Uso da PrEP como prevenção adicional à infecção pelo HIV/Aids é vista com otimismo

Participantes apontam barreiras sobre uso de antirretrovirais e preocupação com abandono da camisinha


27 de novembro de 2018


No estudo com homens que fazem sexo com homens, participantes também apontam barreiras relacionadas ao uso de antirretrovirais como prevenção e a preocupação com o abandono da camisinha

A PrEP é uma estratégia de prevenção complementar ao HIV. Foto: Carol Morena

O Brasil é o primeiro país da América Latina a implantar a profilaxia pré-exposição (PrEP) como estratégia de prevenção ao HIV, através de uma política pública de saúde voltada às populações-chaves. Entre os grupos prioritários estão homens que fazem sexo com homens (HSH), público avaliado durante o doutorado da psicóloga Ana Paula Silva para verificação da aceitabilidade e das implicações do uso da PrEP como forma complementar de prevenção à infecção pelo HIV/Aids.

Em sua tese, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da UFMG, Ana Paula entrevistou inicialmente 212 homens que fazem sexo com homens (HSH) acompanhados no Projeto Horizonte da UFMG, em Belo Horizonte, onde ela atua como psicóloga e pesquisadora. “A abordagem qualitativa proposta permitiu alcançar e conhecer as opiniões, dúvidas e medos, tornando-se, assim, um diferencial da pesquisa”, diz Ana Paula.

Entre os entrevistados, cerca de 80% responderam que utilizariam a PrEP, caso ela estivesse disponível no Brasil naquele momento. “A principal motivação para isso é considerar a estratégia como uma forma a mais de prevenção, que traria mais tranquilidade à vida sexual, principalmente em situações de maior vulnerabilidade como o rompimento da camisinha”, explica a psicóloga. Por outro lado, eles também apontaram barreiras para o uso dos antirretrovirais e mostraram-se preocupados com a possibilidade do relaxamento ou abandono da camisinha.

Benefícios

Dividida em duas etapas, a parte da pesquisa chamada inquérito epidemiológico avaliou o conhecimento, aceitabilidade e possíveis mudanças na vida sexual com a implementação da PrEP, chegando ao primeiro resultado marcante: 77% utilizariam o medicamento, ainda que a maioria nunca tivesse ouvido falar dele até aquele momento.  Após apresentação do estudo e assinatura do termo de consentimento, também foi possível conhecer os benefícios, barreiras e os medos que envolvem a decisão de utilizar o medicamento.

Para Ana Paula, os dados evidenciam o perfil dos que tomariam a medicação como prevenção: idade entre 30 e 45 anos; ter muitos parceiros sexuais casuais e uso intermitente do  preservativo, tanto em prática anal insertiva como receptiva. Já a maioria que relatou dúvida tinha mais de 45 anos. Ainda observou-se que quanto maior o nível de escolaridade mais dispostos estavam em usar. “Isso é importante para sabermos quem provavelmente procurará o SUS para ter acesso a essa estratégia de prevenção”.

“Essa nova forma de prevenção surgiu no cenário de muitas conquistas, pois o programa de enfrentamento à AIDS do Brasil é, indiscutivelmente, referência para o mundo. No entanto, ainda há dificuldades no uso contínuo da camisinha”, destaca Ana Paula, que argumenta que só a recomendação do uso do preservativo não é capaz de conter o avanço da epidemia. “No Brasil ocorrem cerca de 40 mil novos casos de Aids por ano. É um dado alarmante e um dos motivos para a implementação da PrEP no país, pois, uma vez inserida dentro do contexto da prevenção combinada estabelecida pelo Ministério da Saúde, poderá contribuir pra minimizar o número de infecções”, explica.

Ana Paula também reforça a importância de conhecer os diversos contextos socioculturais e de vulnerabilidade dos segmentos mais atingidos pela infecção, além do acesso às medidas de prevenção para, assim, “entender as dificuldades que, muitas vezes, é invisibilizada, na rotina dos serviços de saúde”.

Desafios

Entre os voluntários participantes da etapa de inquérito epidemiológico, 40 HSH foram selecionados para participar do ensaio clínico fase I, realizado no Hospital das Clínicas da UFMG, onde foram acompanhados durante quatro meses em uso diário da PrEP. Na segunda etapa da tese – após o ensaio clínico – foram realizados grupos focais para avaliação dessa experiência,

A pesquisadora Ana Paula Silva também atua como psicologa no Projeto Horizonte. Foto: Carol Morena

Segundo Ana Paula, uma das principais preocupações relatadas pelos voluntários, tanto no inquérito epidemiológico quanto nos grupos focais, foi a compensação de risco, ocorrência de práticas sexuais desprotegidas por entenderem que o medicamento os protege de uma possível infecção. “A confiança no medicamento poderá gerar a concepção equivocada da PrEP como forma isolada de prevenção desconsiderando outras ISTs.  Cabe lembrar, que essa é uma medida preventiva combinada e não substitutiva do uso do preservativo”, acrescenta Ana Paula.

“Esse é um ponto que chamo atenção e coloco uma proposição no meu estudo: os profissionais de saúde tem que reforçar no trabalho preventivo que a PrEP não é uma pílula mágica que vai resolver todos os problemas. Ela está surgindo como um reforço em um momento que o modelo preventivo predominante do uso da camisinha não está sendo suficiente para conter o aumento de infecção pelo HIV”, acrescenta.

O medo dos efeitos colaterais esteve presente em todos os relatos. “Esclarecer sobre a questão é determinante para a efetiva adesão daqueles que se dispõem a utilizar a PrEP e é condição para os que estão em dúvida. Por outro lado, o medo dos efeitos justifica a decisão dos que não utilizaria”, afirma a pesquisadora. Outro resultado que também chamou a atenção foi o medo do estigma e preconceito, seja por parte família ou no trabalho, por utilizar um medicamento antirretroviral. “Havia o receio de que as pessoas pudessem ter conhecimento sobre o uso e questionar sobre sua sorologia, uma vez que se trata de um medicamento usado também no tratamento do HIV/Aids”, relata.

Os grupos focais também ressaltaram que, neste momento de implementação da PrEP, é necessário utilizar todas as mídias para o maior alcance das informações. “Os participantes sugeriram que o foco fosse a população de jovens gays, por não terem vivenciado os primeiros anos da epidemia da Aids, marcados por muitas perdas em decorrência da doença. Reforçam, ainda, que a divulgação não seja feita apenas em datas pontuais como paradas gays e Dia Internacional de Combate à AIDS (1º de dezembro), assinalando a importância da educação continuada”, comenta Ana Paula. Além disso, a pesquisa revela que “Tomar medicação diariamente não é um hábito fácil. Nos grupos focais, por exemplo, houve relatos de esquecimento e até dificuldade de engolir a pílula”.

De acordo com Ana Paula, a chegada da PrEP pode ser a oportunidade para ampliar o acesso das populações em situação de vulnerabilidade aos serviços de saúde e ampliar as discussões sobre sexualidade nesses espaços. No entanto, a oferta do medicamento traz desafios ao SUS para garantir a integralidade, a equidade e o pleno direito à saúde aos seguimentos beneficiados pela nova estratégia preventiva contra o HIV, sem perder de vista as outras ISTs. “Os resultados da tese são importantes nesse ponto, pois traz as dúvidas e demandas reais dos possíveis usuários. Isso ajuda a tornar mais efetiva a implementação da PrEP no Brasil”, argumenta a Ana Paula.

Pesquisa de representação nacional

Essa tese é resultado de um estudo alinhado ao Projeto Horizonte da UFMG: o PrEP Horizonte, iniciado em 2013 e selecionado através de edital de chamamento público do Ministério da Saúde, com intuito de avaliar a efetividade de ações inovadoras para a prevenção da infecção pelo HIV em populações com maior vulnerabilidade.

Para Ana Paula, a escolha teve como peso o fato de o Projeto Horizonte ser um estudo de coorte, que acompanha por longo período a população de gays, bissexuais e outros HSH, sendo referência sobre o assunto. “O Projeto Horizonte, implementado e conduzido pela UFMG, é pioneiro em estudo de incidência da infecção do HIV entre HSH no Brasil”.

O Projeto Horizonte

Os interessados em participar do Projeto Horizonte devem ligar no telefone 3226-8188 e agendar uma entrevista inicial de acolhimento, momento em que são fornecidas informações detalhadas sobre o projeto com a discussão do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Decidindo participar, os voluntários respondem a um questionário-entrevista psicossocial com questões sobre o uso de camisinha, percepção de riscos, uso de drogas e álcool, entre outras. Também são solicitados exames laboratoriais (HIV, VDRL, Hepatites B/C, hemograma) e realizado o aconselhamento pré-teste. Os resultados são entregues após dez dias pelo mesmo profissional psicossocial que o atendeu no início e, nesse momento, é feito o aconselhamento pós-teste para discutir as possíveis implicações dos resultados. Em seguida passam por avaliação médica.

Saiba mais em: www.medicina.ufmg.br/projetohorizonte/.

 

Nome: Avaliação da aceitabilidade e implicações para o uso da profilaxia pré-exposição (PrEP) na prevenção da infecção pelo HIV em coorte de homens que fazem sexo com homens (HSH) – Projeto Horizonte/UFMG

Autora: Ana Paula da Silva

Orientadora: Mariângela Carneiro

Coorientadora: Márcia Stengel

Programa: Infectologia e Medicina Tropical

Defesa: 27 de abril de 2018