Conheça o acretismo placentário, uma das principais causas de morte materna

A ocorrência da doença aumentou nas últimas décadas, acompanhando o aumento dos partos cesáreas.


22 de maio de 2023 - , , , ,


* Elen Batista

Foto: Valdecir Galor/SMCS/CC BY-NC 2.0

O acretismo placentário é uma importante causa de mortalidade materna no mundo. Tais mortes podem ser evitadas com o pré-natal de qualidade e profissionais atentos à placenta das gestantes com histórico de cesarianas, como explica especialista da Faculdade de Medicina da UFMG. 

Também conhecida como espectro da placenta acreta, a doença ocorre quando a placenta fica mais aderida ao útero que o normal durante a gestação, causando uma grande hemorragia na hora do parto. Segundo o International Journal of Ginecology and Obstetrics, a incidência do acretismo na década de 1950 era de 1 para cada 30.000 partos. Atualmente, as ocorrências são de aproximadamente 1 para cada 500, a depender do local. 

O sangramento do acretismo ameaça a vida da paciente, visto que a hemorragia é volumosa e nem sempre os hospitais estão preparados para uma cirurgia de alta complexidade ou para a necessidade de um grande volume de reposição de sangue, como pode ocorrer nesses casos. “O que faz com que aconteça o acretismo placentário ainda não está totalmente esclarecido, mas sabemos que o principal fator de risco é uma cirurgia uterina prévia. E a cirurgia uterina mais comumente realizada é a cesariana. Pela sua alta frequência, não só no Brasil como no mundo, os casos de acretismo são cada vez mais comuns”, aponta o chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia (GOB) da UFMG, Gabriel Osanan.

“Não estou dizendo que a cesariana é um procedimento ruim. Em algumas situações ela pode salvar a vida da mãe ou de seu filho. Mas essa é uma possível complicação de uma cesariana em gestações futuras. Por isso, deve sempre ser bem indicada. E se a gestante já fez uma cesariana, temos que nos atentar ao risco de ter acretismo”, enfatiza.

Geralmente, a placenta se solta depois do parto e a mulher a expulsa espontaneamente ou com ajuda médica. No caso do acretismo, ela fica fortemente ligada ao útero e faz com que a expulsão não seja possível. Por isso, é preciso que uma equipe multidisciplinar esteja preparada para realizar o parto e fazer com que a paciente perca o mínimo de sangue possível. “Um dos piores cenários que eu posso ter com acretismo placentário é a paciente começar a ter contrações fora da hora, ter parto de urgência e fora de um hospital especializado, sem capacidade de oferecer o cuidado necessário. Ela fica totalmente à mercê da sorte, visto que é uma cirurgia de alta complexidade”, aponta. 

Nas ocorrências de acretismo, a placenta pode aparecer de três formas diferentes, classificadas a partir da profundidade que ela atinge o útero: acreta, quando está aderida de forma mais superficial; increta, quando afeta a musculatura do útero; ou percreta, quando penetra toda a musculatura e atinge outros órgãos, como a bexiga. 

Além de um parto cesárea anterior, a doença também pode ser causada por outras cirurgias que causam cicatrizes uterinas, como a retirada de um mioma, curetagens de repetição, e até mesmo fertilização in vitro. “Quando a paciente já tem uma cesariana e a placenta está se formando na gravidez seguinte, ela pode aderir exatamente nessa cicatriz de forma mais profunda, gerando o quadro de acretismo”, explica o professor sobre a relação entre as cesáreas e o acretismo.

“O foco é no histórico da paciente. Quando a gestante já passou por cesariana ou apresenta outro fator de risco, é necessário uma ultrassonografia com atenção especial à placenta e aos sinais que podem indicar um acretismo. Se ela estiver muito baixa ou atingir o local onde ocorreu a incisão da cesariana prévia, é necessária uma investigação mais cuidadosa.”

Pré-natal é essencial

Foto: Arquivo/Faculdade de Medicina da UFMG.

Por isso, o pré-natal é essencial: além de identificar um possível acretismo, o profissional poderá encaminhar a paciente a um centro de tratamento especializado e fazer os demais procedimentos para evitar complicações no parto. “Um dos maiores problemas com os casos dessa doença, e que pode contribuir para a morte materna, é quando o pré-natal não se atentou aos sinais de acretismo ou não foi feito pré-natal. Nesses casos, os partos ocorrem na urgência. É o pior cenário. Você vai ter um hospital despreparado e muito mais dificuldades”, afirma. 

Para lidar com a doença, é necessário uma equipe multidisciplinar e especializada no seu tratamento, para que grandes complicações sejam evitadas. As gestantes com suspeita de acretismo devem ser encaminhadas a um centro de referência ainda durante o pré-natal para que tratamentos adequados sejam feitos e, então, o parto ocorra em ambiente mais seguro possível. Além disso, o pré-natal deve ter cuidado redobrado com possíveis complicações de uma gravidez. “Se eu sei que essa paciente tem um alto risco de ter uma hemorragia e a ela tem anemia, eu vou tratar essa condição primeiro. Pois se ela tem anemia e tiver um sangramento muito grande no parto, vai ficar ainda mais vulnerável”, explica. 

Como o útero é fortemente comprometido e a placenta não pode ser retirada, a conduta padrão em casos de acretismo é não tentar remover a placenta do útero, pois essa tentativa pode causar um sangramento incontrolável. Assim, a retirada do útero juntamente com a placenta, procedimento chamado de histerectomia, ainda é o mais comum para tratar esses casos. “Existe uma tendência a fazer cirurgias mais conservadoras, mantendo parte do útero e retirando apenas a parte afetada, mas isso só é possível em casos muito específicos, de pouca gravidade e com equipe experiente”, ressalta. 

“Uma vez com os fatores de risco, não há como prevenir a ocorrência do acretismo. A questão é evitar os fatores de risco. Uma forma para isso seria não realizar cesarianas desnecessárias.”

O professor diz, ainda, que estamos num momento de fazer com que as gestantes entendam os riscos que cesarianas desnecessárias podem trazer, assim como os profissionais de saúde reconheçam os fatores de risco em um ultrassom durante o pré-natal. “Uma questão que preocupa é que o acretismo não é muito conhecido nem pelas gestantes nem por muitos profissionais de saúde. Então isso pode ser perigoso”, alerta.

Sendo assim, um importante ponto de partida é o entendimento de que o pré-natal é crucial não só para o diagnóstico de acretismo, mas também para outras doenças. Além disso, um ultrassom com atenção à placenta, em pacientes com fatores de risco para acretismo também é fundamental. “Nós estamos na fase de incentivar as pessoas a entenderem os riscos que elas têm. E só de olhar para a placenta com mais cautela já seria um grande avanço”, finaliza.


* Elen Batista
Edição: Vitor Maia