Espiritualidade no ensino e na prática da Medicina
02 de junho de 2015
*Matéria Publicada na edição 44 do Saúde Informa
No Brasil, em torno de 14% das escolas médicas dispõe da discussão entre medicina e espiritualidade de forma prática, legalizada, através de disciplinas na graduação, optativas ou obrigatórias. Segundo o coordenador do Núcleo Avançado de Saúde, Ciência e Espiritualidade da UFMG (Nasce) e professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina, Rubens Tavares, um percentual bem inferior ao americano, por exemplo.
De acordo com o professor, estudo realizado em 2013 por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora mostra que 71,2% dos estudantes de medicina brasileiros acreditam que a espiritualidade tem impacto na saúde do paciente.
Com a intenção de colocar em debate o assunto, a Faculdade de Medicina da UFMG conta com diversas atividades que abordam a medicina e a espiritualidade. Em 2006, a câmara do Departamento de Cirurgia aprovou a disciplina optativa Saúde e Espiritualidade. No mesmo ano foi criado o Nasce, coordenado pelo professor aposentado do Departamento de Cirurgia, Mauro Ivan Salgado.
Em 2013, após sugestão de estudantes que vinham acompanhando as discussões, foi aprovada a criação do grupo de estudos do Nasce como atividade geradora de crédito. As reuniões do grupo, quinzenais, são realizadas durante o período letivo e abertas ao público interessado.
Dentre os temas abordados estão religiosidade, musicoterapia, autocuidado, envelhecimento, experiências de quase morte (EQMs), homeopatia, acupuntura, além de relatos de casos clínicos. Os temas dos encontros são diversificados e discutidos em grupo. Existem também disciplinas optativas, como a de Tópicos em Ginecologia e Obstetrícia, que abordam o assunto.
Este ano foi criada a Liga Acadêmica de Saúde e Espiritualidade (Liase) que veio para ampliar as atividades que já são realizadas pelo Nasce. As reuniões são realizadas às segundas-feiras, e, uma vez por mês, o encontro é aberto ao público. De acordo com Rubens, inicialmente, os estudantes são preparados para fazer a abordagem espiritual do paciente e identificar nessas pessoas a importância da espiritualidade e da religiosidade em seu tratamento.
O estudante do 10º período de medicina, Eric Ávila, participa do Nasce desde seu primeiro período de curso, e agora também é membro da Liase. Segundo ele, os participantes da Liga Acadêmica são estimulados a desenvolver projetos de pesquisa na área de medicina e espiritualidade, e têm a oportunidade de realizar intervenção em pacientes após treinamento teórico e prático com técnicas de simulação. Para Eric, a discussão sobre o assunto ajuda na formação como médico. “O estudo dessa temática é um dos meus pontos de apoio para que eu não perca o idealismo do jovem que busca a medicina querendo fazer a diferença na vida das pessoas”, avalia.
Espiritualidade e relação médico-paciente
Rubens Tavares utiliza o conceito do Harold Koenig, psiquiatra e professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, para definir espiritualidade: a busca pessoal pelo entendimento de respostas a questões sobre a vida, seu significado e relações com o sagrado e transcendente, podendo ou não se relacionar a propostas religiosas.
Para o professor, o lado espiritual de cada pessoa exerce poder em seu tratamento. “Não queremos substituir a medicina tradicional, mas complementar de alguma forma o conhecimento”, explica. Autor do livro Saúde e Espiritualidade II, lançado em 2014, Mauro Ivan Salgado acredita na crença dos pacientes. “Em nenhum momento desrespeita ou conflita-se com a prática médica”, concorda.
Rubens pontua que evidências científicas apontam a espiritualidade como um fator positivo nos pacientes. “Constatou-se, por exemplo, que pessoas que frequentam mais os serviços religiosos apresentam menor prevalência de hipertensão e menores níveis de pressão arterial, diminuição de doenças relacionadas ao estresse e até mesmo atuação positiva da espiritualidade com dependentes químicos”, relata.
Do ponto de vista prático, os médicos abordam o paciente internado para saber de que forma a espiritualidade é importante na vida daquela pessoa. “Não importa qual é a fé da pessoa. A pessoa ter alguma religiosidade já mostra abertura para tratamentos que estão na linha da espiritualidade” explica o professor Mauro Ivan. No Hospital das Clínicas, por exemplo, há um padre capelão que visita as pessoas, e espaço para grupos de protestantes, espíritas e outras religiões.
Para Rubens Tavares, é fundamental, ainda, respeitar a crença do paciente. “Não estamos aqui para julgar a religião ou religiosidade do indivíduo, mas para tentar entender como a espiritualidade é capaz de influenciar sua conduta. Trazer isso pra o debate já é importante. Não vamos desafiar, brigar, tentar convencer a pessoa de fazer uma coisa que, para ela, vai ser maléfica. Vamos debater as possibilidades com o paciente até chegar a uma decisão mais consciente. Essa é a importância de colocar essa discussão dentro de uma escola médica”, avalia o professor.