Gagueira: nem sempre a causa é psicológica


21 de junho de 2013


*Notícia publicada no Saúde Informa

Problema pode ser genético ou desencadeado por lesões cerebrais, dentre outros fatores

Rupturas no fluxo da fala, como prolongamento, bloqueios, repetição de sílabas ou sons. Estes são os sinais mais claros da gagueira, falha no processamento temporal da fala que está presente em cerca de dois milhões de brasileiros, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Fluência. E engana-se quem pensa que as causas desse problema são apenas de ordem psicológica.

A professora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Vanessa de Oliveira Martins-Reis, coordena pesquisas sobre a fluência de fala e suas características. Segundo ela, nas gagueiras de desenvolvimento – causadas por disfunções no sistema nervoso central, com base genética – os fatores psicológicos agem mais como uma consequência do problema do que como causa.

“Após tantas tentativas frustradas de se comunicarem, as pessoas que gaguejam podem começar a ter medo de falar, ficando inseguras em situações de comunicação verbal. Às vezes as pessoas pensam que é timidez, mas na verdade a pessoa tem consciência do seu problema e começa a evitar essas situações”, explica a fonoaudióloga.

Há ainda as gagueiras adquiridas, que podem ser neurogênicas ou psicogênicas. No primeiro caso, o problema começa a partir de alguma lesão cerebral identificável, como traumatismos cranianos ou acidentes vasculares cerebrais. Já as gagueiras psicogênicas estão associadas a problemas psiquiátricos ou psicológicos bem definidos.

Características

A fonoaudióloga explica ainda que essas gagueiras têm características diferentes e gravidades que podem ser classificadas numa escala que vai de muito leve a muito grave. “Ninguém é 100% fluente, em alguns momentos esquecemos uma palavra e apresentamos rupturas na fala que refletem o planejamento da linguagem, hesitações, interjeições, dentre outras. Mas isso não necessariamente caracteriza um distúrbio da fala”, afirma.

A partir das escalas de gravidade e dos valores de referência para os testes que avaliam a fluência da fala, é possível diferenciar o que é normal e o que é alterado. “A gravidade vai depender do número de disfluências gagas que a pessoa tem e da duração dessas disfluências, ou seja, quanto tempo o indivíduo leva para retomar a fluência”, afirma a professora Vanessa Martins-Reis.

Tratamento

Não existe cura para a gagueira, mas há tratamentos que podem melhorar muito as disfluências. No caso das gagueiras de desenvolvimento e neurogênicas, o tratamento mais indicado é a terapia fonoaudiológica. “Na terapia, agente trabalha as técnicas de promoção da fluência. Algumas pessoas têm uma gagueira mais resistente, mas já estão sendo desenvolvidos internacionalmente medicamentos para essa finalidade”, adianta a fonoaudióloga.

Já na infância, em muitos casos de gagueira do desenvolvimento,pode haver uma remissão espontânea do problema. Porém, Vanessa Martins-Reis pondera que, desde os primeiros sintomas, as crianças devem ser acompanhadas por um fonoaudiólogo especializado em gagueira. “Não necessariamente o fonoaudiólogo vai colocar a criança em terapia, mas vai levantar quais fatores de risco estão contribuindo para o aparecimento e persistência dos sintomas e tomar as condutas necessárias”, conta.

Ilustração: Carina Cardoso

Por que a pessoa não gagueja quando canta?

Quando se fala em gagueira, essa pergunta é muito comum e tem uma explicação simples. Isso ocorre porque, ao falar,a pessoa pode usar duas regiões cerebrais distintas. Há um circuito cerebral responsável pela fala espontânea ou proposicional e outro associado a uma fala pré-programada ou mediada por estímulos externos. Dessa forma, enquanto conversamos ocorre, ao mesmo tempo e de forma sincronizada,o planejamento do conteúdo, do ritmo e do controle motor na fala. Já na música, esse planejamento já está pronto e, portanto, a pessoa apenas o reproduz. “Algumas pessoas que gaguejam têm falhas nos circuitos cerebrais responsáveis pela fala espontânea, mas, quando cantam,elas usam a outra região cerebral, que em muitos não vai ter alteração, por isso eles não gaguejam”, explica Vanessa Martins-Reis.