Morte e vida: a linha tênue em debate

Profissionais discutem assistência, políticas públicas e aspectos econômicos associados ao panorama da qualidade de morte e valorização da vida


29 de agosto de 2017


Profissionais discutem assistência, políticas públicas e aspectos econômicos associados ao panorama da qualidade de morte e valorização da vida

Hoje, com o envelhecimento da população brasileira a “tendência” é que estejamos vivos amanhã. A população idosa, inclusive, costuma ter uma percepção mais apurada da morte porque muitos dos seus contemporâneos faleceram ou estão próximos disso. O debate sobre o “Panorama da qualidade de morte e desafios para a valorização da vida”, que aconteceu nessa terça durante o 4º Congresso Nacional de Saúde, trouxe uma visão mais leve, focada nos cuidados paliativos, que contrasta com as dificuldades que as pessoas têm em discutir assuntos relacionados à morte.

“Onde há vida há morte, e onde há morte há vida”, começou o médico geriatra e professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Edgar Nunes, que presidiu a mesa. Ao citar a importância das evidências em cuidados paliativos, recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma necessidade urgente e humanitária para as pessoas com câncer ou doenças ameaçadoras de vida, incluindo o apoio às famílias no luto e a integração ao sistema de saúde em todos os níveis de atenção, Edgar exaltou os profissionais que têm vivências clínicas e exemplificou: “O papel desse profissional é acreditar nesse cuidado paliativo com a vida, a definição da morte em uma pessoa com câncer é diferente em um idoso com uma demência”.

Diante da escassez de trabalhos científicos dedicados à “qualidade de morte”, a assistência paliativa foi inicialmente contextualizada a partir de dois anúncios publicitários, trazidos com bom-humor pelo chefe da equipe de cuidados paliativos do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Toshio Chiba. O primeiro, de uma funerária, dizia: “Nossos clientes nunca voltam pra reclamar”! Já o segundo era de um cemitério e garantia que “quem é vivo um dia aparece”. Em seguida, Chiba apresentou uma dimensão histórica do conceito de finitude antes de ilustrar “A racionalização da morte. A ruptura” com uma gravura de Rembrandt (foto): Primeiro milênio – ‘boa convivência’; até século XV – fracasso x mortalidade; XV – XX – erotismo e a transgressão dramatizam a morte; XX – morte se apaga do cenário – ocultação social”; XXI – ?

Com os avanços na área da saúde e a institucionalização e medicalização da morte, o “morrer”, que na Idade Média era tido como natural e comum, passou a ser encarado na atualidade como indecoroso e vergonhoso: nestas novas características, não há um processo ou ritual; a vida cessa mas a morte não chega; o conceito de morte é substituído pelo de doença grave incurável; morre-se só, sem autonomia; fim do “luto”.

Diante dessas características e da mudança temporal sobre o que é morte, Toshio Chiba falou sobre o conceito de integralidade. Com a Reforma Sanitária, o atendimento integral se tornou uma referência – da atenção primária a quaternária. Segundo ele, os seguintes domínios foram destacados pelos pacientes em cuidados paliativos, classificados de acordo com a ordem de importância: “conforto físico e psicológico; morrer em local de preferência; bom relacionamento com a equipe médica; sentir esperança e prazer; não ser um fardo para os outros; etc.

“Estar consciente, em paz com Deus, não ser um fardo para os familiares, ser capaz de ajudar o outro e rezar são conceitos importantes para mais de 70% dos pacientes e não para os profissionais médicos”, acrescentou Chiba. Ao exemplificar a oncogeriatria como uma área para se especializar em condutas que “vão além” da quimioterapia e outros tratamentos invasivos, o geriatra lembrou que o sistema funciona para fornecer cuidados agudos quando precisamos de cuidados crônicos. “Isso é o que a universidade precisa fazer, propor essas discussões… ‘Carregar’ o que a gente chama de inovação”, disse o palestrante.

Plateia acompanha discurso do professor Edgar Nunes, presidente da mesa sobre qualidade de morte e valorização da vida. Foto: Carol Morena

Atenção domiciliar

Se os cuidados paliativos gerais envolvem a Atenção Básica e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), por exemplo, os especializados são direcionados às equipes de Atenção Domiciliar (AD), incluindo alas próprias em hospitais e o foco no conforto e necessidades mais específicas dos pacientes. A AD é uma modalidade de atenção à saúde caracterizada por um conjunto de ações de prevenção e tratamento de doenças, reabilitação, paliação, etc.

A coordenadora geral de atenção domiciliar do Ministério da Saúde (MS), Mariana Borges, apresentou as iniciativas do ministério para consolidar a inserção dos cuidados paliativos na rede, com a constituição de grupos de trabalho envolvendo representantes do MS, Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e de serviços domiciliares. A portaria e documento com as diretrizes para a realização de cuidados paliativos, em fase de validação, trazem a justificativa epidemiológica, definições conceituais e aspectos étnicos e organização da rede. “A OMS aponta que cerca de 80% dos pacientes poderiam ser atendidos em ambulatórios ou domicílios”, indicou Mariana.

Aspectos econômicos

Verdade, impacto e aplicabilidade. Esses foram os pilares citados pelo médico oncologista do Hospital das Clínicas da UFMG, Munir Murad, na discussão sobre os aspectos econômicos ligados à importância dos cuidados paliativos para a qualidade de morte. Em um gráfico que envolvia esses cuidados oferecidos a pacientes com câncer no início do tratamento, o professor desafiou sobre o quão importante seria investir recursos para profissionais paliativistas nesse “início”.

“Em relação à qualidade de vida, que envolve humor, diminuição de terapia fútil e sobrevida global, ou seja, um impacto importante, uma a cada cinco pessoas que recebem esses cuidados precocemente não é submetida a uma terapia ‘agressiva’. Quando você começa um cuidado paliativo nos dois primeiros dias de tratamento, você economiza cerca de 24% ou R$2.300 na redução de gastos em intervenções fúteis, e 14% nos primeiros seis dias”, respondeu Munir Murad.

Congresso Nacional de Saúde

A programação da 4ª edição do Congresso reúne mais de 10 mesas-redondas, workshops e oficinas em torno do tema “Promoção da Saúde: Interfaces, Impasses e Perspectivas”, além de três simpósios internacionais nas áreas de prática e ensino de Saúde.

O Congresso Nacional de Saúde vai até 30 de agosto de 2017, com atividades pela manhã e à tarde, divididas em três eixos temáticos e um eixo transversal. O evento conta com atividades culturais, com exposições, apresentações, lançamentos de livros e intervenções durante toda a programação, que integra ainda as comemorações dos 90 anos da UFMG, celebrados em 2017.

A Secretaria Executiva do 4º Congresso Nacional da Saúde atende na sala 5, no térreo da Unidade.

Confira a programação completa na página do Congresso Nacional de Saúde.

Mais informações: 3409 8053, ou ainda pelo e-mail 4congresso@medicina.ufmg.br

Acesse todas as notícias e coberturas de eventos sobre o 4º Congresso Nacional de Saúde.