Marco Aurélio Romano-Silva

Eu vim para a Universidade para fazer pesquisa. Sou curioso com tudo. Por isso mesmo me envolvo com diversas áreas dentro e fora da medicina

O professor Titular do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Marco Aurélio Romano-Silva, também é diretor do Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM), que apresenta distintas tecnologias de ponta. Entre elas, um moderno PET/CT, neuroimagem por espectroscopia por infravermelho próximo (NIRS), neuromodulação não invasiva e plataformas para investigação em modelos animais e celulares.

A capacidade da infraestrutura do CTMM permite que haja um alto índice na produção de pesquisas e na capacitação profissional em diversas áreas, com o objetivo principal de transferir os resultados científicos para o atendimento clínico.

“Acabamos criando um vínculo muito forte com a geriatria e, neste ano, estamos executando um projeto usando a estimulação magnética transcraniana que, com uma bobina, gera um campo magnético muito forte e, ao mesmo tempo, induz um campo elétrico no tecido cerebral”, conta. Isso tem como consequência a despolarização de neurônios em regiões muito circunscritas do córtex cerebral. “Colocamos a bobina sobre o crânio, acima do córtex motor e estimulamos até obter uma resposta de movimento do polegar para determinar o limiar de excitabilidade. Em seguida, é possível estimular outras regiões do cérebro”, afirma.

Há uma literatura muito boa mostrando ser possível reduzir sintomas de depressão ao estimularmos a região pré-frontal esquerda de maneira repetida

Marco Aurélio conta que há estudos que mostram a possibilidade de reduzir sintomas de depressão com estimulação da região pré-frontal esquerda de maneira repetida. “O Conselho Federal de Medicina já aprovou o uso para depressão refratária, em que pacientes tomaram vários tipos de medicação e não tiveram respostas. Temos feito uso clínico em pacientes com indicação e tivemos bons resultados”, continua. Há casos em que os pacientes tomaram medicação por 30 anos e não tiveram melhoras nos sintomas depressivos, mas mostraram evolução no quadro após as sessões.

Estimulação magnética para demência

O professor menciona que há outro projeto atual com pacientes com mais de 60 anos de idade e com demência inicial a moderada, em que é feita a estimulação magnética transcraniana em quatro regiões cerebrais em busca da melhora cognitiva e de humor. Esse é um projeto em colaboração com a equipe da Austrália, onde realizou seu pós-doutorado.

Identificamos um efeito maior no humor nos testes que fizemos. Se confirmado, já é um resultado que melhora a qualidade de vida do paciente e da família

A ideia é fazer em 100 pacientes. “Já tivemos uma melhora boa com o primeiro. Identificamos um efeito maior no humor nos testes que fizemos, mas pouco na cognição. De qualquer forma, se confirmado, já é um resultado que melhora a qualidade de vida do paciente e da família”, aponta Romano-Silva. “Esse foi só o primeiro resultado, não sabemos se será um padrão. Estamos tentando selecionar pacientes com escolaridade mais alta para que seja possível comparar com o grupo da Austrália e verificar a equivalência. Se determinarmos a eficácia, aí o estudo será ampliado para os demais pacientes”, argumenta.

Marco Aurélio acrescenta que, antes das sessões de estimulação, é feito um PET/CT e uma técnica em que é possível detectar a atividade cerebral com luz no infravermelho-próximo (NIRS). “A nossa ideia é identificar em qual região cerebral houve mudanças caso apresentem respostas clínicas. Ou seja, se conseguirmos identificar quais regiões estão respondendo, podemos concentrar a estimulação nelas”, argumenta.

Aprender com os pacientes para mudar o tratamento

Queremos identificar as estratégias que utilizaram para chegar aonde chegaram e aplicar em crianças autistas. Assim elas não terão que desenvolver as próprias estratégias, sozinhas

Para outro projeto, o professor está selecionando pessoas com autismo de alto desempenho e que tiveram sucesso em se educar, ter uma carreira, constituir família, por exemplo. O objetivo é aprender com eles e aplicar uma espécie de engenharia reversa. “Queremos identificar as estratégias que utilizaram para chegar aonde chegaram e aplicar em crianças autistas. Assim elas não terão que desenvolver as próprias estratégias sozinhas”, comenta.

Para essa pesquisa, os voluntários precisam preencher um questionário online. Os que atendem aos requisitos fazem uma entrevista presencial com testes para verificação do autismo.  Marco Aurélio menciona que já há 12 pessoas avaliadas e selecionadas para a pesquisa, que terá duas etapas. Uma terá aplicação de questionários com perguntas direcionadas, para saber como era na escola, por exemplo, ou sobre a convivência com estressores ambientais como barulho e iluminação.  Na outra, os voluntários podem contar livremente sobre sua vida e, após, os especialistas farão a análise do discurso.

“Há muitas coisas que eles não identificam como estratégia, que tenham desenvolvido naturalmente e que poderá ser detectado neste discurso. Depois será feita a comparação e identificação dos padrões de estratégias”, pontua. “Uma questão importante em que estamos interessados em saber é se eles têm um suporte, se é comum terem pessoas que os ajudam e como o fazem. Estamos entusiasmados com esse projeto”, continua Romano-Silva.

O professor garante que, embora as contribuições pareçam pequenas para o uso clínico, as pesquisas já têm adicionado à literatura. Estudos para idosos e pessoas com autismo, especialmente, têm grande potencial de mudanças no tratamento.

Atuação voltada para tecnologia e modernização

Eu não sei fazer outra coisa a não ser pesquisa. É claro que o ensino e extensão estão associados e indissociáveis

Romano-Silva conta que veio para a Universidade para fazer pesquisa. “Eu não sei fazer outra coisa a não ser pesquisa. É claro que o ensino e extensão estão associados e indissociáveis. Temos vários projetos de ensino e extensão associados ao que fazemos, e que, muitas vezes, servem para gerar recursos também para pesquisa”, declara.  “Sou curioso com tudo. Por isso mesmo me envolvo com diversas áreas dentro e fora da medicina”, completa o professor.

Para ele, é preciso também inspirar a curiosidade nos discentes.  “Temos os melhores alunos da Universidade, que já passaram por uma seleção muito difícil. São pessoas muito capazes e temos que aproveitar esse potencial e incentivá-los”, adiciona. “Estou envolvido com um monte de coisa. Agora assumi a tarefa de promover o empreendedorismo. Criamos uma disciplina, que já está na segunda edição, que convida pessoas de diferentes áreas para mostrar aos alunos que é possível empreender com sucesso”, destaca.

A disciplina, “Tópicos em medicina molecular: empreendedorismo e inovação em saúde”, ofertada na pós-graduação e aberta aos graduandos, já contou com a participação de pessoas relacionadas ao financiamento em Minas Gerais, o pró-reitor de pesquisa da UFMG e empresários.

Ele cita que o objetivo é mostrar desde a parte teórica, em que explica o que é propriedade intelectual, onde se consegue recurso para o projeto, até a conversa com empreendedores, que também contam sobre os fracassos até atingir o sucesso. “Os alunos da graduação são os mais animados. Alguns já montaram startups e ganharam prêmios no exterior. Eles têm essa motivação, mas precisam do apoio institucional como empurrão, então a disciplina está servindo muito para isso”, comemora.

Eu gosto de perturbar o sistema, para ver se as pessoas se mexem e conseguimos criar coisas novas, que é o que mais me estimula

“Falam que se você mexer com várias coisas ao mesmo tempo, não faz nada direito. Acho que tem que ter alguém para perturbar o sistema. Eu gosto de perturbar o sistema, para ver se as pessoas se mexem e conseguimos criar coisas novas, que é o que mais me estimula. Criamos estruturas novas que outras pessoas podem usar como PET/CT e o Laboratório de Neurociências da Faculdade”, realça o professor.

Atualmente, o professor também iniciou um projeto, junto com profissionais de ciências da computação, para uso da tecnologia do blockchain, que pode ser usada para codificação de prontuários, geração e arrecadação de recursos. Essa tecnologia, que ficou mais conhecida com o Bitcoin, funciona como uma grande rede de registro de transações e informações, que permite verificar as movimentações que foram registradas em uma sequência, criptografada, descentralizada, que não pode ser alterada, portanto, auditável e segura.

Pesquisas na área básica

Como foi docente do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, a carreira de Marco Aurélio envolve pesquisas na área básica, em que se realizam experimentos em animais. Entre seus trabalhos atuais nesta área, ele cita o que objetiva identificar moléculas relacionados ao transtorno de Déficit de Atenção e a relação com o tratamento.  “Estudamos o efeito do metilfenidato (ritalina), por exemplo, para entender o mecanismo de ação nas crianças que o tomam. Há uma grande discussão sobre seu risco-benefício”, esclarece.

O metilfenidato foi usado em peixes (zebrafish) e viu-se que reduzia o tamanho do animal. “Essa é uma discussão sobre o tratamento em que o medicamento diminuiria a altura final das crianças. Mostramos que, no nosso modelo, é possível tratar e, ao suspender, o crescimento volta ao normal. Há uma recuperação”, afirma. Em outras observações, percebeu-se que a cafeína, também um estimulante, aumenta a longevidade, mas faz com que os vermes (C. elegans) fiquem pequenos.

Isso significa que em um paciente com epilepsia refratária seria possível fazer o uso dessas moléculas e utilizar a luz para inibir uma região com foco epilético, para controlar crises convulsivas graves

Outra técnica usada em laboratório, ressaltada pelo professor e considerada importante com potencial para uso clínico, é a transfecção de moléculas sensíveis a luz em uma região cerebral, que responde quando se ilumina com uma luz de determinados comprimentos de onda, estimulando ou inibindo neurônios somente naquele local. “Isso significa que em um paciente com epilepsia refratária seria possível fazer o uso dessas moléculas e utilizar a luz para inibir uma região com foco epilético, para controlar crises convulsivas graves”, exemplifica.

Porém, ele alerta que, atualmente, o jeito de fazer a transfecção é utilizando vírus carregando o material genético que codifica a molécula, o que apresenta uma série de problemas éticos para ser feito com pacientes humanos, pois não se sabe se o vírus ficará apenas onde foi injetado. Até ter a certeza desse controle, não será possível o uso em humanos.

“Estamos trabalhando com dois modelos. Um de epilepsia, com projeto financiado pela Fapemig, para verificar se é possível inibir as crises convulsivas nos animais. No outro, usamos a tecnologia para saber quais vias estão relacionadas com alteração motoras em modelos animais de doença de Parkinson”, expõe. Segundo Romano-Silva, com essa técnica chamada optogenética, estão identificando que há uma via específica relacionada com o córtex frontal em que, aparentemente, parece ser promissora para ser manipulada e inibir os efeitos motores associados à doença de Parkinson.

Suas pesquisas básicas

Antes de ser Titular no Departamento de Saúde Mental, Marco Aurélio Romano-Silva teve em sua trajetória a graduação em Medicina, seguida do doutorado direto, que pleiteou enquanto estava fazendo seu mestrado em bioquímica.

No doutorado, feito em parte na Inglaterra, ele continuou o trabalho com toxinas retiradas de escorpião e de aranha, seguindo as orientações do professor e atual pesquisador convidado da Faculdade, Marcus Vinicius Gomez, o que deu oportunidade de publicar quatro trabalhos em revistas reconhecidas da área, incluindo a que demonstrava, pela primeira vez, o funcionamento de uma fração da toxina.

“Mostramos que as PhTx2 e PhTx3 eram dois tipos de toxinas: uma estimulatória e a outra inibitória em relação ao canal de cálcio e a liberação de neurotransmissor”, aponta. De acordo com o professor, foi possível abrir uma perspectiva farmacológica, com potenciais aplicações clínicas para essas toxinas em que, hoje, há vários grupos trabalhando a respeito.

Ao voltar para o Brasil e prestar o concurso que o tornou professor de Farmacologia, Marco Aurélio começou a desenvolver pesquisas ligadas à área de saúde mental. Foi então que decidiu se especializar em psiquiatria. E mesmo após obter o título pela Associação Brasileira de Psiquiatria, ele ainda decidiu fazer livre-docência na área pela Universidade de São Paulo (USP), antes de ingressar no quadro de professores da Faculdade de Medicina da UFMG.

Na época conseguimos um recurso muito bom para vários equipamentos para pesquisas com genética, o que permitiu aumentar nossa capacidade de coleta e análise de amostras de pacientes

Já durante o pós-doutorado, realizado no Canadá, Romano-Silva elaborou um projeto, com parcerias na Faculdade, chamado “Binômio depressão-demência” no idoso para estudar a saúde do idoso e demência. “O ponto central era estudar a associação entre depressão tardia e demência”, conta. “Na época conseguimos um recurso muito bom para vários equipamentos para pesquisas com genética, o que permitiu aumentar nossa capacidade de coleta e análise de amostras de pacientes. Atualmente há mais de 900 amostras de pacientes com demência no nosso banco de dados”, continua.

Com essas amostras já foram feitos vários estudos de marcadores genéticos.  “Como toda doença mental, a demência é heterogênea, não é possível associar apenas a um gene. É sempre um conjunto de marcadores”, ressalta. “Achamos vários marcadores que tinham alguma associação com aparecimento ou da depressão ou da demência. Mas nenhum resultado vale para a população inteira. Assim, os trabalhos publicados acrescentaram à literatura, mas não são determinantes”, conclui.

Redação: Deborah Castro
Edição: Mariana Pires
Foto: Carol Morena

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