Abordagem além da medicina para enfrentar epidemia de obesidade

Simpósio busca compreensão e abordagem transdisciplinar para soluções assertivas.


30 de agosto de 2017


Considerar o emocional e relação com alimentos são fundamentais para o combate à obesidade.

Sérgio Campos: ciclo de frustração, angústia, culpa e gula caracterizam a obesidade. Foto: Carol Morena

“Por que a medicina falha em tratar a obesidade?”. O questionamento do psiquiatra Sérgio Passos Ribeiro de Campos foi o começo para seu estudo que buscou investigar qual o motivo que levava jovens inteligentes e saudáveis a não seguirem uma dieta elementar, ou por que com tanta informação, alertas e incentivos aos esportes e à saúde a obesidade tem se tornado uma epidemia.

O incentivo veio a partir do conhecimento de um estudo quantitativo que após 32 anos apontou que não há traços genéticos que expliquem a obesidade. Segundo Sérgio, o estudo concluiu que as pessoas contraem a obesidade a partir de seus vínculos afetivos e sociais.

O psiquiatra foi, então, buscar identificar quais seriam esses vínculos. A percepção do médico é que para melhor compreensão da obesidade seria preciso considerar as perspectivas da medicina e da psicanálise que lhe pareciam, ao mesmo tempo, inconciliáveis, porém indissociáveis. Em contraponto à universalidade da Medicina, há a individualidade da psicanálise. Para ele, a aplicação da psicanálise à medicina permite destacar subjetividades não detectadas pelas pesquisas quantitativas.

A tese, concluída em 2012, resultou no livro “Obesidade em jovens– a lógica psicanalítica do ganho de peso”. A partir de entrevistas e análises, o pesquisador verificou que existe um ciclo vicioso característico dos casos de obesidade, determinado por frustração, angústia, gula, culpa e, novamente, frustração. “Diante da frustração do amor e da insatisfação, o sujeito recorre ao objeto da necessidade como mecanismo de compensação de sua satisfação”, explicou o palestrante.

De acordo com Sérgio Campos, esse ciclo constitui o mecanismo central da gênese da obesidade nesses casos que impasses subjetivos são o cerne da clínica. “A obesidade é uma doença complexa multifatorial que tem diversos vieses. Olhá-la por um ângulo é complicado, e acaba se destinando ao fracasso do tratamento. É necessária uma abordagem transdisciplinar para que possamos ajudar esses sujeitos”, concluiu.

Panorama
O diretor de Serviços Próprios da Unimed BH e professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Paulo Pimenta, reforçou que a obesidade é, há alguns anos, uma epidemia global impulsionada por mudanças de hábitos. Segundo ele, estima-se que 60% dos brasileiros estão acima do peso. “Em 10 anos, o número de pessoas com sobrepeso entre 18 e 24 anos dobrou”, alertou, destacando que a obesidade é um problema que acomete todas as faixas etárias, inclusive crianças.

Professor de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG, Rafael Claro chamou atenção para o fato de que uma criança com sobrepeso tem 32% de chances de se tornar um adulto obeso. Quando trata-se de adolescente, a chance de se tornar um adulto obeso sobe para 80%. “Parte da prevalência assustadora dos obesos de hoje foram adolescentes magros. O que será daqui a 30 anos, quando os adolescentes já iniciarem a vida adulta com excesso de peso?”, problematizou o nutricionista.

Associada a outros problemas de saúde, como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e locomotores, a obesidade provocou, de acordo com o professor Paulo, um aumento de 39% na realização de cirurgias para redução de peso nos últimos anos. “A Unimed BH realiza cerca de 300 cirurgias bariátricas por mês. É o terceiro procedimento mais procurado”, destacou.

“A obesidade não é tão simples assim, tem que ser discutida”, afirmou o diretor da Faculdade e presidente do 4º Congresso Nacional de Saúde, professor Tarcizo Afonso Nunes. Segundo ele, iniciativas como a realização do Simpósio “Obesidade: estamos preparados para este desafio?” são fundamentais para buscar, coletivamente, soluções responsáveis para as práticas relacionadas à doença.

Relação com alimentos
Para Paulo Pimenta, o combate à epidemia de obesidade passa, necessariamente, pela boa alimentação.  Rafael Claro contou que no Brasil diminuiu o consumo de alimentos que atendem a um padrão de alimentação tradicional, como arroz, feijão, leite e farinha de mandioca, ao passo que aumentou a opção por alimentos prontos para consumo e processados, como snacks, biscoitos e embutidos.

Segundo o nutricionista esse caminho, já percorrido por outros países com índices de obesidade maiores, demonstra a profunda mudança do relacionamento da população com a alimentação. “Antes a alimentação era feita regularmente em casa e, em ocasiões especiais, famílias e amigos eram convidados a ir a um restaurante. Hoje as refeições são feitas na rua e as comemorações, em casa”, exemplificou, demonstrado a inversão da lógica, reforçando a mudança de hábitos, locais e formas de consumo.

Desmistificando a alimentação e dietas nutricionais
Professor Emérito da UFMG, o nutrólogo Enio Cardillo Vieira reforçou ainda importância em desmistificar inverdades sobre alimentos e dietas para a população. Ele criticou, por exemplo, as dietas de baixo carboidrato lembrando que no oriente a base da alimentação é de arroz e a taxa de obesidade é menor, e no ocidente, onde é maior o consumo de proteínas e gorduras, a taxa de obesidade também é maior. “Nenhum alimento engorda, o que engorda é a quantidade”, afirmou.

Enio falou também sobre outros mitos: segundo o professor, o café da manhã não é a refeição mais importante do dia, já que horário de refeição é cultural. Abusar de proteínas pode fazer mal: as carnes de boi e porco podem, inclusive, aumentar as chances de vários tipos de cânceres. Já o óleo de côco, para ele, é a pior gordura de todas. Muito usado nos anos 60 por ser mais barato e prático do que a gordura de porco, perdeu o espaço para os óleos de soja, girassol e milho, ricos em ômega 6. Para ele, não há razões para preferir o uso do óleo de côco, mais pobre nutricionalmente. O nutrólogo também reforçou: não existe emagrecimento rápido: toda perda de peso é necessariamente lenta.

Rafael Claro lembrou ainda de outro mito: durante um trabalho em grupo ele e outros profissionais investigaram e não encontraram evidências científicas que justificassem a necessidade de refeições fracionadas. “Esse hábito era justamente o que trazia calorias a mais para as pessoas, e oportunidade de consumo de alimentos ultraprocessados”, afirmou.

Regulação e intervenção

Para Rafael Claro, intervenções assertivas são necessárias para mudanças de hábitos.

Rafael Claro acredita em medidas regulatórias que proponham uma mudança de ambiente para combater a obesidade e mudar os hábitos que levam ao problema.  Ele citou que essas mudanças podem ser em ambientes físicos, econômicos ou sócio-culturais-educacionais.

O nutricionista explica que se trata de mudança em ambiente físico quando se promove o incentivo ao acesso a alimentos saudáveis e a restrição aos alimentos não-saudáveis, especialmente em lugares como escolas e entornos. As alterações em ambiente econômico se referem à possibilidade de garantir renda para acesso a alimentos saudáveis e frescos, e repensar a lógica de preços de alimentos. Já as intervenções sócio-culturais-educacionais referem-se à regulação de publicidades e ações educativas, além de rotulagem dos alimentos.

Para Rafael, esses debates devem ganhar força nos próximos cinco anos, como parte da agenda do Ministério da Saúde e da Anvisa. “Enquanto a escolha errada for mais fácil dificilmente as pessoas vão mudar de caminho”, concluiu.

Assista a essas e outras palestras completas da primeira parte do Simpósio “Obesidade: estamos preparados para esse desafio?”

Congresso Nacional de Saúde
A programação da 4ª edição do Congresso reúne mais de 10 mesas-redondas, workshops e oficinas em torno do tema “Promoção da Saúde: Interfaces, Impasses e Perspectivas”, além de três simpósios internacionais nas áreas de prática e ensino de Saúde.

A programação do Congresso Nacional de Saúde se encerra hoje, 30 de agosto de 2017. Além da programação científica, o Congresso contou ainda com atividades culturais, exposições, apresentações, lançamentos de livros e intervenções durante toda a programação, que integrou  a programação das comemorações dos 90 anos da UFMG, celebrados em 2017.

A Secretaria executiva do 4º Congresso Nacional da Saúde atende na sala 5, no térreo  da Unidade.

Confira a programação completa na página do Congresso Nacional de Saúde.

Mais informações: 3409 8053, ou ainda pelo e-mail 4congresso@medicina.ufmg.br

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