Mortes na pandemia: silenciar a dor pode dificultar elaboração do luto

Programa de rádio Saúde com Ciência aborda a dificuldade de lidar com a perda neste período de pandemia e o que pode ajudar a amenizar a dor.


03 de maio de 2021 - , , , , ,


Diante das mais de 408 mil vítimas da covid-19, estão milhares de famílias em luto por alguém que perdeu nessa guerra contra o vírus, especialmente no mês de abril, que se tornou o mais letal de toda a pandemia. E para os que ficam, lidar com o processo de luto no cenário atual pode ser ainda mais difícil. Isso porque a dor da perda pode ser agravada por tantas outras perdas, como a de não conseguir dizer o último adeus ou receber as condolências de amigos.

Para ajudar as famílias a enfrentarem esse momento difícil, o Saúde com Ciência ouviu a professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Tatiana Mourão. Durante a entrevista, ela destacou a importância de manifestar o luto neste período de pandemia e não silenciar a dor. “Todas às vezes que a gente vê um luto complicado na clínica é quando há uma negação da dor e da perda”, analisa Tatiana.

O luto complicado ocorre quando sentimentos naturais desse processo, como tristeza, raiva, ansiedade e culpa não são superados. Com isso, encaminham para quadros de melancolia, segundo a referência freudiana, que podem ser chamados de episódios depressivos grave. A professora esclarece que nesses casos, a pessoa perde a autoestima, energia, não tem vontade de comer, dormir, tomar banho e tem outras funções rotineiras prejudicadas.

Ausência de rituais

Devia à crise sanitária no país, os protocolos de segurança têm sido mais rigorosos, com velórios de vítimas do coronavírus proibidos e restrição de pessoas e tempo para o sepultamento em muitas regiões.

Para a professora Tatiana Mourão, será necessário um tempo maior para entender os impactos da ausência desses rituais. Mas ela comenta que pessoas que perderam alguém para a covid-19 relatam a tristeza de deixar um ente querido no hospital e, muitas vezes, nunca mais ver.

“Pensando no futuro e suas possíveis consequências, o que escuto hoje é que parece que a pessoa não morreu. Nós já sabemos por estudos que quando uma pessoa morre e o corpo não é encontrado, essa é uma dor profunda, muito forte mesmo. Vamos ter que entender, talvez daqui um ano, dois anos, como vai ser o sofrimento dessas pessoas que perderam duas vezes, o familiar e a oportunidade de enterrar”, reflete.

Segundo a professora, outro agravante da pandemia é não cumprimento do ciclo natural da vida com a antecipação da morte.

“Como na guerra, as mortes que seriam desnecessárias ecoam até hoje dos túmulos e nos assombram. Sem essa situação atual, sem a situação de guerra, de atentado terrorista, as etapas do luto poderiam ser vivenciadas com maior tranquilidade”, analisa.

Como ajudar?

Na cultura brasileira, poder falar sobre a dor é parte do ritual de despedida, o que facilita a elaboração do luto. “No interior, por exemplo, as famílias visitavam outras famílias quando morria alguém, aí a pessoa falava, falava sobre a pessoa que se foi. Ia outra família visitar, e pessoa contava tudo de novo”, observa a professora.

No entanto, com o distanciamento social imposto pela pandemia esse afeto e acolhimento com os enlutados ficaram impossibilitados. Por isso, a dica da especialista é que sejam feitos através da tecnologia disponível, da forma que der, mas que não deixem de acontecer.

Mas é preciso ter cuidado, pois nem sempre o acolhimento dos amigos conseguirá evitar o desencadeamento de um luto complicado. Por isso, é preciso estar atento e, se perceber que a situação vai além da capacidade de ajudar como amigo, ter todo o carinho e cuidado também para indicar a busca por ajuda especializada.  

“Se a gente perceber que a pessoa está tendo ideação suicida, autoestima baixa, não come, não dorme, seria o caso de pedir para procurar alguém especializado para acolher essa pessoa”, orienta Tatiana Mourão.

TelePAN Saúde

O projeto de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG, TelePAN Saúde, oferta o suporte em saúde mental gratuito e online para enlutados e profissionais da linha de frente de qualquer região do país. O atendimento pode ser solicitado pelo site www.medicina.ufmg.br/telepansaude.  Leia mais: TelePAN expande acolhimento para saúde mental de pessoas enlutadas

Saúde com Ciência

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.