no cérebro durante a gestação e a amamentação, com produção de anticorpos do tipo IgG.
Em agosto, publicação do grupo demonstrou aumento de 50% no ganho de peso em ratas grávidas e uma redução de 30% do número de abortos em decorrência do uso da vacina, apontando para uma diminuição de efeitos da droga nos bebês e transferência da proteção via amamentação. O estudo inédito foi publicado na Molecular Psychiatry, revista do grupo Nature.
Participaram da audiência os deputados Francisco Júnior (PSD-GO) e Hugo Leal (PSD-RJ), o diretor da Faculdade de Medicina da UFMG, Humberto José Alves, e os professores do Departamento de Saúde Mental (SAM) da Faculdade, Frederico Garcia e Maila de Castro.
O professor Humberto José Alves lembrou da vocação da Faculdade de Medicina da UFMG, mesmo em tempos adversos como a pandemia de covid-19. “Estamos entregando nosso melhor, contribuindo com pesquisa, ensino e extensão. Desenvolvemos trabalho nas comunidades, levamos informação, formamos profissionais e produzimos centenas de pesquisas, tudo no sentido de contribuir com a sociedade”, afirmou. Ele completou chamando atenção para o fato da publicação ser inédita e se encaixar perfeitamente no objetivo da Faculdade de contribuir com a saúde pública.
O professor Frederico Garcia apresentou os resultados recentes e destacou que o momento é também de prestação de contas para a sociedade. Ele pontuou que a cocaína é um problema para mais de 18 milhões de usuários no mundo, sendo mais de três milhões no Brasil, segundo país com mais usuários no mundo. “A maior parte dos usuários são jovens, então no caso das mulheres elas estão em idade reprodutiva. Vimos dezenas de casos em que elas chegavam em muito sofrimento nos ambulatórios, dependentes e grávidas. Cocaína e crack são muito nocivas para os fetos, que sofrem penúria de nutrientes, nascendo com risco majorado de doenças mentais e abstinência”, explicou.
O pesquisador seguiu elencando os desafios para os próximos passos, como as mudanças de regulamentação da Anvisa, a descoberta de estereoisômeros do IFA, a pandemia de covid-19 e o consequente fechamento de laboratórios da UFMG e a limitação de recursos financeiros. Atualmente a equipe está preparando o Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento, etapa obrigatória para submissão do produto à Anvisa.
A professora Maila ressaltou que, além das publicações, com a audiência a equipe materializa um dos objetivos, que é trazer a ciência para mudar a vida das pessoas. Ela traçou o histórico de oito anos do trabalho, que começa com a síntese de moléculas capazes de ativar o sistema imune e produzirem anticorpos anticocaína e passa pela demonstração da capacidade de inibição da droga impedindo que ela passe da barreira hematoencefálica, a sintetização da molécula, a demonstração de que não toxicidade e o efeito em animais.
O deputado Hugo Leal (PSD-RJ), um dos financiadores da pesquisa por meio de emenda parlamentar, destacou o trabalho do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, que ele conheceu em visita presencial. “Tenho certeza que essa pesquisa trará repercussões na saúde pública, na catástrofe que são as drogas”, pontuou.
O uso da cocaína na gravidez está associado a quadros graves, tanto na gestante quanto no feto, com repercussões ao longo da vida da criança. Entre os problemas para a mãe usuária de cocaína, podem ocorrer pré-eclâmpsia grave, aborto espontâneo e parto prematuro com complicações. Já para os filhos, é comum se observar baixo peso ao nascer, malformações e síndrome de abstinência no recém-nascido.
Assista a íntegra da audiência:
Pesquisa
Quando a vacina foi injetada em ratas grávidas, os anticorpos gerados impediram ou reduziram a passagem de cocaína para o cérebro da mãe e para os fetos, pela placenta. Além disso, os pesquisadores identificaram que os anticorpos passam através do leite, protegendo também os lactentes.
Foram feitos dois experimentos que compararam a criação de anticorpos pelo uso da cocaína e pela aplicação da vacina. A vacina estimulou a produção de anticorpos em quantidades de quatro a seis vezes superiores ao do uso da droga. Ao todo, 26 animais foram testados, sendo metade de cada experimento em grupo controle utilizando placebo. Comparadas às mães tratadas com placebo, as mães vacinadas durante a gestação apresentaram maior ganho de peso gestacional e maior tamanho da ninhada. Entre os benefícios, as mães vacinadas tiveram ninhadas significativamente maiores no parto (27% maiores) e também no desmame (37%).
A molécula GNE-KLH foi criada a partir da modificação da cocaína e é uma proteína capaz de induzir a produção de anticorpos. O estudo teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e da Câmara dos Deputados, por meio de emenda parlamentar do deputado federal Hugo Leal (RJ).
Participaram do estudo os professores do SAM, Frederico Garcia e Maila de Castro; a professora da Faculdade de Farmácia da UFMG, Gisele Goulart; o professor do Instituto de Ciências Exatas, Ângelo de Fátima; e os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde (NAVeS) do SAM, Paulo Sérgio de Almeida, Raissa Pereira, Sordaini Caligiorne, Brian Sabato, Bruna Assis, Larissa do Espírito Santo e Karine Reis.