Médico e paciente: como construir uma relação


29 de agosto de 2013


Ensinar os médicos a verem as pessoas por trás das doenças é desafio para os docentes

*Notícia publicada no Saúde Informa

Procure um paciente internado sem se identificar como estudante da área médica. Sente-se ao lado dele e conheça essa pessoa, não a doença que a acometeu. A proposta faz parte do tópico-estágio “Relação médico e paciente”, ministrado por um grupo de cinco professores voluntários da Faculdade de Medicina da UFMG, entre eles Anelise Impelizieri, do Departamento de Clínica Médica. “Este é o grande problema do currículo médico hoje: o foco é a doença. Você é um resfriado”, afirma a professora.

O tópico, com carga horária de 15 horas semestrais, é oferecido para dez estudantes por turma, do 5° ao 12º período, e foi criado há dois anos para atender alunos que tinham dificuldades em compreender essa relação “desigual”, aparentemente – já que, segundo Anelise, normalmente trata-se de uma pessoa pedindo ajuda à outra. “Essa relação vem de berço e também pode ser aprendida”, assegura.

lor-1

Charge: LOR

Para destacar a importância do tópico, Anelise cita o caso de um aluno do último período, que resolveu fazer o curso somente porque precisava de mais um crédito para completar a graduação. “Na apresentação do primeiro dia, ele disse que ia se comprometer e isso lhe deu uma guinada profissional, porque o tópico fez diferença na formação dele”.

Recentemente, a chefe do Colegiado e professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade, Alamanda Kfoury, foi surpreendida quando precisou assumir o “papel” de paciente. Ela conta que o médico, após tomar conhecimento dos seus sintomas, requereu apenas exames complementares, sem sequer examiná-la.

Mercado

Na avaliação de Alamanda Kfoury, o recém-formado entra em um sistema de assistência médica que traz dificuldades para ele exercer seu ofício com a fundamentação humana aprendida durante o curso. “Se o aluno vai para uma clínica ou um consultório, onde costuma atender em cinco minutos, ele tende a ir perdendo a essência, mas não deveria”, alerta.

Alamanda acrescenta que esse desgaste é percebido principalmente no pronto-atendimento. “Lá ele precisa mostrar produtividade, quanto mais atendimento, melhor. E se ele se perde na anamnese, que chega ao diagnóstico correto, a tendência é que se torne mesmo refém dos exames complementares”.

Por outro lado, Alamanda ressalta que,tradicionalmente, 70% do currículo do curso de Medicina é “muito prático” e valoriza a atuação docente assistencial, ou seja, a relação entre professor, aluno e paciente. “O Ciclo Ambulatorial, do 5° ao 9° período, oferece disciplinas que a gente procura dar sempre essa diretriz, sem falar dos internatos e estágios, quando o aluno vai para os hospitais”, conta.

Matriz curricular

No início de agosto, os professores da Faculdade de Medicina participaram da 2ª Oficina de Capacitação Docente, com o objetivo de analisar a matriz de competências essenciais para o curso de Medicina, que aborda os seguintes domínios: profissionalismo, relacionamentos interpessoais e comunicação, atenção à saúde integral da pessoa, organização do sistema de saúde e atenção em saúde pública, conhecimento médico e gestão do conhecimento.

O domínio caracterizado pelo aprimoramento das relações interpessoais, pautadas pelo diálogo e empatia, envolve diretamente a relação entre médico e paciente. A professora do Departamento de Pediatria, Cristina Alvim, conta que os professores estão discutindo novos métodos para avaliarem as competências que os estudantes devem desenvolver ao término dos ciclos Básico, Ambulatorial e Profissional.

Ainda não está definido se essa avaliação será feita por prova escrita, mas já existe uma noção sobre o que avaliar. “Observar o aluno durante o atendimento de uma consulta tem mais relevância”, afirma Cristina Alvim.