Informalidade pode adoecer trabalhadores

Condição pode gerar ansiedade e prejudicar a saúde mental dos trabalhadores


30 de abril de 2019


Laryssa Campos*

 

O trabalho informal é caracterizado pela ausência de vínculos registrados na carteira de trabalho ou documentação equivalente, sendo geralmente desprovido de benefícios. Em 2018, esse tipo de ocupação alcançou 32,9 milhões de pessoas, número recorde registrado desde 2012, de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). O professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Helian Nunes, colaborador no Observatório de Saúde do Trabalhador (Osat), alerta, no entanto, que a falta de estabilidade financeira e jornadas excessivas de trabalho podem gerar ansiedade e prejudicar a saúde mental dos trabalhadores.

De acordo com Helian Nunes, a entrada no mercado informal geralmente ocorre com o desemprego e, por isso, costuma ser conturbada. Isso porque os profissionais não têm o tempo necessário para aprender a nova função.Além disso, a cobrança sobre esse profissional é grande, uma vez que ele precisa apresentar resultados independentemente das condições em que ele chega as novas funções.

Contudo, essa pressão pode gerar ansiedade exagerada, com impactos na produtividade do trabalhador. “Quando a quantidade de ansiedade vai aumentando, as pessoas começam a ficar disfuncionais, não dormem bem, comem demais ou de menos, ficam mais desorganizadas e sofrem mais”, destaca o professor.

“A gente não tem banheiro, você nem imagina o quanto é sofrido”

Clério Florença Ferreira trabalha informalmente há 23 anos. Foto: Carol Morena.

Na informalidade há 23 anos, o ambulante Clério Florença Ferreira, 48 anos, conta que realiza carga horária de trabalho de 12 horas por dia. A rotina cansativa se apresentou como saída após acidente com fogos de artifício, no qual teve a mão amputada. Sem poder atuar como pedreiro, o trabalho nas ruas foi a solução encontrada para conseguir complementar a aposentadoria e ter uma fonte de renda.

“É estressante porque cansa, a gente não tem banheiro, você nem imagina o quanto é sofrido. Quando chove é uma correria danada para as coisas não molharem, o passeio alaga de água, o bueiro entope. A gente faz isso aqui mesmo porque precisa”, conta Clério, que não pode faltar um dia sequer ao trabalho, pois dependem dessa renda seus três filhos, duas enteadas e três netos pequenos.

Para mudar a realidade dos trabalhadores informais, a professora do direito do trabalho da Faculdade de Direito da UFMG, Lívia Miraglia, afirma ser preciso inseri-los na formalidade para que tenham direitos trabalhistas garantidos e melhor qualidade na vida profissional. “É possível pensar em propostas como a lei a dos Microempreendedores Individuais, na qual trabalhadores que eram considerados informais passaram a ser incluídos em algumas leis trabalhistas, como a previdência”, indica a professora. “Acredito que nenhum trabalhador gostaria de estar nessa condição, mas muitas vezes não consegue regularizar sua situação”, completa.

 

Precariedade

Os trabalhadores que não acessam ao sistema de saúde e vivem em condições extremas por causa de suas ocupações estão em situação de precariedade. Entre eles, o professor Helian Nunes destaca os profissionais do sexo e da zona rural, que lidam com longas jornadas de trabalho, violência constante, dificuldade de frequentar postos de saúde no horário comercial e problemas financeiros graves.

“É preciso fazer estudos de acompanhamento desses profissionais porque essas condições de trabalho deixam um estresse crônico que instalam doenças, como hipertensão e diabetes a médio e longo prazo”, enfatiza Nunes.

Para o especialista, ainda não há uma cultura democrática no Brasil para valorização dos direitos trabalhistas. Por isso, o professor reforça a importância da população se conscientizar para que essas condições sejam identificadas e para haja mudanças nas leis. “O tema é complicado porque tem uma interface não só na saúde, mas na sociedade, nas nossas crenças e de políticas públicas. Porém, o Brasil não tem ainda uma identidade nessa área”, afirma.


Uma sociedade vai ser medida pelo tanto que ela cuida dos seus trabalhadores”,
Helian Nunes

Entenda
Trabalho autônomo X trabalho informal
No trabalho autônomo não há vínculo empregatício com um empregador. O próprio trabalhador regula seus preços e horários. Nessa modalidade, alguns dos direitos trabalhistas são garantidos.  No informal, os profissionais não têm garantia de direitos trabalhistas e de previdência, e podem ter mais dificuldade de ter acesso à saúde e educação.

Escravidão na modernidade

De acordo com o Portal da Secretaria de Inspeção do Trabalho, foram registrados 847 trabalhadores em situações análogas à escravidão em 2018, a maioria em plantações de café. No entanto, 265 dos trabalhadores resgatados dessa condição retornaram para a mesma realidade. Esse modelo de trabalho é crime previsto no artigo 149 do Código Penal, sendo caracterizado por situações degradantes de trabalho forçado e jornadas exaustivas.

O professor da Faculdade de Medicina Helian Nunes explica que um dos fatores que mantêm os trabalhadores em situações de insalubridade é o jogo de culpabilização. “Nosso discurso influencia as pessoas e isso pode ser utilizado para dominação e, assim, tornar o outro escravo, subservientes, não sujeitas de si mesmas sobre a situação, o que dificulta enxergar outras possibilidades, mantendo o ciclo de violência”, reforça.

Além disso, o professor defende que ainda há no Brasil um ‘sonho colonialista’ muito forte de ser um grande fazendeiro. Por isso, a presença desse trabalho ainda em 2019 é um retrato da cultura brasileira. “É necessário tentar chegar ao público de outra forma, ofertar oportunidades de informação, de apoio, de assistência social e de inserção profissional”, conclui o especialista.  

Saúde e trabalho

Durante a semana em que é comemorado o dia do trabalhador, a Faculdade de Medicina aborda, por meio de uma série de reportagens especiais, aspectos relacionados à saúde ocupacional. 

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Laryssa Campos* – estagiária de Jornalismo
Edição: Karla Scarmigliat