É verdade que homens são mais violentos por natureza?

Vítimas de violência aumentam o fluxo nos serviços de emergência e impactam saúde pública.


13 de fevereiro de 2020 - , ,


*Laryssa Campos

A principal causa de morte entre os homens não é o avanço da idade ou alguma doença grave. Pelo contrário, eles têm morrido jovens e pela violência. Como revelam os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, 70% desses indivíduos entre 15 e 24 anos tiveram mortes violentas. 

Esse fenômeno não era considerado questão de saúde pública, mas em 2001 o Ministério da Saúde incluiu o tema como problema da pasta. Isso porque os casos não letais chegam até os serviços de emergência constantemente, como explica a professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Adalgisa Ribeiro. “Desde a década de 1980, tem se percebido aumento dos índices de violência no país, impactando o setor de saúde”, conta. “Nesse momento surgiram centros de estudo e movimentos sociais discutindo sobre as consequências das violências para a saúde, o que possibilitou a criação dessa política”, lembra.

A especialista conta que essa demanda exige atenção do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso porque é necessário qualificar os profissionais e o espaço, devido à complexidade dessas situações. “Não é possível atender uma vítima de violência achando que o médico, a enfermeira ou a psicóloga, apenas, resolverão o problema”, afirma. “É necessário equipe interdisciplinar, ou seja, vários profissionais de diversas áreas, pois em alguns casos atende-se clinicamente um paciente com sequela de violência, mas caso essa pessoa precise de acompanhamento psicológico, por exemplo, é necessário que os profissionais saibam fazer os encaminhamentos”, pondera.

“A violência é um problema social, de saúde, do sistema de previdência e para a polícia. Ou seja, é uma questão intersetorial”

A pesquisadora também explica como os serviços de emergência se organizam internamente para lidar com o grande fluxo de vítimas. “A todo momento chegam pacientes com traumas. As vítimas de violência trazem um fluxo ainda maior”, pontua. “O volume de traumatizados impacta a organização desse atendimento e, para isso, é necessário pensar qual fluxo é o mais adequado, para apontar quem tem prioridade”, continua.

Atualmente, não são todos os profissionais preparados para lidar com essa situação, como comenta Adalgisa. Ela diz, ainda, que essa causa tem sido uma das lutas da saúde pública. “O ideal seria todos os profissionais de saúde preparados para fazer o acolhimento, o atendimento clínico, a notificação da violência e os encaminhamentos necessários”, relata.

Saúde atenta e vigilante
Os casos que chegam ao serviço de saúde precisam ser notificados, segundo a professora. Os dados são coletados a nível, municipal, estadual e nacional. A partir disso, o Ministério da Saúde realiza publicações acerca da situação da violência no sistema de saúde do país. “Em todos os níveis pode-se analisar esses dados para tomada de decisão. Quando o Ministério sistematiza esses dados de todo o país gera, no nível central, várias ações, como articulação da rede e liberação de recursos tendo como base os dados avaliados”, prossegue. A professora afirma haver grande dificuldade em notificar esses números, que “são só a ponta do iceberg”, já que nem sempre as vítimas têm condições de pedir socorro.  

A aproximação dos homens com ações violentas, não apenas o homicídio, tem origem na cultura que estão inseridos. A impossibilidade de expressar sentimentos faz com que a agressão seja uma forma de se elaborar no mundo. Esses pontos são abordados pelo psicanalista e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, da Faculdade de Medicina da UFMG, Marcell Santos.

Ele explica que o homem é mais violento, pois não é estimulado a agir de outra maneira. “Não há um investimento no homem, desde o nascimento, para ele elaborar melhor a linguagem”, explica. “Desse modo o homem não pode falar de sentimento e, por isso, briga para se expressar”, completa. 

O psicólogo conta que o fato dos homens estarem mais ligados às violências não pode ser explicado por terem mais testosterona, como é dito comumente – afirmação que retira o fator cultural da vivência dessas pessoas. “O homem tem mais vínculo com a violência, principalmente pelo campo da cultura. Costuma-se colocar no biológico e justificar que o homem tem mais testosterona, mas não tem nada disso”, afirma. 

O especialista afirma que esse comportamento tem explicação pela cultura machista, patriarcal e falocêntrica. E tratar esses problemas como algo natural, seria uma forma de aproximar os humanos dos demais animais. “Se ficarmos apenas no campo biologicista e tirarmos o psiquismo, isentamos o sujeito de responsabilidade, pois seria como se ele agisse igual aos animais”, menciona.

Ao contrário disso, Marcell defende a importância do uso da linguagem. O que, segundo ele, é a diferença dos humanos em relação aos outros bichos. “A linguagem é a possibilidade de tentar transmitir algo para o outro, ou seja, a comunicação usada para bordejar os desentendimentos”, assegura. 

“O que traz paz para a sociedade é a linguagem. O que traz guerra é o instinto”

O psiquiatra afirma a importância do sistema penal nos casos de homens envolvidos com violências. Contudo, defende o desenvolvimento de políticas públicas capazes de reabilitar esse sujeitos para o convívio social. “O sujeito que comete crime e agressões precisa ressignificar esse ato”, diz. 

Para isso, é necessário mudar, a longo prazo, a forma de expressão violenta, por outras positivas. “De início, o indivíduo precisa deslocar o foco da sua atividade violenta.  Ao invés de agredir, ele é orientado a fazer outra coisa, como lutar jiu jitsu ou algo permitido pela arte”, instrui. 

Após esse processo, os homens devem ser instruídos a aprender a sentir prazer em outras atividades não violentas, como ler. “A nossa ideia é transformar essa violência em possibilidades culturais e tentar devolver para sociedade a perspectiva do sucesso”, defende. 

Marcell enfatiza a demanda de tempo desse processo. Isso porque, muitas vezes os indivíduos estiveram a maior parte de suas vidas envolvidos com a violência. Portanto, mudar esse caminho é demorado. “A mudança desse quadro é possível com políticas públicas, disponibilizando assistente social, psicólogos e psiquiatras”, relata. “Esses profissionais ajudarão a dar para esse sujeito um lugar que não seja o da violência. Porque a violência dá um lugar de respeito a esse sujeito, que é temido por suas ações”, completa.

“O sujeito imagina que na violência ele tinha lugar na sociedade, porque ela traz certo prazer. Porém, esse não é o prazer o qual ele desejava de fato”


* Estagiária de Jornalismo
Edição: Vitor Maia