Populações vulnerabilizadas correm risco de insegurança alimentar em BH
Mulheres negras em condições socioeconômicas desfavoráveis apresentam uma chance sete vezes maior de enfrentar a insegurança alimentar em comparação com homens brancos em condições socioeconômicas mais favoráveis
18 de abril de 2024 - Belo Horizonte, insegurança alimentar, interseccional, Pesquisa, Saúde Pública
Vitor Pepino*
A insegurança alimentar em duas regiões de Belo Horizonte foi analisada em estudo inédito. A pesquisa “Insegurança Alimentar e Nutricional sob a perspectiva da interseccionalidade no município de Belo Horizonte – MG” levantou dados socioeconômicos, relacionando desigualdades históricas à vulnerabilidade da população para a insegurança alimentar.
O estudo utilizou dados do Projeto BH-Viva, realizado pelo Observatório de Saúde Urbana (OSUBH) da Faculdade de Medicina da UFMG. O projeto buscou analisar os impactos das intervenções de transformação urbana no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Vila Viva, implementadas pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
O projeto foi executado em três fases, sendo a fase II, objeto da pesquisa específica, composta por inquéritos domiciliares realizados entre 2017 e 2018 no Aglomerado da Serra, no Cabana Pai Thomás e nos bairros que fazem divisa com essas duas Zonas e Áreas Especiais de Interesse Social (ZEIS), totalizando 1194 entrevistados. “Belo Horizonte é reconhecida pelos avanços nas políticas públicas de promoção da segurança alimentar, mas os resultados são contraditórios já que grupos mais vulnerabilizados não foram alcançados plenamente, como mulheres negras em condições socioeconômica desfavoráveis”, afirma a pesquisadora e autora do estudo Karynna Ferreira.
A pesquisa foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, e aponta que 36% da população das duas comunidades urbanas e favelas pesquisadas apresentaram insegurança alimentar moderada a grave, segundo os dados analisados.
Pesquisa abordou a interseccionalidade entre raça, classe e gênero para investigar o problema
Segundo pesquisa nacional recente (VIGISAN), o Brasil possuía, no ano de 2021/2022, cerca de 60% da sua população em algum grau de insegurança alimentar. Os resultados do presente estudo apontam que esse problema é marcado por desigualdades entre diferentes grupos sociais, e numa perspectiva interseccional é possível identificar padrões e vítimas da insegurança alimentar, compreendendo como os eixos de desigualdades estruturais se articulam para moldar o panorama atual.
Uma possível explicação para esse cenário é o fato da insegurança alimentar ser marcada e reforçada pelo acesso desigual à saúde, à educação e a recursos, além da exploração do trabalho. “A construção de uma abordagem interseccional em um estudo de Insegurança Alimentar no município de Belo Horizonte nos possibilitou avançar na compreensão da insegurança alimentar e das formas como esta se reproduz nas interseções entre as relações de gênero, racismo e vulnerabilidade socioeconômica”, aponta a pesquisadora.
Segundo a Fundação Ipead/UFMG, levantamentos de dezembro de 2021 revelam que o preço da alimentação básica de um trabalhador adulto subiu 9,63% em um ano e representa 55,35% do salário mínimo.
Índice desenvolvido ajuda a entender dados sobre vulnerabilidade e insegurança alimentar
Por meio da abordagem interseccional e da criação de um Índice de Vulnerabilidade Socioeconômica sensível à Insegurança Alimentar (IVSIA), o estudo buscou captar as complexas dinâmicas da vulnerabilidade socioeconômica para além de indicadores mais clássicos, como renda e escolaridade.
Com isso, a pesquisa identificou que mulheres autodeclaradas negras em condições socioeconômicas desfavoráveis apresentam uma chance quase sete vezes maior de enfrentar a insegurança alimentar em comparação com homens autodeclarados brancos em condições socioeconômicas mais favoráveis. Além disso, pessoas autodeclaradas negras, assim como aqueles em condições socioeconômicas desfavoráveis, apresentaram maior exposição à insegurança alimentar do que pessoas autodeclaradas brancas e aqueles em condições socioeconômicas mais favoráveis.
Karynna Ferreira defende uma visão atenta para as desigualdades intraurbanas e políticas públicas mais sensíveis às desigualdades entre grupos sociais e que as políticas públicas, geradoras de ações e programas, incluindo as do SUS, possam ser repensadas e busquem focar nos grupos mais vulnerabilizados, já que o impacto negativo da insegurança alimentar é presente na saúde das populações. “O entendimento da importância de uma abordagem interseccional nas pesquisas e na construção de políticas públicas é essencial para combater a perpetuação desse cenário”, afirma a pesquisadora.
Dissertação: Insegurança Alimentar e Nutricional sob a perspectiva da interseccionalidade no município de Belo Horizonte – MG
Autora: Karynna Maria da Silva Ferreira
Orientadora: Elis Mina Seraya Borde
Coorientadora: Aline Dayrell Ferreira Sales
Programa: Saúde Pública
Defesa: Março de 2024
* Vitor Pepino – estagiário de Jornalismo
Edição: João Motta