Vida após a vida: seja um doador de corpo

Programa de doação de corpos da Faculdade de Medicina da UFMG completou 15 anos em 2014.


29 de janeiro de 2015


O estudo da anatomia com a utilização de cadáveres é realizado para a formação dos profissionais de saúde, principalmente pelos estudantes do curso de medicina. Tendo em vista a importância da utilização dos corpos em estudos e também pelo baixo número de doadores existentes, a Faculdade de Medicina da UFMG criou o programa “Vida após a vida”, que tem a intenção de cadastrar pessoas interessadas em doar o corpo para a instituição. Em 2014, o programa completou 15 anos de existência.

Atualmente, 30 corpos de doadores, que fizeram o cadastro em vida, já estão no acervo da Faculdade. Ao todo, cerca de 570 pessoas já se cadastraram para realizar a doação. Em 2013, 91 pessoas foram cadastradas e em 2014, foram 41. Além dos cadastros realizados em vida, a Faculdade já recebeu 23 doações post mortem.

Segundo o coordenador do projeto “Vida após a vida” e professor do Departamento de Anatomia e Imagem da Faculdade de Medicina, Humberto Alves, a unidade também conta com manequins, imagens e modelos, mas o contato com o cadáver é essencial para processo de aprendizagem dos alunos. “Os modelos artificiais servem para complementar o estudo. O mais importante é que essa experiência com o cadáver é ímpar no sentido de experiência com a morte, com a finitude da vida e as consequentes limitações da atuação dos profissionais de saúde”, explica o também vice-diretor da Faculdade.

A preferência da doação é por pessoas que residam em Minas Gerais, já que o transporte desses cadáveres entre um estado e outro é legalmente mais complicado. No ponto de vista da saúde, não existe nenhum pré-requisito, mas uma entrevista é realizada com o doador para saber os motivos pelo qual ele decidiu doar o corpo. “Temos uma conversa com a pessoa para a gente minimamente perceber se ela está fazendo aquilo de livre e espontânea vontade, não estar passando por nenhum momento da vida que faça com que ela tome uma decisão precipitada”, explica Humberto Alves.

A entrevista é uma conversa livre para a pessoa explicar o motivo da doação. Segundo o professor, os motivos que levam uma pessoa a decidir doar seu corpo variam, mas dentre eles estão consciência da importância do cadáver para o aprendizado e da dificuldade para encontrar doadores, uma forma de agradecimento pela atenção médica recebida, medo de ser enterrada viva, a família não ter condições de arcar com os custos do enterro e até por não gostar de velório e querer evitar a situação aos parentes.

Ailton Madureira, técnico em anatomia, é doador de corpo.

Ailton Madureira, técnico em anatomia, é doador de corpo.

Entre os doadores, é mais comum pessoas acima de 40 anos e que residam em Belo Horizonte e região metropolitana. Ailton Madureira é técnico em anatomia e necrópsia da Faculdade de Medicina da UFMG. Sua função é receber os corpos doados e prepará-los para serem utilizados. Ailton já se cadastrou para, após sua morte, ter o corpo doado para a instituição. “Eu tomei essa decisão, porque o meu material de trabalho são os corpos que são doados com tanto carinho pelas pessoas. Por trabalhar aqui, achei que deveria doar também para que o estudante possa ver as variações anatômicas que existem entre um corpo e outro”, conta.

Após a entrevista, a pessoa assina um documento que manifesta o desejo de fazer a doação. Entretanto, a família é a responsável por avisar do falecimento do doador e ainda precisa assinar um termo mostrando que está de acordo com a decisão. Por isso, a importância dos familiares terem conhecimento do desejo do dador.

História
Durante muitos anos, segundo Humberto Alves, a disciplina de anatomia ficou suprida de cadáveres. Antigamente, os corpos utilizados na Faculdade vinham do antigo Manicômio Judiciário de Barbacena. “As condições sanitárias eram terríveis, muitas pessoas morriam e então a gente ficou durante várias décadas recebendo os corpos de lá. Felizmente as condições sanitárias mudaram, diminuiu significativamente o número de internos, até que chegou o momento que ele deixou de existir”, explica.

Com o fim do Manicômio, conseguiam-se corpos com o curso de medicina de outros estados, como com a Universidade de São Paulo, que era ligada a um serviço de identificação de óbitos que envolvia questões judiciais. Esse serviço foi descontinuado e os corpos vinham de universidades do Rio de Janeiro. “Mas com o aumento das escolas de medicina isso foi ficando cada vez mais difícil. A gente também não conseguia corpos com o Instituto Médico Legal por uma série de razões”, lembra Humberto Alves.

Em 1999, a escola foi procurada por uma pessoa que queria fazer a doação do seu corpo, pois estava com uma doença grave e em fase terminal. Na época, não existia nenhum programa da Faculdade que recebesse este tipo de doação. Foi feita uma consulta à Procuradoria Jurídica e o corpo foi aceito. “O então diretor, professor Geraldo Brasileiro, entendeu que se existia uma pessoa com desejo de fazer a doação, também poderiam existir outras, então começou a ser feita uma divulgação”, conta Humberto Alves.

Como doar?
Para fazer a doação em vida é necessário agendar uma entrevista, de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h, pelo telefone 3409 9739.