Marcelo Mamede

A medicina nuclear requer que estejamos sempre nos atualizando, é interessante, instigante e desafiadora

Com mais de dez anos investidos em especializações, o médico nuclear Marcelo Henrique Mamede Lewer tornou-se referência nacional na área. Ele tem doutorado na Universidade de Kyoto e pós-doutorados no National Institutes of Health (NIH) e em Harvard. Com as experiências adquiridas em diferentes locais do mundo, em 2010 tonou-se professor do Departamento de Anatomia e Imagem da Faculdade de Medicina da UFMG. Apenas dois anos depois, passou a ser professor Titular, a categoria máxima da docência. No entanto, a complexidade da sua carreira não se restringe ao curto tempo para alcançar esse reconhecimento.

“Quando saí do país para ter uma formação acadêmica voltada para a pesquisa, eu abri mão de várias coisas. Acredito que as decisões que temos na vida é o que impactam no futuro. Claro que nem tudo que se planeja acontece. Mas tive o momento certo, o local certo e as coisas acabaram engrenando para uma situação favorável, de ascensão”, orgulha-se Mamede.

Claro que nem tudo que se planeja acontece. Mas tive o momento certo, o local certo e as coisas acabaram engrenando para uma situação favorável, de ascensão

Apesar de ter recebido o título de professor Titular com apenas dois anos, ele ressalta que foi uma longa caminhada até essa honraria. “Todos os anos fora da Faculdade me levaram a conseguir esse reconhecimento pelos meus pares. Claro que tudo isso traz responsabilidades e decisões necessárias, de conciliação da vida, por exemplo. Mas, se pudesse deixar uma mensagem, seria que planejar a vida profissional é a palavra-chave”, continua.   

Experiência internacional

O professor conta que o interesse em Medicina Nuclear surgiu no último ano da faculdade, em Juiz de Fora – MG. No entanto, o delineamento dos objetivos já era claro. Como a área era muito nova no país, Mamede decidiu adquirir conhecimento e experiência fora. “Foi um grande diferencial ter saído do Brasil, ainda mais em relação à pesquisa. Isso abriu o leque de possibilidades e o acesso ao conhecimento que não tinha disponível aqui, até então”, diz.

Foi um grande diferencial ter saído do Brasil, ainda mais em relação à pesquisa. Isso abriu o leque de possibilidades e o acesso ao conhecimento que não tinha disponível aqui, até então

O primeiro pouso foi no Japão, país que o professor escolheu para estudar o desenvolvimento de radiofármacos e o PET, tomografia computadorizada com emissão de prótons, que estava sendo incorporado na medicina nuclear na época. Hoje, ela é destaque em suas pesquisas. “O PET é imprescindível para pacientes oncológicos, tanto para diagnóstico da lesão ou para avaliar o tratamento. De forma muito rápida, analisam-se os resultados da droga administrada, já que é extremamente agressiva à pessoa, ou seja, que destrói o tumor e também lesa órgãos normais. Esse é um dos benefícios dentro da oncologia, mas há outras aplicações”, explica Mamede.

O início das experiências internacionais do professor foi com o desenvolvimento de duas moléculas voltadas para a neurologia. Mais tarde, já no doutorado, o estudo das moléculas foi voltado para a área de oncologia. A base da sua tese foi desenvolver uma molécula para o tratamento do carcinomatose peritoneal, câncer que se espalha pela membrana de revestimento interno do abdome.

“Desenvolvemos um rádiofármaco específico para o câncer dentro do abdome de um modelo animal. A intenção era substituir o isótopo radioativo e destruir o tumor durante o tratamento, o que era muito agressivo na fase inicial. Isso gerou um produto contemplado com uma publicação em uma revista de alto impacto”, discorre Mamede. 

Durante a estadia nos Estados Unidos, Marcelo Mamede continuou a pesquisar o desenvolvimento de moléculas para diferentes doenças cancerígenas, bem como a parte clínica. “Foi uma combinação da aplicação clínica para pacientes oncológicos e a inserção da tecnologia do PET no planejamento da radioterapia, o que agora vem sendo feito com eficácia para avaliação, principalmente sobre os tumores e durante o tratamento radioterápico, pelo qual a grande maioria dos pacientes oncológicos acaba passando em algum momento”, afirma Mamede.

A experiência no Brasil

Em 2007, ao retornar para o Brasil, Marcelo Mamede se tornou pesquisador sênior no Instituto Nacional de Câncer (Inca), realizando ensaios clínicos na área de medicina nuclear. A ideia era amadurecer sobre como utilizar as ferramentas da sua área junto aos oncologistas.  

Na Faculdade de Medicina, através da parceria com o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), o professor foi responsável pela primeira pesquisa brasileira que aplicou a molécula [18F] Fluorcolina em humanos. Estabelecida no exterior, ela necessitava ser reaplicada no país para validar seu uso. Para o professor, a importância desse radiofármaco está na maior eficácia em marcar tumores de próstata e da glia, um tipo de tumor cerebral, em comparação com os disponibilizados no país para uso no PET.

Quando se une o radiofármaco correto e o PET, é possível identificar tumores muito pequenos para serem detectados pelos exames convencionais. Além disso, a [18F] Fluorcolina faz com que a área tumoral brilhe, sinalizando o local ideal para aplicação de tratamentos, o que facilita os resultados, causa menos danos aos pacientes, aumentando não só a chance de sobrevida, como a qualidade de vida dessas pessoas.

Isso também teve muita relevância no que era minha proposta quando vim para a Faculdade: tentar estabelecer um centro voltado para o desenvolvimento de radiofármacos e suas aplicações em PET

“O grupo avaliado evidenciou o que a literatura internacional mostrava. A importância disso é trazer para o cenário nacional e mostrar aqui como se faz o ensaio clínico com novas moléculas. Abriu-se um novo leque de possibilidades”, ressalta Marcelo Mamede. “Isso também teve muita relevância no que era minha proposta quando vim para a Faculdade: tentar estabelecer um centro voltado para o desenvolvimento de radiofármacos e suas aplicações em PET para avaliação de pacientes, principalmente oncológicos”, completa o professor.

Ele aponta a Faculdade como instituição referência em mostrar como isso pode ser feito com adesão de profissionais fora da medicina nuclear, mesmo que não seja um centro exclusivo nesse desenvolvimento. “Atualmente temos projetos junto da reumatologia (avaliação de paciente com doença de takayasu, lúpus, etc.), por exemplo, mas principalmente da oncologia (Fluorcolina, FLT, etc.)”, discorre.

Outra linha de pesquisa desenvolvida pelo professor é o estabelecimento de dosimetria e controle de qualidade, um projeto em que avalia os serviços de medicina nuclear em Minas Gerais. Esse também foi um projeto pioneiro no país, importante para garantir que os aparelhos estejam funcionando corretamente para que apresentem resultados reais e seguros.

Hoje podemos avaliar qualquer controle de qualidade dentro da medicina nuclear

“Acredito que até hoje esse seja um projeto único no Brasil, com esse laboratório e os equipamentos que temos. Hoje podemos avaliar qualquer controle de qualidade dentro da medicina nuclear”, ressalta Mamede. “Esse é um marco da medicina, principalmente da Faculdade. Somos referência. E não podemos esquecer que essa também é uma importante formação de recursos humanos para a sociedade”, completa.

Atualmente, o professor atua com duas linhas de pesquisa voltadas para o desenvolvimento de novos fármacos, sendo uma para câncer de mama e outra para inflamação relacionada ao câncer. “Acredito que precisamos ter um canal direto com os órgãos reguladores para facilitar a inserção de novos radiofármacos, uma vez que não temos recursos suficientes, passamos por uma fase de restrição de fomentos”, aponta Mamede.

Ele explica que há um grande impasse no país em relação aos registros junto à Anvisa, que exige a replicação dos estudos no cenário nacional, ainda que já estejam estabelecidas em outros países. “E isso requer um fomento que o governo não disponibiliza. Assim, distancia-se o que se aprende lá fora e o que se aplica aqui dentro”, relata.

Como educador da Faculdade de Medicina da UFMG, acho que esse é nosso papel: formar recursos com qualidade para que possa atuar no mercado sabendo o que está fazendo de forma completa

Outro objetivo do professor é implementar novas metodologias de controle de qualidade e formação de recursos humanos para a realização desses controles. “Como educador da Faculdade de Medicina da UFMG, acho que esse é nosso papel: formar recursos com qualidade para que possa atuar no mercado sabendo o que está fazendo de forma completa”, destaca.

Marcelo Mamede

Além de professor, o médico nuclear já ocupou cargos na coordenação do curso de Tecnologia em Radiologia e de subchefe de Departamento de Anatomia e Imagem da Faculdade. Também recebeu o prêmio de investigador jovem pela Sociedade Asiática de Medicina Nuclear.

Para ele “quem conhece a medicina nuclear, não quer abandonar. Com ela é possível trafegar por todas as especialidades, de certa forma. Mesmo não sendo um clínico, você entende a fisiopatologia de diversas doenças, para que se entenda o princípio da aplicação dos radiofármacos”, discorre.

“O médico nuclear precisa ter essa visão, entender a doença não só como uma estrutura que está se alterando, mas sim o que está por trás daquela alteração, o que levou ela ocorrer, para entender o radiofármaco inserido no paciente. A medicina nuclear requer que estejamos sempre nos atualizando, é interessante, instigante e desafiadora. Acho que por isso os médicos nucleares são felizes”, conclui.

Redação: Deborah Castro
Fotos: Carol Morena

Página Inicial

Voltar