Pressão arterial pode ser indicador de prognóstico na doença falciforme
26 de abril de 2018
Carol Prado*
Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG sugere que variação da pressão arterial durante exercícios físicos pode ser preditor de prognostico na doença falciforme.
O estudo desenvolvido pelo cardiologista Christiano Gonçalves de Araújo, com orientação da professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Maria do Carmo Pereira Nunes, buscou avaliar a função cardíaca e determinar fatores prognósticos da doença falciforme (DF).
O acompanhamento das pessoas com DF foi por meio de avaliação clínica seguida de propedêutica cardiovascular, que consistiu em teste ergométrico, ecocardiograma transtorácico e dosagem de Brain Natruiretic Peptide (BNP), ou peptídeo natriurético cerebral, todos com o objetivo de estudar a função cardiaca.
O estudo do médico acompanhou 120 pessoas com DF por, no mínimo, seis meses. Foram avaliadas a qualidade de vida, ocorrência de eventos clínicos e possíveis complicações cardiológicas advindas da doença nos pacientes. “Nosso objetivo foi observar como os pacientes se comportavam do ponto de vista cardiológico e que possíveis alterações poderiam apresentar impacto em relação à ocorrência de eventos ou complicações relacionadas à doença”, conta Christiano. “No estudo percebemos que o comportamento da pressão arterial durante o esforço físico se mostrou um fator determinante em relação à ocorrência de complicações que um paciente pode ter”, revela.
O trabalho faz parte de uma rede de pesquisas desenvolvida pela Fundação Hemominas em parceria com o Hospital das Clínicas da UFMG e o Núcleo de Ações de Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad), denominado Projeto Atenção Especializada (PAE): Organização de Protocolos e Fluxos Assistenciais na Atenção Especializada para Doença Falciforme em Belo Horizonte.
Pressão arterial e exercícios físicos
Segundo o médico, uma resposta pressórica anormal ocorre em casos que a pressão arterial permanece igual, se eleva muito pouco ou até cai durante o exercício físico. “É esperado que a pressão arterial sistólica se eleve acima de um valor mínimo durante o exercício. Caso contrário, esse paciente faz parte de um grupo que teve ou terá mais complicações clínicas do que aqueles que tiveram uma resposta normal”, esclarece o cardiologista.
Com o dado da resposta pressórica, médicos poderão avaliar pacientes com mais riscos de complicações e, assim, determinar a periodicidade e possíveis mudanças no acompanhamento necessário para cada caso. “Talvez a pressão arterial possa se tornar uma ferramenta clínica, aliada a outros fatores já muito utilizados, como a contagem de hemoglobina”, sugere.
Esse é o primeiro estudo que envolve essa combinação de testes cardíacos em número elevado de pacientes com doença falciforme. Para o autor, um fator importantíssimo nos resultados da pesquisa foi o teste ergométrico, ou teste de esforço, que avalia as repercussões cardiovasculares e as respostas gerais do paciente quando submetido a um esforço físico progressivo.
“Sempre houve resistência a recomendar o exercício físico para pacientes com DF”, conta. “Com a hemoglobina baixa, o transporte de oxigênio fica muito prejudicado e pode causar episódios agudos da doença. As hemácias falciformes podem obstruir a microcirculação, causando crises de dor geralmente de causa óssea e muscular”, explica.
Entretanto, o estudo conseguiu demonstrar que, de modo geral, o exercício físico é seguro e pode ser uma ferramenta interessante na qualidade de vida de pessoas com DF. Porém, ele adverte que é preciso cautela: “Não é como se pudéssemos agora prescrever qualquer tipo de exercício para o paciente portador de DF. É preciso alguns cuidados, saber os limites do corpo, precauções individualizadas, qual a frequência cardíaca ideal para o paciente e outros parâmetros”, alerta o cardiologista.
Viver com DF
De acordo com o pesquisador, em função do recente aumento de sobrevida das pessoas com DF, complicações cardiológicas passaram a ser mais bem descritas. “Antes, a expectativa de vida de um paciente com DF era de 30, 40 anos. Essas pessoas morriam de infecção, maior incidência de complicações relacionadas à doença devido ao não uso de hidroxiureia (medicação importante no tratamento), menor conhecimento da doença e, em alguns casos, qualidade e complicações relacionadas ao uso constante de hemoderivados”, explica Christiano.
“Agora, com drogas que diminuem a incidência de complicações da DF e outras que tratam o acometimento orgânico sistêmico relacionado a essa doença, além do maior cuidado com os hemoderivados e melhor condução clínica dos casos, a sobrevida aumentou. Surgiram complicações cardiológicas que até então eram pouco ou nada descritas”, completa o médico.
Christiano pontuou o perfil da população com doença falciforme, relacionando com a herança africana do gene. “Em geral, a população com doença falciforme é uma população de histórico negligenciado”, conta. Para ele, é importante que se faça esse tipo de pesquisa, pois os pacientes, muitos de baixa condição sociocultural, necessitam de suporte social, acompanhamento clínico pormenorizado e de novas descobertas que auxiliem no cuidado. “É importante descobrirmos novas ferramentas para melhorar o prognóstico, orientar melhor o paciente e inclusive prescrever coisas aparentemente tão simples como a atividade física”, conclui.
Exercice testing in patients with sickle cell disease: Findins and potential prognostic implication
Autor: Christiano Gonçalves de Araújo
Nível: Doutorado
Programa: Ciências da saúde, infectologia e medicina tropical
Orientadora: Maria do Carmo Pereira Nunes
Coorientador: Antonio Luiz Pinho Ribeiro
Data da defesa: 2 de fevereiro de 2018
Redação: Carol Prado – estagiária de jornalismo
Edição: Mariana Pires