Fase 3 das vacinas em teste é assunto da semana no Saúde com Ciência
Série especial do programa de rádio explica os tipos de vacinas em testes no país, as etapas antes da aprovação de um imunizante, como funciona o voluntariado e o que significa quando os testes são suspensos temporariamente.
26 de outubro de 2020 - AstraZeneca, coronavac, fase 3, Johnson & Johnson, oxford, sinovac, testes, vacinas
Por apresentar grande número de infectados pela covid-19, o que acelera os estudos, o Brasil se tornou cenário propício para os testes com as vacinas candidatas. Atualmente, quatro imunizantes estão na fase 3 de teses no país, a última etapa antes da aprovação de uma vacina. Mas até chegar nessa etapa, muitas outras são percorridas para maior segurança e eficácia durante os testes que envolvem grande número de voluntários.
A primeira etapa para a criação consiste na definição, em laboratório, da melhor composição para o imunizante. Após essa etapa, inicia-se a fase pré-clínica ou não clínica, na qual são realizados testes em animais para comprovar os dados emitidos na experimentação in vitro. Em seguida, é iniciada a fase clínica, com testes em humanos, que se divide em três.
No Brasil, quatro candidatas se encontram na fase de testes em larga escala, a fase 3, e se baseiam em diferentes abordagens de imunização, como a de vírus atenuado ou inativado, vetores virais, genéticas ou proteicas.
Candidatas
A vacina candidata produzida pela americana Pfizer, em parceria com o laboratório alemão BioNtech, está sendo testada em voluntários em São Paulo e na Bahia com maior risco de exposição ao vírus. É uma vacina genética, baseada em RNAm (RNA mensageiro), aplicado via intramuscular.
O virologista do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG (CT Vacinas) e professor do Departamento de Microbiologia da UFMG, Flávio da Fonseca, explica que o RNAm é inoculado e carrega instruções para a produção de proteínas de superfície do novo coronavírus. “O sistema imunológico reconhece aquela proteína e gera repostas imunes contra ela, tanto com células de defesa quanto com anticorpos”, completa.
Outra vacina na fase 3 de testes no Brasil é a candidata da Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica britânica AstraZeneca. Os testes no país são feitos sob coordenação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto D’Or. Essa vacina utiliza a estratégia de vetor viral não replicante, assim como a vacina candidata da Jansen, divisão da farmacêutica americana Johnson & Johnson.
Em Minas Gerais, os testes com a vacina da Johnson & Johnson integram a rede internacional CoVPN e são coordenados pela Faculdade de Medicina da UFMG. O coordenador do estudo e professor da Faculdade de Medicina, Jorge Andrade Pinto, explica que as vacinas de vetores virais utilizam vetores não replicantes, isto é, que não se reproduzem, mas têm o potencial de entrarem rapidamente na célula, que reconhece o vírus. “Esse vírus, no caso, é um adenovírus, que não replica mas libera o material genético das proteínas C, que é a proteína do Sars-Cov-2 e que induz uma reposta imunológica”, acrescenta.
Os estudos com a vacina da Johnson & Johnson foram suspensos temporariamente. A data de início dos testes será definida após a comunicação oficial com o posicionamento do comitê responsável sobre a natureza da reação adversa em questão e a recomendação de como o estudo deverá seguir
Já a Coronavac, produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, está em teste em 12 centros, sendo um deles na UFMG. Essa é considerada uma vacina mais clássica, de vírus inativado. Assim, pesquisadores cultivam o Sars-cov-2 em laboratório e o inativam, matam esse vírus. Ao ser inoculado, nosso corpo reage a esse vírus morto gerando muito mais anticorpos do que células de defesa.
A eficácia
As vacinas de RNAm e vetor viral são consideradas vacinas de nova geração.
As vacinas de nova geração levam menos tempo para serem produzidas que as vacinas com vírus atenuados ou inativos. Por outro lado, as vacinas de vírus inativos ou atenuados são consideradas mais potentes. Porém, não se espera imunização de 100% para nenhumas das vacinas candidatas contra a covid-19. Algumas já foram, inclusive, planejadas para serem aplicadas em duas doses para aumentar a imunidade.
“Acho que uma expectativa mais realista e o que vários imunologistas estão dizendo é de que seria uma imunização por volta de 60%, o que já é bastante, porque pode ter um efeito significativo na taxa de contaminação da população”, avalia a professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Ana Maria Caetano de Faria.
A vacina candidata da Johnson & Johnson é a única até o momento que será aplicada em dose única. Para essa vacina, espera uma imunização parcial, para amenizar a doença. Ou seja, não vai impedir que a pessoa tenha a infecção, porém, se ela tiver, será de menor gravidade.
“Estamos falando de uma doença que a frequência de internação e gravidade aumenta a cada década a partir dos 40 anos e ter uma vacina capaz de atenuar ou modificar a doença na população mais velha, isso já é um grande feito”, reforça o coordenador do estudo com a candidata da Jansen, Jorge Andrade Pinto.
Os testes em voluntários
Antes de chegar na fase 3, efeitos adversos graves das vacinas em testes já foram avaliados em uma população mais restrita. Para os testes na última etapa, nem todos os voluntários recebem a imunização. Isso porque é importante que se tenha o chamado “grupo controle”, que são as pessoas que recebem placebo ao invés da substância testada. O placebo é uma formulação neutra, sem efeitos farmacológicos.
Nem os participantes nem os pesquisadores sabem quem recebeu a substância ou placebo. Esse tipo de estudo, conhecido como “duplo cego”, ajuda a avaliar se foi realmente a vacina aplicada que causou o resultado desejado, e não qualquer outro fator externo. Mesmo assim, recebendo ou não a substância da vacina, para participar dos testes, é preciso que o voluntário seja considerado saudável, sem condições de saúde prévias, porque podem atrapalhar a comprovação da eficácia das vacinas.
Enquanto o período dos testes estiver em vigor, os voluntários são observados de perto pelos pesquisadores, que realizam coletas de amostras de sangue e outros fluídos periodicamente. E qualquer sintoma que os participantes tiverem deve ser relatado. A professora do ICB, Ana Maria Caetano de Faria, explica que caso ocorram eventos adversos, geralmente são na forma branda, como ocorrem com as vacinas que são utilizadas.
Para saber mais sobre como funciona os testes em voluntários, o que significa quando um teste é suspenso temporariamente e quais são as contrapartidas dos testes realizados no Brasil, ouça o programa de rádio Saúde com Ciência desta semana.
Sobre o Programa de Rádio
O Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.