Professor prevê epidemia de dependentes químicos após pandemia de covid-19

Aumento do consumo de tabaco e álcool preocupa especialistas.


31 de maio de 2021 - , , , ,


O quadro de incertezas imposto pela pandemia de covid-19 deixou especialistas em alerta sobre alguns vícios presentes entre os brasileiros, como o tabagismo e alcoolismo. O aumento significativo no consumo dessas drogas durante este período preocupa o professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Frederico Garcia, coordenador do Centro de Referência em Drogas (CRR/UFMG) da universidade, que estima uma possível epidemia de pessoas dependentes químicas após a atual situação sanitária.

Neste dia 31 de maio, em que é lembrado o Dia Mundial sem Tabaco, o programa de rádio Saúde com Ciência inaugura a série “Tabagismo e Alcoolismo: vícios nocivos à saúde”, que conversa com o especialista.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tabaco faz cerca de 7 milhões de vítimas por ano, enquanto o álcool faz cerca de 3 milhões.

Em pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em 2020, dados apontam que 18% dos entrevistados relataram aumento no consumo de álcool e 34% de tabaco. No ranking mundial, o Brasil segue como o quinto país que mais consome bebida alcoólica na América Latina, de acordo com o último Relatório Global sobre Álcool e Saúde da OMS. No consumo de cigarros per capita, o Brasil ainda está entre os dez países com maior número de fumantes, segundo o Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva

Segundo o professor Frederico Garcia, isso pode ser explicado pelo isolamento social exigido e a consequente restrição de liberdade. “Esse consumo pode vir como um remédio assintomático que tem consequências no longo prazo”, afirma. Ainda segundo ele, já existem estudos que acompanharam contextos de guerras e epidemias e verificaram a relação com aumento no consumo de drogas.

Dependência tem causa

Há quem diga que uma dose de vinho ou um cigarro por dia não faz mal a ninguém, mas o segredo está na genética de cada pessoa. A tendência em se desenvolver um vício por álcool ou tabaco pode tornar o primeiro contato com a droga fatal. Mas por ser a única doença psiquiátrica passível de prevenção, o professor afirma que evitar o contato frequente já pode amenizar os riscos.

“A pessoa que tem a predisposição genética deve fazer todo o esforço para evitar o consumo precoce e diário, porque o risco dela se tornar dependente é significativo e importante”, frisa o professor.

Frederico Garcia alerta ainda que a presença de casos de dependência na família também afeta na probabilidade de surgirem outros dependentes. Nessa situação, é preciso que todo o grupo familiar compreenda os processos da doença e reconheça a necessidade de se mudar os hábitos e iniciar um tratamento em conjunto. Dessa forma, os resultados serão potencializados e a reinserção social desses indivíduos dependentes poderá ocorrer com os devidos cuidados. 

“Dependência nunca é quantidade de uso, mas sim as consequências negativas que são produzidas, desde o descontrole emocional até a perda da carteira de habilitação, por exemplo”.

Consequências

Uma pesquisa publicada no Jornal Brasileiro de Pneumologia aponta que cerca de 70% dos fumantes querem parar de fumar, mas poucos conseguem ter sucesso, já que a maior parte precisa de cinco a sete tentativas antes de deixar o cigarro definitivamente.

Segundo Frederico, isso pode ser explicado pela falsa sensação de relaxamento e calmaria causados pela nicotina, substância presente nos cigarros que provoca dependência. Ao contrário, a substância ocasiona situações de ansiedade nos indivíduos, o que acarreta a constante necessidade de fumar.

Isso porque o primeiro contato acontece mais cedo do que se imagina. O professor explica que as populações de baixa renda, do sexo masculino e de maior idade são os principais alvos do tabagismo. Diferente das bebidas alcoólicas, que envolvem, geralmente, jovens entre 14 e 15 anos de maior renda, sendo o núcleo familiar o principal mediador dessa iniciação ao consumo.

Com o passar dos anos, o que era um uso temporário se transforma em dependência e, na falta da droga, surge a síndrome de abstinência como um dos principais problemas. Essa ausência resulta no aumento da atividade do sistema nervoso e irritabilidade, o que deixa o indivíduo inquieto e incomodado. Em alguns casos, pode-se chegar a situações de agressividade e culminar com problemas físicos, como convulsões e alteração da pressão arterial.

“A abstinência é uma urgência clínica que precisa ser avaliada e tratada porque ela pode ser, em alguns casos, até mortal”, avalia Frederico.

Além da abstinência, as drogas também podem desenvolver outros transtornos. No caso do tabaco, a nicotina é a principal atuante no organismo e pode causar hipertensão, afetar o metabolismo da glicose e gordura e alterar o apetite. Já o álcool, afeta os processos inflamatórios e provoca esteatose hepática, ou seja, um acúmulo de gordura no fígado.

Tratamento

Os primeiros passos para o tratamento de dependências como o tabagismo e alcoolismo é reconhecer o vício, as consequências negativas ocasionadas e optar por uma mudança de hábitos. Após o diagnóstico, é preciso compreender o papel da droga no cotidiano do indivíduo e o que impulsiona o uso recorrente.

Acompanhamento médico e terapia farmacológica com o auxílio de remédios também são necessários, uma vez que podem agir para controlar a síndrome de abstinência e impedir o avanço de doenças psiquiátricas. “A partir desse tratamento, vamos conseguir trazer melhores resultados para que essa pessoa volte a viver a vida tal qual ela deseja e desfrutar de melhoras quanto ao estado dela de usuária de droga”, conclui Frederico Garcia.

Enquanto a pandemia exige isolamento social, o professor aconselha ainda atividades que podem evitar o desenvolvimento dos vícios. Algumas delas se baseiam em atividades físicas aeróbicas dentro de casa, de forma regular e ritmada, durante a semana. Outro conselho é manter o contato com parentes e amigos, mesmo que de forma remota, para que se amenize o estresse diário e não favoreça o consumo de bebidas alcoólicas e cigarros.

Ouça mais

Conheça mais sobre os efeitos gerados por cada droga e quem procurar em situações de crise no programa Saúde com Ciência dessa semana.

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.