Faculdade lança site com histórico do combate à doença de Chagas

Papel da Faculdade de Medicina foi reconhecido pela OMS.


14 de abril de 2020 - , ,


Site especial pelo Dia Mundial da Doença de Chagas aborda da descoberta até os dias atuais.

Na primeira comemoração do Dia Mundial da Doença de Chagas, a Faculdade de Medicina da UFMG lança um site com a história da descoberta, o papel de pesquisadores da Instituição e uma linha do tempo com marcos temporais do combate à enfermidade. Além do site, uma série especial do Saúde com Ciência também aborda temas atuais sobre a tripanossomíase.

A data foi estabelecida durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em maio de 2019. Ministros de 194 estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) e profissionais de instituições globais do setor instituíram o 14 de abril em referência ao dia em que, no ano de 1909, Carlos Chagas identificou o parasita causador da infecção na paciente Berenice, de dois anos, moradora de Lassance.

A infecção acomete oito milhões de pessoas no mundo (sendo cerca de um milhão no Brasil) e é considerada oficialmente uma doença negligenciada.

Nos conteúdos, professores da Faculdade de Medicina fazem um resgate histórico desde a primeira paciente, o surto em Bambuí (que deu origem ao Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas, base do controle da transmissão vetorial da doença), os trabalhos de combate no Brasil e na América Latina, a criação do Ambulatório de Referência em Doença de Chagas até o cenário atual de casos agudos e crônicos.

A atuação dos pesquisadores da UFMG é reconhecida por colegas da comunidade acadêmica internacional. “A OMS, na pessoa do coordenador para a doença de Chagas, Pedro Albajar Viña, buscou a Faculdade de Medicina para dizer que queriam destacar a contribuição para o mundo das pesquisas feitas aqui”, conta o professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Ulysses Panisset, que também é membro do comitê científico da OMS.

Confira o site especial sobre a atuação dos pesquisadores da Faculdade de Medicina no combate a doença de Chagas.

A enfermidade descrita por Carlos Chagas, que ficou marcada com seu nome, é endêmica na América Latina continental e vai do sul dos Estados Unidos, até o Chile e Argentina. Sua descoberta é um caso único na medicina, em que o mesmo cientista descreve uma nova moléstia humana, seu agente (o protozoário Trypanosoma cruzi) e o vetor (o percevejo hematófago, conhecido popularmente como barbeiro). “Sem qualquer ufanismo, nós podemos ter orgulho do que foi feito em termos de desenvolvimento de informações, conhecimento, proteção de pacientes e controle de Doença de Chagas no país”, afirma o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Manoel Otávio da Costa Rocha.

Existem duas fases da doença de Chagas. Na fase aguda, que ocorre durante as primeiras semanas ou meses desde a infecção, pode não haver sintomas ou apenas um quadro moderado de febre, fadiga, dor no corpo e o sinal de Romaña (edema das pálpebras), entre outros, além do inchaço no local da picada do barbeiro (chamado chagoma). Já a fase crônica dura o resto da vida do paciente, podendo acarretar em cardiopatias ou danos ao sistema digestório (megacólon e megaesôfago).

“Chagas é um gênio, descreveu a doença, o vetor, o agente, a história natural… É impressionante sua capacidade de observação e dedução”, completa o professor Antônio Luiz Pinho Ribeiro. Desde então, cientistas brasileiros têm sido os principais líderes no conhecimento sobre a doença de Chagas, com importante participação dos pesquisadores ligados à Faculdade de Medicina da UFMG.

O barbeiro infectado pelo protozoário contamina o ser humano ao defecar após picar o indivíduo e alimentar-se de sangue, geralmente à noite. A partir daí, a maior parte das pessoas desenvolve uma forma indeterminada, que não apresenta quadro clínico. Entre 25% e 30% dos infectados desenvolvem cardiopatias, sendo 10% graves. “A única coisa que Carlos Chagas não conseguiu demonstrar da doença continua sendo um problema até hoje, que é o tratamento específico, quer dizer, como você elimina a infecção. Isso você consegue em algumas formas da doença e, em outras, não”, explica Manoel Otávio.

A partir de então, pesquisadores brasileiros se dedicaram a encontrar formas de combater o vetor e tratar das complicações, principalmente cardíacas, causadas pela doença. Confira essa história no site.

O contato direto com os triatomíneos já não é o foco principal de preocupação. Em 2006, o Brasil recebeu a certificação da interrupção da transmissão vetorial, pela Organização Pan-americana de Saúde. Hoje, o país contabiliza casos agudos por transmissão oral, principalmente nos estados do Norte, por consumo de frutas não pasteurizadas (em especial o açaí), moídas junto com o inseto. Em números menores, ainda há a transmissão vertical (de mãe para filho, durante a gravidez) e casos isolados de contaminação laboratorial.

Nas últimas décadas, os métodos de diagnóstico e tratamento da principal complicação da doença de Chagas – a cardiomiopatia chagásica crônica – evoluíram e permitem uma melhoria na qualidade de vida de pacientes que chegam ao sistema de saúde. “Hoje, podemos dar mais assistência a essas pessoas, por meio da ecocardiografia, do holter e outros métodos cardiológicos, que nos permitem intervir mais precocemente do ponto de vista terapêutico. Assim, podemos avaliar melhor o prognóstico da doença , atuar na prevenção e detecção de trombos e, mais agressivamente, nas arritmias”, conta a professora Rosália Torres.

“Existe um pensamento coletivo de que não existe mais doença de Chagas. Temos que ressaltar que ela existe sim, que ela mudou seu perfil epidemiológico – com os casos agudos por contaminação oral, na região amazônica e muitos casos crônicos nas demais regiões do país. Esses pacientes foram infectados na década de 1970 e hoje são pessoas mais velhas, com outras comorbidades”, afirma Rosália.

“Os pacientes chegam aos hospitais com outras queixas e, muitas vezes, não são questionados pelos profissionais de saúde ao fato de serem portadores da doença, apesar de ter uma epidemiologia positiva e, muitas vezes, até já diagnosticadas anteriormente. Os quadros cardiológicos se confundem, por isso é preciso que tenhamos em mente que a doença crônica persiste, acomete boa parte da população brasileira – quase toda ela nas periferias das grandes cidades e nas regiões rurais”, esclarece a professora.

A negligência associada à doença ainda é uma barreira a ser vencida. O papel da ciência brasileira é, ainda, central para a busca de soluções. “A doença tem décadas de evolução e há o fato de que ela fica obscurecida pela pobreza dos pacientes, pela situação socioeconômica de quem está acometido. Mais uma vez, nesse sentido, o Brasil aparece com uma grande importância”, pontua Antônio Pinho.

O tema deve seguir no radar de pesquisadores e gestores públicos. “Nós não devemos baixar a guarda, já que é uma doença que leva à desigualdade e ao sofrimento das pessoas que têm menos recursos. Então é uma obrigação da Universidade e da sociedade cuidar disso”, defende Antônio.

“Espero que a minha geração seja a última a lidar com essa doença”

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