DAs mantêm a representação política estudantil pelos valores democráticos


03 de abril de 2019



Nos 55 anos do Golpe Militar no Brasil, estudantes relembram a história de resistência na Faculdade de Medicina

A liberdade individual é o principal valor da democracia e que foi ameaçado durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Em defesa desse e de outros valores, o Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Medicina da UFMG protagonizou cenas de resistência ao governo ditatorial e se tornou símbolo da luta estudantil em Minas Gerais naquele período. Nos dias de hoje, a Faculdade conta com três Diretórios Acadêmicos (Fonoaudiologia, Medicina e Tecnologia em Radiologia). Convidamos seus representantes para saber o que pensam sobre a atuação do DA no passado. Como herança daquele período, eles alegam carregar a defesa dos direitos à liberdade e democracia, e mantêm a importância política dessa representação estudantil.

O professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina, Antônio Thomaz da Mata Machado, foi um dos 400 alunos que participou de episódio icônico de resistência do DAAB no dia 3 de junho de 1977. Nessa ocasião, alunos de todo o Brasil se reuniram para o 3º Encontro Nacional dos Estudantes (ENE) durante a madrugada, na Faculdade de Medicina. Na vinda, muitos ônibus foram barrados antes de chegar à cidade, o que sinalizava uma resposta do regime ao Encontro. Contudo, os participantes optaram por conduzir o evento como uma forma de resistir. Na madrugada de 4 de junho, a polícia cercou o prédio da Faculdade. Pela manhã, cerca de 400 pessoas foram presas.

Estudantes reunidos em assembleia do Campus Saúde. Acervo Boletim UFMG.

O professor acredita que o Diretório Acadêmico daquela época, importante no combate à ditadura, deixa seu legado de ideais, que perpetua nos dias atuais. “Acho que a ideia de liberdade, que era muito grande entre os membros na época, ainda é um fio que mobiliza os alunos pela democracia. Antes, não tínhamos a permissão para nos reunir e lutar, que hoje, de certa forma, temos. Essa tradição do DA de luta perpetua nos dias de hoje”, afirma.

Para que essa tradição não se perca, o atual Diretório Acadêmico Alfredo Balena (DAAB) realiza eventos em que é possível fazer o resgaste histórico da resistência durante a ditadura. Um dos representantes do DAAB deste mandato, Gabriel Dias, lembra de dois momentos em que o Diretório buscou o contato com estudantes e professores que participaram da resistência, para relembrar o 3º ENE de 1977. “É importante fazer com que seja conhecida a luta nos ‘anos de chumbo’, por isso relembramos no DAAB os 30 e os 40 anos do evento [3º ENE]. Quando se completou 41 anos do encontro, replicamos uma faixa que foi produzida pelo DA em 1977”, revela.

Faixa produzida pelo DAAB em lembrança aos 41 anos do 3º ENE. Foto: Carol Morena.

Como valores da resistência ao regime que perpetuam nos DAs, Gabriel destaca o papel de dar espaço para a representação dos estudantes. “Naquela época, a voz dos estudantes se levantou para lutar contra o cerceamento da liberdade, contra um regime de governo intolerante. Hoje, mesmo que ainda não estejamos na mesma situação, continuamos a dar voz aos estudantes dentro da Instituição e do contexto que estamos inseridos”, acrescenta.

A força política dos diretórios também é herança cultivada pelos estudantes atuais. Lidiane de Oliveira é representante do DAFono e acredita que, nos dias de hoje, é possível ter a noção do poder do movimento estudantil. “Na época da ditadura, mesmo sofrendo com perseguições, tortura, e violência, que até mesmo custaram a vida de alguns, eles não se calaram e hoje colhemos os frutos. Acredito que o direito a democracia, liberdade e justiça são ideais mais fortes”, pontua.

Estudantes do DAAB. Em destaque, a placa de 30 anos do 3º ENE. Foto: Carol Morena.

Por isso, o estudante Gabriel Dias defende que retomar a história é uma maneira de reforçar ideias democráticos. No entanto, ele ressalta que existe uma pluralidade de visões políticas dentro do espaço do Diretório Acadêmico, e todas são respeitadas.

Para representantes do DA Marie Curie, do curso de Tecnologia em Radiologia, o caçula da Faculdade – inaugurado há dez anos – também é preciso respeitar essa pluralidade de visões. Eles dizem que o maior conhecimento sobre o período foi adquirido em livros e entendem a importância da atuação do DA na época para a população tenha o direito de escolher seus representantes. Para eles, rodas de conversas e campanhas de conscientização são importantes para desenvolver um pensamento crítico sobre o período ditatorial.

Heranças

Se a luta contra a ditadura ainda reverbera entre os estudantes, para o professor Emérito da Faculdade de Medicina, Dirceu Greco, o movimento de resistência daquela época, do qual fez parte, molda sua forma de ver o mundo e influencia na sua atuação profissional. “Acho que sempre temos que ter a capacidade de nos indignar e rever as coisas. Além de ter a coragem e lutar contra o mal. É preciso saber que sem igualdade e cuidado, o país não tem como sobreviver. Então, até do ponto de vista pragmático, temos que lutar e resistir”, afirma o professor.

Ele lembra que em meados de 1980, ainda durante o regime militar, surgiu a epidemia da Aids no país, uma doença com muitos estigmas, discriminação e culpabilização dos paciente. Para cuidar dos pacientes e fazer pesquisas na área, o professor relata ter sido necessário enfrentar a sociedade em geral e até colegas de profissão, principalmente quando decidiu criar o ambulatório para atender as pessoas com a infecção.

Dirceu comprou mais essa luta e a enfermidade se tornou uma área de destaque no seu histórico de atuação. Hoje, o professor preside a Sociedade Brasileira de bioética e permanece atuando na Faculdade e no Hospital das Clínicas da UFMG, uma trajetória que soma cerca de 40 anos.

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