Mulheres pretas têm maiores chances para controle inadequado de diabetes tipo 2, aponta estudo

Além de mulheres pretas, fazem parte do grupo de risco mulheres pardas e homens pretos


28 de julho de 2023 - , , ,


*Elen Batista

Fonte: Agência Brasil

Comparadas às mulheres e homens brancos, mulheres pretas têm maiores chances de apresentarem controle inadequado de diabetes tipo 2, seguidas de mulheres pardas e homens negros (pretos e pardos), indica pesquisa da doutoranda Gisseila Garcia. A tese de doutorado da Faculdade de Medicina da UFMG mostra que mulheres negras (pretas e pardas) e homens pretos apresentam mais do que o dobro da chance de controle glicêmico inadequado em nove anos de seguimento. 

Diabetes tipo 2 

O diabetes mellitus é uma doença crônica metabólica caracterizada por níveis elevados de glicose no sangue; a hiperglicemia. Também causa alterações no metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de defeitos da secreção e/ou ação da insulina, que pode levar a sérios danos ao coração, vasos sanguíneos, olhos, rins e nervos periféricos.

Gisseila Garcia / Foto: Arquivo Pessoal

Uma vez estabelecida, a doença precisa ser controlada permanentemente para reduzir o risco de complicações e mortalidade associada. Existem diferentes categorias clínicas de diabetes, e no estudo foi abordada a tipo 2, que é caracterizada pelo diagnóstico acontecer, predominantemente, na fase adulta. 

Estudos apontam um pior controle glicêmico para as mulheres, de um forma geral, devido principalmente a fatores biológicos ou endócrinos das mulheres. Contudo, o presente estudo mostra que, além das mulheres pretas e pardas, o controle glicêmico de homens pretos também não é muito favorável. 

Gisseila explica o que pode justificar esses resultados. “Para isso é necessário pensar os fatores de risco para diabetes tipo 2. Quando você faz uma estratificação pra ver quem tem menos acesso a serviços de saúde de qualidade, mais insegurança alimentar, menos acesso a uma alimentação adequada, mais comportamento de risco em saúde, há um recorte populacional que é certo. Tudo isso condiciona o surgimento de diabetes e contribui para um pior controle, porque para um controle adequado é necessário ter acesso aos medicamentos e aos cuidados de saúde, estilo de vida saudável, etc”, explica.

Por isso, estudos como esse são importantes. Pois, pode ajudar a direcionar melhor programas de saúde em relação a programas de controle de diabetes e auxiliar na elaboração de políticas direcionadas, como por exemplo, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Dar um melhor direcionamento em saúde para os diferentes estratos sociais, não invisibilizados esses grupos, e com isso ter melhores ganhos em saúde para todos.

A análise foi feita com dados do Estudo Longitudinal em Saúde do Adulto (ELSA – Brasil), de 2008 a 2019, em três visitas de monitoramento realizadas por telefone. O ELSA é uma coorte multicêntrica que incluiu 15.105 servidores públicos federais ativos ou aposentados, de universidades e institutos de pesquisa localizados em seis capitais brasileiras (Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória).

Ao longo dos anos, todos os grupos tiveram um maior descontrole nos níveis de índices glicêmicos, com mais evidência nas mulheres pretas. Na análise, as chances de controle inadequado foram maiores para pretos e pardos, tanto homens quanto mulheres. O grupo com menos prevalência de diabetes tipo 2 no estudo foi o de mulheres brancas. Isso, como destaca Gisseila, contradiz a literatura, que afirma mulheres como o grupo que mais é propenso a doenças crônicas não transmissíveis. Por isso a necessidade de uma análise interseccional, que analisa raça, gênero, classe social em conjunto, para além das características isoladamente. 

De acordo com a pesquisadora, é importante evidenciar a abordagem interseccional dentro da epidemiologia clássica, principalmente aos olhos de mulheres negras que abordem essas questões. No estudo, a análise possibilitou revelar diferenças ocultas e mascaradas em estudos que ​​concentraram apenas nos efeitos do gênero ou da raça/cor da pele separadamente, invisibilizando grupos de indivíduos em situações de maiores vulnerabilidades.

“A gente tem uma produção de conhecimento muito hegemônica e branca, que trata a população a partir de uma ótica universal. Se tem a mulher universal e o homem universal. O grupo historicamente e socialmente marginalizado fica invisível principalmente nos estudos dentro das ciências. Por isso que a análise interseccional vai justificar esse tipo de resultado “, destaca.

O estudo também concluiu que não há grandes diferenças de predisposição para a diabetes quando se trata da análise entre homem branco e mulher branca. Uma vez que o recorte de raça é incluído, mais uma vez o consenso hegemônico é quebrado, visto que mulheres deveriam ter mais chances que homens. 

Colorismo 

Foto: Pixabay

O colorismo é uma teoria dentro dos estudos raciais que entende que pessoas negras podem sofrer diferentes níveis de racismo na sociedade, a depender de como são lidos socialmente. Parte do pressuposto de que quanto mais retinta uma pessoa é, mais exclusão e discriminação ela irá sofrer. Sendo assim, negros são divididos entre pretos e pardos, sendo pardos pessoas de pele mais clara e que experimentam maiores privilégios sociais, ao contrário de pessoas com peles mais escuras e traços marcantes.

No caso do estudo em questão, o grupo de estudo foi separado em: homens brancos, homens pardos e pretos, mulheres brancas, mulheres pardas, mulheres pretas. Mulheres pretas foram as que mais apareceram com alterações de níveis glicêmicos e homens pardos não tiveram associações estatísticas suficientes para concluir algum tipo de significância. Mas isso não significa que não são acometidos por diferentes mecanismos de discriminação social.

O estudo traz uma inovação. É o primeiro na área que aborda o tema a partir de uma análise longitudinal e interseccional, fazendo com que os resultados apresentem as relações entre raça e gênero. A teoria da interseccionalidade é baseada em analisar mais de um critério característico nos estudos, sendo gênero, raça e/ou classe social associados. 

“Existe toda uma teoria que diz que a mulher tem mais predisposição para um pior controle, mas quando eu faço uma análise multivariada, ou seja, de associação, eu encontro que não só mulheres pretas e pardas como também homens pretos, tendo duas vezes mais chances comparado a mulher branca. Refuta o que a literatura diz em relação à questão do gênero. Se o pior controle é nas mulheres por questões biológicas, eu tenho um grupo de homens que não tem predisposições genéticas e aparece como maiores chances também”, declara. 

Pesquisa: Contribuições da abordagem interseccional para a compreensão das disparidades de gênero e raça/cor de pele em saúde no Brasil: comportamentos de risco e controle de diabetes tipo 2
Programa: Pós-Graduação em Saúde Pública
Autora: Gisseila Andrea Ferreira Garcia
Orientadora: Sandhi Maria Barreto
Data de defesa: 18 de maio de 2023


* Elen Batista – Estagiária do Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina da UFMG
Edição: Débora Nascimento