Danos à saúde podem demorar anos até serem sentidos

Brasil registrou o maior ritmo de liberação de agrotóxicos em 2019. Produtos podem trazer efeitos crônicos à saúde.


09 de dezembro de 2019 - , ,


*Guilherme Gurgel

Mais de 40 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxicos, isto é, de aparecimento rápido, foram registrados no Brasil na última década, de acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Os casos são mais recorrentes entre os trabalhadores rurais, que estão em contato direto com os produtos nocivos à saúde. Porém, os agrotóxicos trazem perigos invisíveis a curto prazo, mas com efeitos crônicos na população em geral, que pode se contaminar por meio do consumo de alimentos e água com a presença desses produtos.

A exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças, que vão de irritações na pele à câncer, dependendo do produto, tempo de exposição e quantidade absorvida pelo organismo. As consequências mais graves são sentidas por pelo menos 20 mil pessoas por ano, que é o número de registros de mortes por consumo de agrotóxicos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mas nem sempre esses efeitos são percebidos em curto prazo. De acordo com a professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Eliane Novato, casos crônicos – que ocorrem após exposições repetidas a pequenas quantidades de agrotóxicos por um período prolongado – podem se manifestar somente em gerações seguintes.

Entre esses efeitos crônicos estão dificuldade para dormir, esquecimento, aborto, impotência, depressão, problemas respiratórios graves, malformação da criança, entre outros “Não é algo que acontece de um dia para o outro, mas é observado após muitos anos de contato com as substâncias”, explica Eliane.

Saúde com Ciência desta semana apresenta os riscos dos agrotóxicos para a saúde humana e as possíveis soluções para reduzir o impacto desses produtos. Ouça aqui.

Segundo a especialista, ainda não se sabe ao certo todos os impactos que os agrotóxicos podem causar à saúde. “E quando não conhecemos o efeito crônico, é impossível falar de um uso seguro”, avalia a professora.

Mesmo assim, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem um parâmetro de Ingestão Diária Aceitável de agrotóxicos (IDA), calculado para cada agrotóxico, e medida em miligramas de agrotóxico por quilo de peso corpóreo da pessoa que o ingere. No entanto, Eliane Novato Alerta que a legislação atual não leva em consideração a variedade de produtos consumidos.

“Se uma substância é utilizada no cultivo de arroz e um produto com essa mesma substância é usado no feijão, a ingestão do consumidor tem as duas doses somadas. Então, essa quantidade é muito menos inócua do que parece”, alerta.

Subnotificação

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca) o Brasil vem sendo o país com maior consumo de agrotóxicos desde 2008, inclusive de produtos já banidos em outros países. Somente até 27 de novembro deste ano, 439 novos produtos foram liberados, o maior ritmo de liberação registrado no país desde a série histórica iniciada em 2005.  

Para o professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Marcus Polignano, os problemas para a saúde decorrentes dos agrotóxicos são subnotificados, principalmente em áreas rurais mais afastadas, onde o contato com os agrotóxicos é mais próximo.

“Existem várias situações em que as pessoas passam mal e isso é identificado como fraqueza muscular, esforço físico, ou outros comprometimentos e não é colocado como intoxicação”, explica.

Polignano também reconhece a dificuldade em notificar os efeitos crônicos. “Como eles (os efeitos) se dão ao longo do tempo, pelo uso contínuo, a intoxicação pode não ser percebida nem pelo paciente, nem pelo profissional de saúde. Assim, isso não é notificado da forma adequada”, avalia.

Perigo invisível

Os efeitos negativos dos agrotóxicos são muitos e a preocupação com o uso exagerado no país é crescente. No entanto, com modelo de agricultura brasileiro, baseado na monocultura, não é possível a interrupção imediata da aplicação desses produtos.

Por isso, a professora Eliane Novato acredita que a solução é fazer substituição gradual dos modelos de produção baseados em um só tipo de produto agrícola por modelos agroecológicos, que são aqueles que utilizam da própria diversidade de cultivo para controlar as pragas. “Hoje, já se sabe que é possível alimentar toda a população sem uso de agrotóxicos”, ressalta.

Mas, a curto prazo, existem algumas soluções para amenizar os problemas causados pelos agrotóxicos nos alimentos. Isso porque não é possível eliminá-los totalmente dos alimentos. Para isso, o professor Marcus Polignano defende a escolha consciente dos consumidores, priorizando alimentos orgânicos. Ele explica que lavar também ajuda, porque tira o excesso que está na superfície do produto.

“É possível ainda fazer sua própria horta de hortaliças e plantas pequenas, até mesmo em um espaço mínimo. Isso já é menos um agrotóxico consumido”, acrescenta.

Sobre o Programa de Rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Guilherme Gurgel – estagiário de Jornalismo
Edição: Karla Scarmigliat