Novo espaço da Faculdade recebe o nome de Alzira Reis

A homenagem, aprovada pela Congregação, foi escolhida para nomear um terraço, que ainda será inaugurado, com área ampla e de uso livre para a comunidade da Instituição


11 de fevereiro de 2022 - , , , ,


Turma de Medicina de 1919 / Print da exposição online “Alzira Reis – Pioneirismo, Determinação e Luta”, do Cememor da Faculdade de Medicina da UFMG

A Congregação da Faculdade de Medicina da UFMG aprovou, em reunião no dia 26 de janeiro de 2022 e em decisão unânime, que o novo espaço da Instituição, um terraço localizado no 4º andar, seja nomeado Alzira Reis, em homenagem a primeira médica formada em Minas Gerais. O local tem uma área total de 527,56 m² e será inaugurado futuramente, após a instalação do mobiliário.

Parte da vista do terraço ainda em obra.

O diretor da Faculdade, professor Humberto José Alves, conta que a ideia de construir esse espaço surgiu a partir da obra do Laboratório de Simulação (LABSIM), no 3º andar, que a princípio seria coberto por um telhado. Mas enxergaram essa grande área acima do Laboratório como uma oportunidade.

“Percebemos uma vista muito bonita que deveria ser aproveitada. De lá é possível ver o Centro da cidade e bairros como Floresta e Santa Tereza.  Esse terraço é uma área aberta, de convivência e que permite esse olhar para outros horizontes”, comenta.

“Temos uma carência de espaços mais livres para a comunidade, que não sejam salas de aula ou laboratório. Por isso o objetivo é realmente aumentar esses locais, para que a comunidade tenha mais espaços de convivência, de lazer ou mesmo de estudo”

Acrescenta o diretor

Sobre a ideia de homenagear a primeira formanda da Faculdade de Medicina da UFMG, ele justifica ressaltando a importância da história da Alzira Reis, “marcada pelo pioneirismo em uma época em que as mulheres enfrentavam muitas barreiras”. De acordo com ele, ao consultar a Procuradoria Jurídica sobre a viabilidade dessa nomeação, o levantamento apontou que nos logradouros, praças e outros espaços físicos de Belo Horizonte têm um nome de mulher para cada quatro homenagens a homens. “Então essa homenagem a Alzira é oportuna, justa e merecida. Além disso, em abril teremos a posse da primeira diretora em 110 anos da Faculdade de Medicina. Isso reforça a importância desse momento”, declara.

“Estamos vivenciando um momento histórico na nossa Faculdade. Pela primeira vez na nossa história duas mulheres assumem a direção, pelos próximos quatro anos”, reforça a vice-diretora, professora Alamanda Kfoury. “Isso nos coloca dentro de um processo de conquista de espaços de liderança por mulheres, que vem sendo enfrentada por séculos! Há vários espaços na nossa Faculdade, grande parte homenageadas por homens”, continua.

“Homenagear Alzira Reis é mais do que uma reverência, é um marco histórico de quebra de paradigmas, no qual orgulhosamente nós e nossa instituição se insere!”

Alamanda Kfoury

Além da vice-diretora, outras professoras integrantes da Congregação manifestaram positivamente sobre a escolha do nome. “Recebi a notícia da criação do terraço Alzira Reis com grande alegria, por dois motivos. O primeiro é porque o espaço disponibilizado, pelo seu tamanho, a bela vista da cidade e as possibilidades de instalações para conforto e descanso, cria de fato uma área de integração, tão necessária para a melhoria da qualidade de vida da comunidade da Faculdade de Medicina. O segundo motivo é a merecidíssima homenagem à Dra. Alzira Reis”, afirma a professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social (MPS) da Faculdade, Andrea Maria Silveira, superintendente do Hospital das Clínicas da UFMG.

“O seu pioneirismo, resiliência e perseverança para se tornar médica em tempos nos quais a profissão era considerada masculina, é um exemplo para nós.  Acho que nomear o terraço de Alzira Reis, homenageia todas as mulheres que atuaram e atuam na Faculdade de Medicina”

Andrea Maria Silveira

Parte do soneto As portas da Ciência.

A professora Titular Eliane Dias Gontijo, também do MPS, retoma a história da Alzira Reis, pontuando que além de ter sido a primeira médica formada na Faculdade e em Minas, foi a primeira mulher a votar no Brasil. Para ela, as ideias libertárias de Alzira e o desejo de igualdade ficaram registradas no soneto “As portas da Ciência”, de autoria da própria Alzira, publicado num dos exemplares da revista “Vita” em 1913.

“A iniciativa do diretor em denominar o recém-construído centro de convivência da nossa Faculdade como Terraço Alzira Reis muito me sensibilizou. O legado, as ideias libertárias e as ações de Alzira Reis nos inspiram e não podem ser esquecidos. Com esta singela homenagem, mas repleta de simbolismo, a Faculdade de Medicina da UFMG honra seu legado”

Eliane Dias Gontijo

À frente do tempo

Alzira nasceu em Minas Novas, no vale do Jequitinhonha em 1886. Ficou órfã aos seis anos e foi criada pelos avós paternos. Mesmo fazendo parte de uma elite social e econômica, já que era neta de José Bento Nogueira, deputado Federal, Alzira decidiu fazer o curso normal, se tornar professora e trabalhar. Assim, após completar o curso de Magistério, Alzira começou a ministrar aulas para crianças em sua terra natal, mas sempre desejou continuar seus estudos.

O pioneirismo foi a sua marca. Em 1905, Alzira e duas amigas, com base na Constituição, alistaram-se eleitoras e foram as primeiras mulheres a votar no Brasil, mesmo que depois estes votos tivessem sido anulados.

Ela sempre sonhou em ser médica, mas era impedida pelas leis brasileiras. Então enviou um pedido de autorização ao Ministério da Educação para estudar Farmácia em Ouro Preto. Enquanto isso, acompanhava seu avô na Capital Federal e se matriculou em um curso de Inglês e Francês, que mais tarde auxiliaria nos preparatórios para o curso de Medicina.

Em 1911 recebeu o tão esperado documento para estudar Farmácia. A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a nova Faculdade de Farmácia de Belo Horizonte permitiam a entrada de estudantes do sexo feminino, mas ela ainda teria que passar no exame de admissão, vencer resistências dos professores e barreiras familiares e sociais.

Em 1913 finalmente conseguiu convencer sua família e seguiu para estudar Farmácia em Belo Horizonte. O currículo do primeiro ano do curso era o mesmo de Medicina. No ano seguinte, após prestar exames complementares, Alzira transferiu-se para o curso de Medicina, da também recém criada Faculdade de Medicina.  

Em uma de suas correspondências, Alzira relata seu embate cotidianamente contra o mundo conservador no qual “era imoral mulher estudar Medicina”. Mesmo na Faculdade de Medicina, Alzira foi aconselhada a continuar no curso de Farmácia pelo então diretor professor Cícero Ferreira. Sobre esse episódio ela deixou registrado:

“Eu prometera a mim mesma fazer o curso médico. Faltar a esse compromisso seria rebaixar, não a mim só, mas a mulher no geral”.

Em suas memórias conta uma situação que teve que enfrentar quando entrou pela primeira vez na sala de Anatomia para uma aula:

“Mesas de mármore dispostas uma ao lado da outra na sala vasta e eu caminhando, de alma e cabeça altivas, buscando a tarefa que havia designado o professor. Todos os olhares me buscavam. Por que? Porque os cadáveres estavam nus e, naquela nudez, estavam o quê de preconceito e imoralidade. Ver homens nus? Que horror!”

Em 1919, Alzira formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas, tornando-se a primeira médica do Estado. Mesmo com todo o preconceito, hostilidade e cultura do período. Exerceu medicina em Governador Valadares e depois em Niterói.

Em 1931, alinhou-se com a Federação para o Progresso Feminino, lutando pelo voto feminino e no ano seguinte lançou-se candidata à Assembleia Constituinte. Foi nomeada por Amaral Peixoto para clinicar no posto de saúde de Niterói e começou sua luta em defesa dos portadores do Mal de Hansen.

Seis anos depois fundou o Educandário Vista Alegre, em Niterói, presidindo-o até meados dos anos 50. Foi ainda presidente da Associação Fluminense de Assistência aos Lázaros por mais de duas décadas.

Alzira também foi escritora e jornalista. Faleceu em 23 de agosto de 1970, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro.

Terraço Alzira Reis

O diretor da Faculdade, informa que há um projeto da Arquitetura para a ambientação do Terraço. A área será dividida em partes que podem ser “adotadas” por egressos da Faculdade que desejam contribuir com móveis, plantas ou outras utilidades que tornem o novo local ainda mais agradável aos usuários.

Esse convite será feito aos jubilandos e formandos. As turmas que doarem poderão afixar uma placa com seus nomes na área adotada. “Já fomos procurados algumas vezes por ex-alunos querendo dar um retorno para a Instituição. E isso já foi feito com doação de livros, por exemplo. Então essa é uma oportunidade para essas pessoas que desejam contribuir com a Faculdade”, pontua Humberto.

Inclusive, este novo local divide o terraço com o Espaço Show Medicina, inaugurado no último ano, que conta com dois containers adquiridos com o apoio dos oscarveirado (ex-alunos da Faculdade de Medicina da UFMG que fizeram parte do Show Medicina).

No total, com o Terraço Alzira Reis e o Espaço Show Medicina, há uma área de 1.269,06 m² para múltiplos usos pela comunidade. E o diretor conta que ainda há um projeto de colocar uma carcaça de um veículo neste espaço para que os alunos treinem suas habilidades em urgência e emergência, aproveitando o acesso direto dessa área com o LABSIM, onde são feitas as simulações.