Plataforma ajudará pais a educar crianças com TDAH e TOD

Intervenção busca aproximar treinamento e famílias sem acesso à oferta presencial de capacitação.


05 de dezembro de 2019 - , , , , ,


Alexandre Bueno*

Dentre os transtornos de neurodesenvolvimento, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um dos mais prevalentes, afetando mais de 5% da população. Dentre os diagnosticados com TDAH, mais da metade também apresenta diagnóstico positivo para o Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD). Pensando nisso, em sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG, o designer Daniel Augusto Ferreira e Santos desenvolveu uma plataforma online para auxiliar pais e mães de crianças com TDAH e TOD a interferir de maneira positiva no desenvolvimento de seus filhos.

A plataforma foi desenvolvida em conjunto com a equipe de psicólogos do Núcleo de Investigação da Impulsividade e Atenção (NITIDA) do Hospital das Clínicas da UFMG, e surgiu a partir de uma idealização da orientadora de Daniel Santos e professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, Débora Marques de Miranda.

O pesquisador Daniel Santos desenvolveu a plataforma com apoio técnico do NITIDA. Foto: acervo pessoal.

O treinamento de pais é uma medida complementar, recomendada para a diminuição dos comportamentos externalizantes. “É comprovado que, além do tratamento medicamentoso, o treinamento de pais é o que há de mais efetivo no tratamento do TDAH e TOD”, aponta Daniel. No entanto, muitas famílias desconhecem ou não têm acesso a treinamento presencial. “É uma intervenção cara, já que exige um local, um profissional qualificado e múltiplas sessões”, detalha o pesquisador. Além disso, o treinamento exige tempo e deslocamento, recursos que muitas famílias atendidas pela rede pública de saúde não dispõe. A plataforma, virtual e gratuita, pode ser uma solução.

Desenvolvimento

O desenvolvimento da plataforma partiu da metodologia de treinamento de pais desenvolvida por Alan Kazdin, psicólogo e psiquiatra da Universidade de Yale (EUA). “O manual de Kazdin é um modelo de manejo comportamental para pais. Ele os ensina, em 12 módulos, a manejar o comportamento das crianças para obter resultados de desenvolvimento positivo”, explica o autor.

A partir dela, o conteúdo foi adaptado pela equipe do NITIDA e condensado em um treinamento em seis etapas, que foram transformadas em uma série de vídeos produzidos e animados por Daniel. Ao final de cada etapa, os pais precisam realizar um teste, no qual é necessário obter um mínimo de 70% de acertos antes de avançar no treinamento.

“No desenvolvimento, foi seguida estritamente a metodologia do design, que consiste em coleta de dados, definição de persona e público alvo”, detalha o criador. No caso da plataforma, ele explica que a persona foi criada com base nos pais das crianças que são atendidas pelo serviço de psicologia do NITIDA, no Hospital Borges da Costa, parte do complexo do Hospital das Clínicas da UFMG.

Segundo o autor, a ideia de intervenção online já mostra popularidade em países como Estados Unidos e Suécia, mas ainda caminha a passos lentos no Brasil. “Nossa proposta para treinamento de pais, em âmbito nacional, é única. E não é uma intervenção com custo de execução alto”, afirma.

“Queremos gerar acessibilidade, pois o treinamento presencial é escasso em oferta e exige muitos recursos dos pais”, afirma o pesquisador Daniel Santos.

Após a validação científica da plataforma, o intuito de Daniel é que ela esteja disponível para acesso pelas famílias atendidas pelo NITIDA. “Às quintas-feiras acontece uma triagem para entrar na fila de tratamento. Nela, as pessoas que tiverem o perfil para a plataforma receberão acesso para se beneficiar com o treinamento”, explica Daniel Santos.

TDAH e TOD

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um distúrbio de neurodesenvolvimento caracterizado pela dificuldade de concentração, atividade excessiva e impulsividade na tomada de decisões. “Isso gera no indivíduo um comprometimento das atividades basais do dia a dia”, explica a pediatra Débora Miranda. O comprometimento pode se manifestar em diferentes áreas da vida, como a diminuição do rendimento escolar ou profissional, ou a deterioração das relações familiares ou interpessoais.

Já o Transtorno Opositivo-Desafiador é definido por padrões agressivos de comportamento, incluindo irritabilidade, comportamento argumentativo, vingativo e desafiador. De acordo com Débora Miranda, o TOD é comum em situações onde a criança encontra inconsistência no comportamento de diferentes cuidadores, sendo submetida a critérios muito diferentes. “Elas se tornam confusas, sem saber a quais regras seguir e a quem obedecer. Criar consistência para essas crianças é muito importante”, afirma a pediatra. Para ela, a melhor maneira de gerar uniformidade no cuidado é exatamente através do treinamento dos pais e cuidadores.

Sem tratamento, os distúrbios podem gerar consequências graves na adolescência e vida adulta. Dentre eles, destacam-se a evolução dos comportamentos sexuais de risco, desvio de conduta, evasão escolar e tendência à criminalidade e ao abuso de substâncias.

Parentalidade positiva

Daniel Santos afirma que a necessidade de uma parentalidade devidamente positiva é muito importante quando frente a transtornos de desenvolvimento como o TDAH e o TOD. “É um ciclo vicioso. Ele tem início no fato de que a criança que apresenta TDAH é, por definição, menos cooperativa”, explica o desenvolvedor da plataforma.

Essa falta de cooperação gera uma carga acumulativa de estresse nos pais, que podem tomar decisões equivocadas, entrando em confronto com a criança. Ela, por sua vez, responde tornando-se ainda menos cooperativa. “Quando combinado à oposição desafiante, isso pode chegar a níveis insustentáveis, de filhos que agridem os pais, por exemplo”, conclui Daniel.

Validação científica e próximos passos

Antes de ser liberada para uso, a plataforma precisa primeiro passar por validação científica. O processo está sendo realizado através de uma tese de doutorado, também do Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular. “O primeiro passo é realizar a prova conceitual, onde é confirmada a devida aplicação dos conceitos na plataforma”, explica a professora Débora Miranda.

Em seguida, o material será avaliado em conjunto com famílias voluntárias. “Teremos 60 famílias divididas em dois grupos aleatoriamente distribuídos. Um deles será submetido ao treinamento presencial, no NITIDA, enquanto o outro fará o treinamento através da plataforma”, detalha Débora. Os materiais utilizados serão equivalentes, alterando-se apenas o meio pelo qual o conteúdo é apresentado.

As famílias serão acompanhadas, sem que seja ministrado o tratamento medicamentoso, para que se possa analisar exclusivamente os resultados do treinamento de pais. Ao longo de semanas, os pais serão avaliados quanto ao número de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade das crianças. Além disso, serão observadas as características parentais e o uso de estratégia ao fim do treinamento. “A médio prazo, também acompanharemos esses pais para observar se as habilidades adquiridas durante o treinamento foram perpetuadas. Assim, conseguimos confirmar se a plataforma está sendo efetiva”, conclui Débora Miranda.

Concluída a validação, a plataforma poderá ser disponibilizada no Sistema Único de Saúde (SUS), para que serviços como o NITIDA possam expandir o treinamento parental.

Título: Desenvolvimento de Plataforma Online para Treinamento de Pais
Programa: Pós-Graduação em Medicina Molecular
Autor: Daniel Augusto Ferreira e Santos
Orientadora: Débora Marques de Miranda
Data de Defesa: 05 de agosto de 2019

Alexandre Bueno – estagiário de Jornalismo
Edição – Vitor Maia

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