Alimentos “saudáveis” escondem mais açúcar do que você imagina

Falta de informações e legibilidade dos rótulos dos alimentos contribuem para a obesidade infantil


20 de dezembro de 2019 - , , ,


É de se imaginar que doces, sorvetes e refrigerantes contêm alta quantidade de açúcar. Por isso, não se deve oferecê-los em grande quantidade às crianças. O problema, no entanto, está nos alimentos vendidos como opções mais saudáveis, mas que na verdade apresentam conteúdo igualmente exagerado de açúcar, como alguns iogurtes e sucos de caixinha.

Mas como identificar a presença desse composto nos alimentos quando as embalagens não trazem essa informação de forma clara? Esse é, inclusive, um dos fatores que, comprovadamente, contribui para a obesidade infantil e que vem sendo debatido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“No Brasil, as letras das embalagens são muito pequenas e a linguagem muito técnica”, avalia o professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Clésio Amaral, que também é subcoordenador do eixo Prevenção de obesidade e outros distúrbios nutricionais, do ObservaPed.

De acordo com Amaral, o país avançou nos últimos anos em relação à rotulagem dos alimentos. “Se nos compararmos com uns 30 e 20 anos atrás era bem pior”, enfatiza. Prova é que, recentemente, a agência aprovou mudança dos rótulos de alimentos produzidos ou comercializados no Brasil, com o desenho de uma lupa na parte da frente dos rótulos alertando para o eventual excesso de açúcares, gorduras saturadas ou sódio.

Cuidados com a alimentação das crianças durante às férias é um dos temas do Saúde com Ciência desta semana, que também aborda a história do ObservaPed, dicas na hora de presentear os pequenos e para a prevenção de doenças nesse recesso escolar. Ouça aqui.

A proposta foi colocada em consulta pública e permitiu cidadãos comuns e especialistas opinarem e contribuírem sobre o formato do sinal de advertência. Com os resultados da consulta, encerrada em 9 de dezembro, o texto será novamente avaliado pela diretoria da Anvisa. A proposta final deve sair só no próximo ano.

Perigo escondido

No Brasil, três de cada 10 crianças de 5 a 9 anos atendidas pelos Sistema Único de Saúde (SUS) estão acima do peso, segundo o Ministério da Saúde. E de todas as crianças, um total de 2,4 milhões, 16%, estão com sobrepeso. O aumento do peso está relacionado ao desequilíbrio entre a ingestão ou ingestão dos alimentos e a perda de energia através de atividades físicas.

Um dos erros alimentares mais comuns na alimentação infantil é a alta ingestão de açúcar. Além de consumirem açúcares simples, como guloseimas, os pequenos recebem esse composto “oculto” em produtos como cereais matinais e achocolatados, sucos artificiais e iogurte.

“Hoje nós sabemos que a mídia tem uma ação importante, vinculada às indústrias alimentícias, que transmitem muitas informações falsas. Por exemplo, os sucos que são considerados naturais, mas que sabemos que a quantidade de açúcar ali é enorme”, alerta

Com a falta de legibilidade e visibilidade nos rótulos, muitas vezes o perigo não é sequer percebido pelos consumidores. Isso porque, apesar de alguns alimentos não serem muito doces, contêm grande quantidade de açúcar, que é mascarada pela presença do sal utilizado como conservante. “O que é perigoso, porque se está consumindo uma quantidade maior de açúcar sem perceber”, analisa Amaral.

De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um a cada três brasileiros consome entre 51 e 55kg de açúcar anualmente. A média mundial por habitante é de 21kg por ano.

Alerta

A proposta da sinalização em lupa foi criticada por algumas entidades, que consideram o formato de triângulo, previsto na proposta de rotulagem do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), mais efetivo para alertar o consumidor.

Na atual proposta da Anvisa, nem todos serão obrigados a incluir a sinalização. Ficam de fora alimentos em embalagens pequenas, como balas vendidas a granel, além de carnes, farinhas, açúcar de cana-de-açúcar, mel, sal, leite em pó, azeites, óleos prensados a frio, alimentos para controle de peso suplementos alimentares e beterrabas.

A sinalização na rotulagem frontal é voluntária para bebidas alcoólicas, devido a acordos internacionais, para alimentos produzidos por agricultor familiar, por empreendedor familiar rural, bem como empreendimento econômico solidário e Microempreendedores Individuais (MEI).

De acordo com o professor Clésio Amaral, também é preciso traduzir as informações do rótulo. “O ideal é que essa linguagem seja traduzida, com medida padronizada. Por exemplo, em 200 ml, um copo americano, que a pessoa saiba o quanto do componente contém nesse copo. Porque, às vezes, se você coloca em termos de calorias, a pessoa não vai saber, ela não vai conseguir traduzir essa informação”, argumenta.

Para facilitar a orientação do consumidor, a nova proposta prevê que o rótulo informe quantas porções cada embalagem contém do produto. Também foram incluídas alterações na tabela nutricional, que passa a ter como padrão o fundo branco, com inscrições em preto e tamanhos maiores de letras. “Mas é preciso que se fiscalize, porque se deixar à cargo das empresas, nem sempre elas colocam a informação que é real”, pondera o professor.

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Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.