Por que homens matam mulheres?

Pesquisa buscou compreender crimes passionais a partir de estudos freudianos sobre psiquismo.


05 de dezembro de 2018


Pesquisa da Faculdade de Medicina formula hipótese para crimes passionais realizados por homens.

Por que o homem mata a mulher e não o contrário? A pergunta não é em vão e reflete a realidade do país: o Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para chegar ao cerne dessa questão, o psicólogo Marcell Santos se aprofundou nos estudos freudianos sobre o psiquismo dos sujeitos. Os achados foram publicados em sua pesquisa de mestrado, defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, da Faculdade de Medicina da UFMG. No estudo, o narcisismo ferido é apontado como a principal motivação para crimes passionais.

Marcell Felipe Alves dos Santos. Foto: Carol Morena.

De acordo com o psicanalista Sigmund Freud, o narcisismo é um aspecto fundamental para a constituição dos sujeitos e está relacionado ao desenvolvimento do desejo sexual, que vai além do ato sexual em si, uma vez que diz respeito à lógica do prazer corporal. Todo mundo passa por essa fase, homens e mulheres. Porém, ela se apresenta de maneira diferente no homem. O psicólogo Marcell Santos explica como o narcisismo é construído.

“Quando o sujeito nasce, ele tem uma relação simbiótica com a mãe, na qual pensa que é tudo para ela. O pai vem para barrar essa relação e fala: ‘olha, você precisa escolher, a mãe ou o falo, que é para além do pênis, sendo que a partir do órgão sexual masculino você vai ter uma força cultural e escolher seus objetos de desejos”, diz. O homem (neurótico) opta pelo falo e, com a ruptura com a mãe, que era seu objeto de desejo, ele percebe que não é “tudo” para ela, ou seja, há a primeira ferida narcísica. Claro, tudo ocorre de forma inconsciente.

Caída a ilusão de que o mundo não gira ao seu redor, ele se coloca no lugar de objeto. É aí que vem a diferença: “no narcisismo masculino, o homem não aceita esse lugar de objeto e sai desse lugar para colocar o outro. No feminino, a mulher aceita que não é o centro e se reconhece nesse lugar de objeto”, esclarece Marcell.

A cultura do machismo entra exatamente nesse ponto. Ela dá respaldo para que a mulher seja colocada no lugar de objeto. A partir disso, o homem passa a depositar no outro a sua satisfação. “É como se ele pensasse, ‘eu faço qualquer coisa por você para que possa satisfazer os meus desejos e, caso você não satisfaça, eu vou, simplesmente, abandonar esse objeto. E aí eu faço o que eu quiser com você’”, exemplifica o autor do estudo.

Conforme os achados da pesquisa, a violência cometida pelo homem é um ato para manter o sujeito no lugar de objeto. “Se a ameaça não funciona, parte-se para a violência física”, explica o pesquisador. Apesar de o narcisismo ser um processo inconsciente, o homem tem a escolha de não praticar a violência. “Mas, amparado pela cultura, ele acha mais fácil permanecer com o narcisismo ferido”, completa o autor.

Imagem ilustrativa. Foto: Carol Morena.

A figura da mãe

Para a psicanálise freudiana, a mãe é uma figura importante na vida do homem, que tem um desejo incestuoso por ela, seu primeiro objeto de amor. Porém, ele não pode realizar esse desejo, então transfere para outra mulher. “Quando ela apresenta para o homem essa possibilidade de que ele não é o único para ela, aparece o narcisismo. Aí, inconscientemente ele lembra da mãe”, afirma Marcell.

De acordo com ele, alguns homens se dão melhor com a falta de ter um outro no lugar de objeto. “Por isso, alguns respondem de forma violenta e outros reagem pensando: ‘não sou muita coisa mesmo, tenho faltas, então vou deixar ela ir’. Mas isso depende do dinamismo funcional de cada sujeito. Não se pode generalizar”, informa o autor.

Além da justiça

O estudo também buscou elucidar os artigos da Lei Maria da Penha e suas contribuições para a sociedade. Como conclusão dessa análise, identificou-se a necessidade de uma abordagem aos homens que agridem mulheres que vai além de uma punição penal. “É preciso propor também tratamento para que o sujeito entenda que ele precisa lidar com esse narcisismo ferido. Assim, ele para de querer mostrar o ódio”, conclui.

Título: “Homicídio Passional”: Contribuições da metapsicologia freudiana para a compreensão do ato criminoso

Autor: Marcell Felipe Alves dos Santos

Orientador: Professor Paulo Roberto Ceccarelli

Data da defesa: agosto de 2018