Pesquisa avalia situação de moradoras de rua trans e travestis em Belo Horizonte

Essa população faz parte de grupo com alta vulnerabilidade social


05 de fevereiro de 2019


Dissertação aponta que a invisibilidade da população também está nas políticas públicas e sugere necessidade da sua participação nas estratégias de atendimento

*Guilherme Gurgel

Foto: Sidnei Barros/FM

As mulheres trans e travestis em situação de rua estão dentro da população em alta vulnerabilidade social. Além da violência de gênero, elas nem sempre têm acesso a serviços de saúde e assistência social que atendem suas demandas específicas. A análise da proteção social e da produção do cuidado a esse grupo foi apresentada pela psicóloga Lindalva Guimarães Mendes em sua dissertação, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG.

A pesquisadora relatou as vivências dessas mulheres em Belo Horizonte, com base em entrevistas e observação. Entre as declarações está o reconhecimento de que a dificuldade de uma pessoa trans em situação de rua é a própria existência. Elas explicam que a simples sobrevivência é complicada em meio ao alto número de DSTs, violência de gênero e os serviços que não respeitam suas identidades.

Lindalva Guimarães. Foto: Carol Morena

Para o estudo, Lindalva Guimarães circulou pelas ruas da cidade, passando por regiões comuns de prostituição e serviços que atendem pessoas em situação de rua. “Busquei conhecer e entender a história de cada uma: como se descobriram trans, como lidaram com o processo de transição e quais foram as trajetórias para chegar à situação de rua”, informa a psicóloga.

De acordo com ela, conhecer o percurso dessas pessoas trouxe elementos importantes para sua pesquisa, pois permitiu fazer considerações sobre quais momentos as políticas públicas podem oferecer a proteção social. “Quando esse grupo acessa os serviços públicos, encontram uma reprodução da violência, através de regras e normas de funcionamento que não respeitam a identidade de gênero e o tempo de cada sujeito. Elas relatam ter ficado nas alas masculinas dos hospitais e de serviços de acolhimento institucional e não serem chamadas pelo nome social”, comenta.

Trajetória marcada pela violência: rejeição da família, prostituição e o viver nas ruas

A pesquisadora identificou a violência de gênero como responsável pela saída de casa em todos os relatos das entrevistadas. “O conflito em relação a essa questão, a não aceitação de algum familiar, não necessariamente todos, acaba inviabilizando a permanência no lar”, declara Lindalva.


“Fica evidente que o mercado de trabalho disponível é a prostituição, que acaba por trazer outras questões, como o uso abusivo de drogas e a contaminação por HIV”

Ela ainda acrescenta que a maioria sai de casa antes dos 18 anos de idade e passa a viver em casas de prostituição. “Fica evidente que o mercado de trabalho disponível é a prostituição, que acaba por trazer outras questões, como o uso abusivo de drogas e a contaminação por HIV. Esse é um ponto onde o poder público precisa intervir, criando alternativas e promovendo a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho”, acrescenta.

A idade média do grupo entrevistado é de 35 anos. À medida em que vão envelhecendo, a prostituição também se torna uma opção mais difícil. “Elas passam a ter dificuldades para pagar os custos das diárias nas casas de prostituição ou de cafetinas. Foi neste momento que muitas relataram a ida para as ruas”, explica Lindalva.

“Assim, a crescente situação de vulnerabilidades e exclusão social vividas, traz implicações para o poder público para a oferta de serviços que garantam proteção social, considerando os agravos de saúde relativos à idade e a fragilidade da rede de proteção familiar e comunitária”, destaca.

No caso de Belo Horizonte que tem unidades de moradia provisória como serviços públicos para moradores de rua, as mulheres trans e travestis relatam dificuldades diversas. “Quando elas estão junto com as outras mulheres, elas se sentem discriminadas e dizem que acabam sendo tratadas como homens. Por outro lado, quando estão junto aos homens, tem relatos de muito assédio e violência sexual”, acrescenta a psicóloga.

Além da dificuldade vivida em situação de rua, a pesquisadora destaca o processo de transição de gênero que acontece informalmente, sem acesso ao acompanhamento por serviços de saúde. “É muito comum o uso de silicone industrial, que traz grandes riscos para a saúde. Tomam hormônios em excesso, trocando informações entre si, sem orientação profissional”, informa.

Os serviços públicos e as saídas possíveis

Lindalva Mendes destaca a invisibilidade de mulheres trans e travestis em situação de rua, principalmente com relação às políticas públicas, como um dos principais apontamentos da pesquisa. “Isso fica evidente quando percebemos que não existem dados oficiais sobre a violência contra esse público”, afirma.

“Acredito que mais importante do que pensar em modelos de serviços, é promover e possibilitar a convivência com as diferenças”

Quando questionadas sobre o modelo ideal de atenção, não houve um consenso entre as entrevistadas, variando de acordo como cada uma se sente confortável. “Fica muito evidente a importância da educação em direitos humanos, não só para os profissionais de acolhimento a esse público, mas também para a população em geral. Acredito que mais importante do que pensar em modelos de serviços, é promover e possibilitar a convivência com as diferenças”, opina.

As mulheres também têm que lidar com a violência nas ruas, principalmente de gênero, de acordo com Lindalva. Ela ouviu muitos relatos de violência policial ou civil, mas a maioria não denuncia por não se sentir protegida ou não acreditar que possa ter resultados. “Existe a necessidade de um espaço para atendimento de trans e travestis vítimas de violência. Não necessariamente um lugar exclusivo, mas precisa criar uma rede para proteger essas pessoas e dar o apoio necessário”, aponta.

Para a melhoria dos serviços públicos, a pesquisadora alega a necessidade de envolver as próprias mulheres no processo de desenvolvimento de estratégias. “Eu encontrei pessoas em situação muito precária, com uso abusivo de drogas. Mas também encontrei travestis e mulheres trans mobilizadas, participando de movimentos militantes. É preciso ouvi-las, olhar para elas como pessoas e dar mais visibilidade a esse público ainda tão invisível, até mesmo no próprio movimento LGBT”, conclui.

Autora: Lindalva Guimarães Mendes
Nível: Mestrado
Programa: Promoção de Saúde e Prevenção da Violência
Orientador: Alzira de Oliveira Jorge
Coorientadora: Flávia Bulegon Pilecco
Data da defesa: 25 de junho de 2018

*Guilherme Gurgel– estagiário de Jornalismo
Edição: Deborah Castro