Mário Dias Corrêa deixa seu legado na Ginecologia e Obstetrícia

Professor Emérito da UFMG e docente por 36 anos da Faculdade de Medicina, Mário Dias faleceu nesse sábado, 2 de novembro, deixando seu marco na história da especialidade


05 de novembro de 2019 - , , ,


Mário Dias como professor homenageado da turma 50 de Medicina durante o Jubileu de Ouro, comemorado em outubro de 2015. Foto: Carol Morena

Familiares, amigos e colegas se despediram de Mário Dias Corrêa no último sábado, 2 de novembro. Mas a morte não encerra a história do professor Emérito da UFMG, docente por quase 40 anos na Faculdade de Medicina e permanente médico e mestre. Seus ensinamentos e legado continuam com os que tiveram a honra de serem seus aprendizes, incluindo diversos professores do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia (GOB), onde ele também exerceu o cargo de chefia.

Além disso, o marco não se limita à essa Instituição onde se formou e trabalhou. Mário Dias Corrêa é reconhecido por mudar a dinâmica da atenção à saúde da grávida e sua gestação, bem como por ter implementado o uso de sulfato de magnésico no tratamento contra pré-eclâmpsia no país.

Mário Dias por Alamanda Kfoury

Alamanda é professora e vice-diretora da Faculdade, além de ter sido residente do professor Mário e ocupado cargo de chefia do GOB

“Na verdade, o professor Mário é um ícone da Obstetrícia, não só de Minas Gerais, mas do Brasil inteiro. Quando retornou da sua residência, na década de 50, trouxe uma bagagem de assistir ao binômio mãe e feto, enfoque bem diferente do que vinha até então, já que a gestação era muito focada na saúde materna e considerava-se o ambiente intrauterino como sagrado, sem a ousadia de invadi-lo. Essa bagagem passou para gerações e gerações de obstetras, para a atenção à mãe, em especial aquelas de alto risco, as mulheres hipertensas, diabéticas, com gestações gemelares ou prematuros…

Pintura retrato do professor Mário Dias Corrêa vestido uma beca utilizada em cerimônias formais da Faculdade de Medicina da UFMG
Pintura retrato do professor Mário Dias Corrêa

Ele também tratou de uma doença que era bastante prevalente e ainda é no nosso meio, a aloimunização rh, que são as mães que tem anticorpos anti-Rh. Na década de 50, ainda sem equipamentos aprimorados de imagem, ele fazia o tratamento dos fetos que estavam gravemente anêmicos por causa desse fator, com uma transfusão para o bebê ainda no ambiente intrauterino. Hoje esse procedimento é feito sob visão ultrassonográfica para visualizar e localizar exatamente o ponto pra a transfusão. Mas ele fazia sem nenhum dos equipamentos. Avaliava com palpação, depois a mulher realizava um raio-x para saber a posição do feto e ele fazia a transfusão. Ele foi o precursor, iniciador da medicina fetal, do tratamento intrauterino.

Meu depoimento é até pessoal, pois fiz residência com ele. O professor Mário era uma pessoa muito enérgica, rígida em seus princípios, especialmente os da boa atenção à mulher e ao seu feto, à atenção adequada, comprometida, competente, mas, sobretudo, à atenção humana e ética com elas. Durante anos ele ficava subindo e descendo as escadas dos quatro andares da maternidade, correndo pelos leitos. Ensinava a tratar as mulheres como se fossem da nossa família: “Se fosse sua mãe, se fosse seu filho ou sua irmã, você trataria desse jeito?”. Ensinou-nos não só o aprendizado técnico da Obstetrícia com esse cuidado com a mulher de risco ou a de baixo risco, mas sobretudo com a atenção ao feto.

São muitas gerações de obstetras que devem a ele essa defesa do cuidado adequado a essas mulheres e seus fetos, e muitas pessoas hoje que fazem uma Obstetrícia de qualidade, de atenção, com certeza, direta ou indiretamente, passaram por ele. É um ícone da especialidade.

Quando entrei para o Departamento, ele já tinha se aposentado, mas como chefe do GOB deixou toda sua firmeza nos seus encargos didáticos. Era ético nos comportamentos e obrigações, sendo da mesma forma com os professores mais novos ou os mais titulados. O legado que a gente traz é desse comportamento ético também com as gestantes. Toda vez que temos que executar procedimentos com as mulheres, quando é preciso do fórceps, por exemplo, ou quando tem que fazer algum procedimento de risco, a gente sempre lembra dele e do seu comportamento com a mulher, de compartilhar com ela, da necessidade de conversar e explicar a ela. Isso era uma exigência sua”.

Mário Dias por Regina Aguiar

Regina foi aluna e colega do professor Mário, além de também ser docente do GOB

“O professor Mário vai muito além da sua representatividade na Faculdade de Medicina da UFMG. Após sua residência nos Estados Unidos, ele retorna ao Brasil e traz uma nova forma de fazer Obstetrícia. Foi ele quem introduziu o sulfato de magnésio no país, um medicamento ainda de primeira escolha para prevenção e tratamento de convulsão da pré-eclâmpsia ou da eclâmpsia, que continua sendo a principal causa de morte materna no Brasil. Foi ele quem disseminou esse conhecimento pelo país.

Além disso, desde então, ele já fazia uma Obstetrícia fora da época, quando caracterizava-se o cuidado da mãe voltado ao parto. O professor Mário pensava na saúde do feto muito antes do que se falava de saúde fetal. Se formos ser justos com a história, ele foi o primeiro fetólogo do nosso país. Com isso criou uma escola de Obstetrícia completamente diferente, tanto do ponto de vista do conhecimento técnico quanto a forma de fazer e ensinar.

Eu o conheci como aluna e me apaixonei pela Obstetrícia por causa dele. Identifiquei que essa era a especialidade que eu queria fazer e queria fazer aqui, aprender com ele. Na época que eu fiz residência, o professor, todos os dias, às 7h em ponto, de segunda a sexta-feira, estava dentro da sala discutindo conosco todos os casos que tinham acontecido no plantão anterior, dando a aula, ensinando e nos cobrando, sempre exigindo que fossemos cada vez mais obstetras. Isso significava não só ter o melhor conhecimento, mas ter o olhar para o cuidado com a mãe e o feto. Um papel que ia muito além do que o livro trazia.

Ilustração composta por uma foto, ao fundo, do professor Mário Dias Corrêa vestido com uma beca formal do curso de Medicina da UFMG e, em primeiro plano, arte em tons pasteis com uma parte do texto retirado do seu discurso como professor emérito da UFMG
Texto faz parte do discurso do professor Mário Dias Corrêa na sua cerimônia de Emérito da UFMG

Ele, inclusive fez um livro texto, o Noções Práticas de Obstetrícia, que é, sem dúvida alguma, um marco no ensino no nosso país. Nas últimas edições, ele compartilhou com o professor Victor Hugo de Melo, também do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, com o seu filho Mário Dias Corrêa Júnior, atualmente também do GOB, e comigo. Eu digo que um dos melhores presente da vida que eu poderia receber foi o professor confiar que eu poderia e deveria manter o legado desse livro.

Quando estava na chefia do Departamento, encaminhei a proposta para que ele recebesse o título de professor Emérito e foi um momento marcante na minha vida. Eu pude, como chefe do GOB, resgatar uma história e dar a ele o lugar que merecia dentro dessa instituição. E o discurso que ele fez é uma das coisas mais lindas que já vi, em que demonstra a representação mais literária do que é ser professor.

Foi impressionante como nesse final de semana, em todas as redes, a repercussão das manifestações da morte do professor Mário. Não foi uma perda comum. É claro que existe o fim da vida biológica e se formos pensar em questão de tempo, ele viveu muito, embora desejássemos que esse tempo não acabasse. Apesar desse muito, todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo acharam que foi pouco, que não aproveitamos tudo. Outra coisa interessante que pude presenciar foi a vontade das pessoas recuperarem o legado e trazerem para o dia a dia o ensinamento que ele nos deu.

Muito mais do que ser médico especialista em obstetrícia, o professor Mário se dedicou a formar gente especialista em cuidar da grávida e do feto. Acho que esse é um grande legado. Eu jamais vou abrir mão desse compromisso que fiz com o professor ainda como aluna. Eu jamais deixarei de lutar contra a mortalidade materna e perinatal, que era o grande sonho dele.

Acho que quando falamos em Obstetrícia em qualquer lugar desse país, ou mesmo fora, a UFMG é a cara do professor Mário Dias Corrêa. Ele traz essa história e engrandece a Universidade. Ele é uma das pessoas que fez a UFMG e, especificamente, a Faculdade de Medicina ser desse tamanho que ela ocupa no mundo nessa área. Quando se fala de Obstetrícia, ele é responsável pelo tamanho desse legado”.

Mário Dias Corrêa

Nascido em Itaúna, a história de Mário Dias Corrêa com a Faculdade de Medicina da UFMG começou na sua graduação como médico (formado em 1949), instituição onde permaneceu com as especializações em Colposcopia (em 1951), tornou-se mestre em 1979 e em 1981 doutor em Ginecologia e Obstetrícia. Além disso, foi onde fez sua a residência médica. Mas também foi residente do Chicago Lying-in Hospital (1953), nos Estados Unidos.

Ele começou a trabalhar como professor na Faculdade em 1937, aposentou-se em 1993, mas continuou atuando em outros projetos dentro da Instituição e do Hospital das Clínicas da UFMG. De 1977 a 1979, também foi professor da Faculdade de Medicina de Barbacena e desde 1957 estava como professor na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

Como mestre, também deixou seu legado com diversas publicações científicas em diferentes temas da Ginecologia e Obstetrícia e em seus 10 livros sobre noções práticas da especialidade e Perinatologia.