Hipogalactia inicial é uma das principais causas de desmame precoce


17 de julho de 2018


A patologia é definida como um atraso ou falha na descida do leite materno, no período pós- parto, e pode estar associada a hábitos de vida

*Jayne Ribeiro

 

 

Beatriz: acompanhamento pré-natal e pós parto permitem diagnóstico precoce. Foto: Carol Morena

Uma pesquisa realizada com 224 mães da Maternidade Hilda Brandão, da Santa Casa de Belo Horizonte, apontou que a hipogalactia inicial é uma das principais causas de desmame precoce na população brasileira. A pesquisa alerta para a necessidade de um acompanhamento médico prolongado às mães, durante o período pós-parto. O trabalho é da médica pediatra Beatriz de Oliveira Rocha, defendido como dissertação no programa de Pós-Graduação em Ciência da Saúde – Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG.

A pesquisadora explica que a hipogalactia inicial, ou atraso da lactogênese II, consiste no atraso ou falha na descida do leite materno após 72 horas no período pós-parto. “Na maioria das mulheres a descida do leite ocorre entre 48 e 60 horas depois do nascimento do bebê. A descida do leite depende da queda dos níveis de progesterona, e isso demora um pouco para acontecer. Então, por definição, só podemos afirmar que houve o atraso da lactogênese depois de 72 horas”, argumenta a médica.

Beatriz aponta que muitas vezes as mães recebem um diagnóstico informal de hipogalactia ainda na maternidade, e isso pode colaborar para o desmame precoce. “Ficamos com as mães na maternidade por 24 a 48 horas depois do parto, é um período muito curto. No entanto, algumas vezes, ao percebermos que o leite ainda não desceu, inicia-se o uso de fórmulas. Isso é muito ruim, porque sabemos que a sucção auxilia na produção do leite”, destaca a pediatra.

A pesquisadora conta que não existem estudos publicados na literatura que demonstram qual a real incidência de hipogalactia na população brasileira e os fatores associados. “Na prática ficava a dúvida se o atraso da lactogênese tinha ou não acontecido, já que o período de estadia da mãe na maternidade era muito curto e a amamentação ainda estava se estabelecendo. Por isso, e ao constatarmos que a maioria dos estudos investigava essa incidência em populações mais industrializadas, como a americana, diferente da nossa, decidimos fazer a pesquisa”, afirma.

Análise observacional e relação com o desmame
O estudo observacional foi realizado entre janeiro e maio de 2017, e acompanhou durante quatorze dias, mulheres que foram mães pela primeira vez. Beatriz explica que a pesquisa analisou os dados obtidos de quatro entrevistas realizadas em ocasiões diferentes, sendo duas presenciais e duas por telefone. A primeira entrevista presencial acontecia durante a internação da mãe na maternidade, no período próximo a alta hospitalar. Foram coletadas informações sobre a saúde da mãe, dados do pré-natal e assistência periparto.

A segunda entrevista era um contato por telefone, no quarto dia após o parto. Nesse estágio, procurava-se identificar se havia acontecido à descida do leite através da percepção clínica da mãe, quanto a sinais como: edema na mama, calor local, dor, entre outros. No sétimo dia após o parto realizava-se o terceiro encontro, uma consulta presencial para averiguar se a hipogalactia tinha acontecido e se sim, se isso teria induzido ao desmame precoce. Além disso, o bebê passava por uma consulta clínica e dados dos hábitos alimentares do bebe, assim como, da amamentação eram coletados.

O último contato foi uma conversa por telefone, no décimo quarto dia após o parto, para constatar se o desmame havia acontecido ou não. “O nosso objetivo com esses contatos foi identificar qual era a frequência da ocorrência de atraso de lactogênese II nesse grupo, e qual a sua associação com o desmame no sétimo e/ ou no décimo quarto dia do período pós-parto”, explica a pesquisadora.

Ainda, segundo Beatriz, durante as entrevistas também foram avaliados outros fatores que podem estar relacionados ao desmame precoce, como uso de mamadeira, chupeta, idade materna, tipo de parto, dados do pré-natal, classificação socioeconômica e fatores peripartos.

Hábitos
A médica aponta que a prevalência do atraso da lactogênese II, em seu estudo, obteve resultados semelhantes as obtidos por pesquisas realizadas em países da América Latina, parecidos com o Brasil. “A nossa taxa de prevalência da hipogalactia inicial foi de 18,8%, enquanto outros países da América Latina variam entre 10 e 17%”, afirma. “Esse resultado demonstra uma variação grande entra a nossa taxa de prevalência e a dos países mais industrializados como os Estados Unidos. O atraso da lactogênese lá pode chegar a 44% de prevalência” continua.

Beatriz afirma que essa variação pode ser justificada tendo em vista os hábitos de vida da população e práticas assistenciais. “A justificativa mais palpável é que as causas do atraso da lactogênese estão muito associadas à presença de distúrbios hormonais metabólicos como diabetes e obesidade. Sabemos que a população americana tem um dos maiores índices de obesidade do mundo”, ressalta.

A pesquisadora aponta que a pesquisa identificou que o atraso da descida do leite na população brasileira pode estar associado a fatores como à idade materna avançada, consumo de álcool durante a gestação, suplementação por fórmula antes do estabelecimento da lactação e a depressão pós-parto. No entanto, Beatriz ressalta que não é possível fazer estratificações, já que este não foi o foco da pesquisa. “A pesquisa demonstrou que esses fatores estão significativamente associados ao atraso da lactogênese II, mas não podemos fazer referenciais de causalidade, para isso, precisaríamos investigar uma amostra muito maior”, admite.

A pediatra alerta para a necessidade de um acompanhamento por um período de tempo maior no pós-parto junto a mães com idade avançada, que consumiram álcool na gestação e que apresentam risco ou histórico de depressão pós-parto. “É muito importante que essas mães sejam identificadas durante a assistência pré-natal e acompanhadas na primeira semana pós-parto, para o correto diagnóstico e manejo da hipogalactia inicial. Além disso, a suplementação com fórmulas infantis durante o estabelecimento da amamentação deve ser criteriosa. Essas ações podem impedir que o desmame precoce aconteça”, conclui Beatriz.

Hipogalactia Inicial: incidência, fatores associados e avaliação da aça da equipe perinatal na prevenção do desmame precoce
Nível: Mestrado
Autora: Beatriz de Oliveira Rocha
Orientadora: Maria Cândida Ferrarez Bouzada Viana
Co orientadora: Márcia Gomes Penido Machado
Programa: Pós-graduação em Ciências da Saúde- Saúde da Criança e do Adolescente
Defesa: 06 de fevereiro de 2018

Redação: Jayne Ribeiro – estudante de jornalismo
Edição: Mariana Pires