Covid longa na Atenção Primária à Saúde: estudo da UFMG é publicado em Edição Especial da Série Técnica Navegador SUS

Uma pesquisa da UFMG, que analisou os efeitos da chamada covid longa no contexto do trabalho, foi publicada na “Edição Especial da Série Técnica Navegador SUS da Rede Colaborativa Brasil de Pesquisa em Dados Clínicos COVID-19, COVID longa e Mpox”, elaborado pela Organização Pan-Americana de Saúde em parceria com o Ministério da Saúde. O capítulo intitulado “Evidências de Pós-COVID em trabalhadores e em profissionais da Universidade Federal de Minas Gerais”, da pesquisadora Lívia Bonfim, avalia a permanência de sintomas pós covid-19 em trabalhadores da UFMG e ajuda a visualizar um quadro mais amplo das consequências da doença no dia a dia das pessoas.

A síndrome pós covid-19 pode ser definida como a ocorrência de sinais e sintomas clínicos que aparecem durante ou após o adoecimento por covid-19 e persistem por 12 semanas ou mais, após o início da infecção aguda. A pesquisa produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Infectologia e Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da UFMG, acompanhou trabalhadores da universidade que tiveram quadro de covid-19 leve confirmado por exame laboratorial e foram atendidos pelo programa TeleCOVID-MG, de assistência remota, em uma parceira da Reitoria com o Centro de Telessaúde Hospital das Clínicas da UFMG/Ebserh . 

A covid longa apresenta uma variedade de sintomas físicos e mentais, os quais impactam significativamente na vida diária, incluindo atividades laborais e interações sociais. Segundo a pesquisa, a permanência de sintomas neuropsiquiátricos e respiratórios, mesmo em casos leves, é particularmente alta entre adultos em idade produtiva, o que acarreta implicações socioeconômicas consideráveis. “A evidência sobre o impacto da covid longa na situação de trabalho é limitada, mas sugere um expressivo ônus econômico e para os sistemas de saúde em longo prazo”, afirma a pesquisadora em seu artigo.

As sequelas da covid-19 podem afetar a qualidade de vida de 10 a 20% dos pacientes que tiveram a doença. A pesquisa traz uma grande revisão sistemática de artigos publicados até junho de 2021, que indica que até 47% daqueles que estavam empregados antes da fase aguda da covid-19 não conseguiram regressar ao trabalho; de 5% a 90% consideraram que não conseguiram atingir os níveis de emprego pré-covid; e entre 8% e 39% relataram perturbações na sua vida profissional após contrair a doença. “Os resultados apontam que indivíduos não recuperados, especialmente os mais velhos e com histórico psiquiátrico, apresentaram significativa diminuição na capacidade de trabalho”, indica Lívia, que também é médica do trabalho.  

Uma coorte prospectiva avaliou 672 adultos em idade produtiva, de 18 a 64 anos, infectados pelo SARS-CoV-2 entre agosto de 2020 e janeiro de 2021. O número de sintomas durante o episódio agudo da covid-19, a gravidade do quadro, bem como os altos níveis de marcadores inflamatórios foram associados a maior risco para o desenvolvimento de síndrome pós-covid. 

Sintomas respiratórios e neuropsiquiátricos preocupam médicos e trabalhadores

Em uma revisão de literatura sobre sintomas da síndrome pós-covid 19, a pesquisadora também destaca os sintomas neuropsiquiátricos e respiratórios, como fadiga, falta de ar, dor de cabeça, tontura e dificuldade para se concentrar. 

A dissertação de mestrado de Lívia realizou ainda uma avaliação feita por meio de questionário com 290 trabalhadores da UFMG, com idade média de 43 anos, sendo 61% mulheres e 43% de profissionais da área da saúde. A pesquisa conduzida na Faculdade de Medicina da UFMG mostra que os sintomas cognitivos estão entre as sequelas mais frequentes em pacientes com síndrome pós-covid-19, entre as quais se destacam: dificuldade para encontrar a palavra certa (18,6%); problemas de memória (18,3%); problemas de concentração (17,2%) e dificuldade para pensar claramente (10,3%). 

A depressão e a ansiedade também são comuns, com uma maior probabilidade de ocorrência em mulheres. Aspectos como cansaço (11,7%), ansiedade (10,3%), lembrança negativa do episódio de COVID-19 (8,6%), pouco interesse pelas coisas (7,2%) e falta de ânimo (7,2%) foram levantados entre os entrevistados via questionário. 

“Infelizmente, não existe atualmente nenhum tratamento eficaz para melhorar os déficits cognitivos, uma vez que os mecanismos fisiopatológicos subjacentes não são muito claros. Assim, a estratégia mais eficaz para se prevenir as condições pós-covid é evitar-se a própria covid-19, por meio da adoção de medidas gerais para prevenção da aquisição de infecções respiratórias, bem como da vacinação”, defende Lívia.

Ainda para a pesquisadora, o estudo contribui para orientar gestores de saúde e trabalhadores de todas as áreas. De acordo com ela, “temos que identificar os problemas para pensar estratégias de redução do impacto da síndrome pós-covid-19 na qualidade de vida e de trabalho dos pacientes acometidos. É necessário atentar-se para esta condição clínica e melhorar o atendimento aos trabalhadores, bem como otimizar processos de vigilância epidemiológica relacionados à covid-19 e suas sequelas”, afirma.

Publicação Série Técnica Navegador SUS conta com cartilha de orientação sobre covid longa 

A Edição especial da Série Técnica Navegador SUS conta ainda com uma cartilha instrutiva para profissionais e serviços de saúde do Brasil, bem como para a população em geral, com o objetivo de  informar, ajudar a identificar e a orientar acerca da reabilitação e/ou tratamento  dos sintomas de covid longa. O documento foi inspirado em uma cartilha de mesmo propósito elaborada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no entanto, feita para o enfrentamento da covid-19 em sua fase aguda. 

A cartilha possui informações sobre sintomas, vacinas, prevenção e precaução, além de conhecimentos sobre covid na gestação. O guia foi desenvolvido por profissionais de todo o Brasil, com a participação do corpo docente e discente da UFMG, a saber, da professora Milena Soriano Marcolino, da pós-graduanda Lívia Paula Freire Bonfim, além dos acadêmicos Bruno Cabaleiro Cortizo Freire, Thais Marques Pedroso, Thalita Baptisteli Fernandes e Lucca Fagundes Ramos de Oliveira.

Com o surgimento da covid-19, declarada como pandemia em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os Escritórios Regionais do órgão desenvolveram uma ação coordenada para mobilizar diversos estabelecimentos hospitalares a participarem do esforço global para coleta de dados clínicos relativos a hospitalizações suspeitas ou confirmadas de covid-19, além de contribuir com a Plataforma Clínica Global COVID-19, para caracterização clínica e manejo de pacientes hospitalizados. O objetivo da iniciativa visava a realização de estudos capazes de fornecer um panorama para o enfrentamento e superação da pandemia.

A Rede Colaborativa Brasil de Pesquisa em Dados Clínicos COVID-19, COVID longa e Mpox é um esforço conjunto por meio de um grupo de pesquisa multicêntrica pós-covid, que visa promover evidências a partir da realidade de serviços públicos de saúde na atenção primária à saúde e ambulatórios especializados em hospitais públicos de média e alta complexidade, quanto à caracterização clínico-epidemiológica, intervenções clínicas e de reabilitação de médio e longo prazo dos pacientes com sequelas pós-covid ou covid longa.