Tutoria em formato de Mentoring orienta aluno na vida acadêmica e pessoal


27 de maio de 2015


 

*Publicada em formato reduzido no Saúde Informa nº 45

Professor Gilmar e estudantes do projeto.

Professor Gilmar e estudantes do projeto.

O projeto, que se tornou disciplina obrigatória no curso de Medicina em 2001, é um facilitador para estudantes e será contextualizado em uma série de artigos

Visando abordar as origens, referências, implantação, desenvolvimento e quadro atual do Projeto de Tutoria em formato de Mentoring da Faculdade de Medicina da UFMG, o coordenador do projeto e psicólogo do Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante, professor Gilmar Tadeu Fidelis, desenvolveu o primeiro artigo de uma série de três sobre o histórico do projeto institucional.

Segundo o professor, o artigo, que foi publicado na Revista Médica de Minas Gerais no ano passado, objetiva traçar o histórico e o início do desenvolvimento desse projeto e aborda sucintamente os conceitos e aspectos teóricos do Mentoring na formação médica, onde assinala o projeto Tutores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo como referência importante para projetos semelhantes no Brasil.

“Essa era uma demanda que nós tínhamos há muitos anos, porque a tutoria, na verdade, é fruto de um processo que aconteceu na década de 70, como relato no artigo, com o projeto Padrinho, da professora Clara Feldman. Ele foi ganhando outros contornos, na década de 80 virou um módulo da relação médico-paciente, caminhou como módulo para uma disciplina em 2001, e, desde então, virou tutoria e tem ganhado novos contornos na atualidade”, explicou o psicólogo.

Qual foi a necessidade que demandou o desenvolvimento desses artigos?
Nós percebemos que não tínhamos registros formais de histórico desse projeto. Na verdade, nós já temos um embrião, que será um livro sobre o projeto de mentoring na formação médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Esse livro ainda é um projeto, estamos trabalhando nisso há muitos anos. O que me norteou a escrever esses artigos foi publicar algo que fosse um registro histórico desse processo. Esse é o primeiro artigo de uma série de três. O segundo artigo vai abordar essa fase de implantação do projeto. O terceiro vai se basear em como essa tutoria se firmou e se situa dentro do novo currículo médico, e as perspectivas para o futuro. A presença mais importante é fazer um registro histórico a partir de um resgate também histórico do que foram os primórdios da tutoria, quais são os seus alicerces.

O que é a tutoria?
Na vida acadêmica, o tutor é concebido como aquele que norteia a formação acadêmica do aluno, em grosso modo. A tutoria no formato de mentoring, que vem de mentor, surge da ideia em que ela seja uma forma de acompanhamento e orientação do aluno de forma plena, não só no viés acadêmico, mas também em um viés pessoal. O mentor é aquele que orienta a respeito da grade curricular, iniciação científica, construção da vida acadêmica, mas também está disponível para uma escuta mais cuidadosa desse aluno na estrutura pessoal. Com as mudanças em que vivemos, onde temos, cada vez mais, uma inserção de alunos do interior ou de outros estados no ensino superior, que às vezes se encontram aqui sem referências familiares, o amparo do tutor tem se tornado muito interessante.

Por que ela é uma disciplina e não um projeto voluntário?
Trocando experiência com outros colegas de outras universidades, de outros estados, nós percebemos que, quando você abre o projeto para o voluntariado, para um curso com uma carga horária tão intensa, em que os alunos têm poucas janelas livres, como no curso de Medicina, o aluno, normalmente, abre mão desse tipo de atividade, por mais importante e significativa que ele entenda que possa ser, para estudar, fazer uma disciplina mais técnica. Nós colocamos a tutoria como uma disciplina obrigatória como se fosse uma porta de entrada para o aluno para o projeto. A tutoria no formato de mentoring abre um aspecto mais amplo, complexo, que rompe um pouco a formalidade acadêmica. Às vezes isso é complexo, mas também tem um “quê” de interessante. É muito subjetivo, e há um alinhamento entre mentor, tutor e aluno de outra ordem.

Qual é a proposta do trabalho da tutoria nesse formato de mentoring na formação médica?
Apesar de ser uma disciplina, a tutoria tem um eixo de temas e de propostas, mas não tem um programa fechado. A proposta é um encontro semanal com os alunos, de duas horas, em que se abre um espaço para que tragam as suas questões e vivências, acadêmicas ou pessoais. Dentro desses encontros, há a possibilidade de conhecer melhor os alunos e permitir que eles expressem as suas questões e dúvidas, sejam acadêmicas, sejam de cunho pessoal. Dependendo do grupo, se ele for mais interativo, a pauta vai ser mais cheia, mais intensa. A ideia é essa: tentar fazer com que o grupo traga a pauta, e não o professor. Muitos professores têm essa dificuldade. Um grupo pleno de tutoria é aquele que se auto-organiza, e o professor é mero facilitador. O papel do tutor é que, a partir de qualquer assunto que surja dentro desse cenário, ele possa fazer uma conexão com a formação do aluno. E a formação num aspecto pleno, não a formação só em ser um bom médico, ter conhecimento, mas sim em ser um ser humano com uma conduta bacana, ética, atenciosa, com uma boa escuta. E, a partir disso, a gente pode trabalhar um tanto de coisas em relação a médico-paciente, na relação com a vida. O tutor ajuda o aluno a desenvolver capacidades de escuta e de reorganização do padrão da escuta. Essa é a ideia da tutoria: estimular, incentivar e abrir a percepção desses alunos, porque se ele não parar para pensar, para reorganizar os padrões dele, para respirar, para viver a vida, ele vai viver de qualquer jeito. A proposta é trabalhar com o aluno para que ele seja o sujeito da sua própria vida.

Por qual motivo a disciplina migrou do 5º para o 2º período?
Identificamos a importância de ter um cuidado com o ciclo básico, que pode trazer certo desconforto ou dificuldades para o aluno. Sabemos que todo ciclo básico, de todas as formações, trazem conhecimentos muito áridos pro aluno. Hoje, com o novo currículo, eles têm uma inserção no cenário médico dede o início do curso, ou seja, eles já estão mais presentes aqui na escola. A tutoria no 2º período é a possibilidade de abrir esse cenário precocemente e dar esse aporte aos alunos. O desafio é fazer essa adaptação. O quanto isso vai ser bom, produtivo e aproveitado pelos alunos, só o tempo que vai dizer.

A ideia é que, no futuro, a tutoria acabe dentro de sua formalização. A proposta é que a maioria dos professores sejam tutores natos, que eles tenham essa disposição. O ideal, a perfeição, seria ter uma escola aonde todo professor fosse tanto um bom educador, quanto um bom tutor, no formato de mentoring. Mas, infelizmente, nós temos muito esse recorte de professores que vem, dão aula, e vão embora. Isso é pouco. Aquele professor envolvido, que motiva, que interage, que encoraja, que dá vigor para a formação, a gente carece.

Qual é a situação atual da tutoria? Existem pontos que precisam ser revistos ou explorados?
Um ponto que a gente ainda tem é que, quando houve a reforma, todos os departamentos se comprometeram a fornecer professores. A carga horária já é reconhecida, já é legal há muitos anos. Mas, quando o departamento reconhece, ele assume esse compromisso com o colegiado. Nós temos esse ganho dentro do novo contexto. No entanto, um problema que é que a maioria dos professores que tem disposição para estar na tutoria já são muito sobrecarregados. Precisamos de mais professores e, dentro do nosso cenário acadêmico, distribuir melhor as atribuições. É importante que os professores entendam, se comprometam com a universidade. Um problema prático e estrutural que nós temos é a falta de espaço físico já que a tutoria, hoje, precisa de 30 salas. A minha visão é otimista: A gente está em uma fase de implantação, já passamos da fase de resistência, o seguimento vai ser organizar e conseguir avançar por cima disso. O importante é ter persistência, foco e não perder o eixo que norteia o caminho da gente.

Leia o artigo.