Mulher negra da periferia é quem mais enfrenta racismo na saúde

Assunto é destaque no programa desta semana do Saúde com Ciência


11 de novembro de 2019 - , , , ,


*Antônio Paiva

Elas são as que mais sofrem violência obstétrica e, geralmente, as que enfrentam mais barreiras para acessar o sistema de saúde. As mulheres negras da periferia, muitas vezes, são vistas sob a óptica de estereótipos, que trazem impactos no atendimento que recebem nos serviços de saúde. Além disso, o próprio fato de residirem em regiões periféricas a expõem a alta quantidade de poluição, entre outras situações que prejudicam a saúde e dificultam o acesso aos direitos básicos.

O programa de rádio Saúde com Ciência tem programação dedicada aos impactos do racismo na saúde da população negra. Ouça os podcast aqui.

A ideia de que as mulheres negras são fortes, as “boas parideiras”, faz com que sejam submetidas à violência durante o parto, como a não aplicação de anestesia. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos óbitos por complicações da gravidez são com mulheres negras. Viviane Coelho, assistente social e diretora de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de Belo Horizonte, afirma que as mulheres negras são as que estão em situação de maior vulnerabilidade e, por isso, são atendidas com menos atenção e humanidade durante o parto.

“São mulheres em que não se é perguntado qual a preferência delas. Muitas vezes, elas têm seu parto sem um acompanhante ou da forma como elas gostariam porque não tiveram nem o direito de escolher sobre isso”, observa.

O fato de residirem em lugares mais distantes e precários, em que geralmente não há saneamento básico, prejudica a saúde dessas mulheres. Elas também utilizam meios de transportes por mais tempo, o que as expõem à poluição do ar e sonora, com reflexos também na saúde.

“O fato de muitas dessas mulheres serem mães solos, terem famílias monoparentais, em que elas são a referência para tudo, de não ter uma remuneração adequada, o que faz com que ela tenha vários trabalhos, além de trabalhar dentro de casa, tudo isso realmente pode precarizar a saúde delas”, comenta Viviane Coelho.

Porém, apesar de todas essas condições que impactam na qualidade de vida, a saúde ainda não é vista de forma integralizada. “A gente não tem, ainda, tão desenvolvido, um entendimento da saúde da mulher negra de uma forma integralizada, entendendo que para essa mulher ter saúde, ela precisa ter acesso a outras garantias de direito, como moradia, profissionalização, educação, cultura, lazer ”, explica.

Além de todos esses determinantes que prejudicam a saúde, a população negra também tem especificidades, como a maior prevalência da doença falciforme. A patologia, de origem genética, veio da África durante o processo de escravidão e demanda cuidados, muitas vezes, não reconhecidas ou valorizados pelos profissionais de saúde devido a institucionalização do racismo.

Política Nacional de Saúde Integral da População Negra trouxe avanços, mas ainda não funciona na prática. Foto: Ministério da Saúde.

Reduzir as desigualdades

Pensando na redução dessas desigualdades, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que estabelece objetivos, diretrizes, estratégias e responsabilidades da gestão em todas as esferas, sejam elas municipais, estaduais ou federal, para a promoção da equidade em saúde.

A professora convidada da disciplina “Iniciação à Atenção Primária à Saúde”, da Faculdade de Medicina da UFMG, Lorena Luiza Chagas Lemos, explica que a política traz como proposta o reconhecimento do racismo.

“Isso porque é possível perceber indicadores piores para a população negra em relação a questão de doenças contagiosas, de acesso, por exemplo”, complementa.

Apesar de reconhecer essa política como avanço, Lorena avalia que ela ainda não funciona na prática. Para a professora, seria preciso trazer o debate do racismo para os serviços de saúde para que se reconheça as diversidades presentes.

“Termos um espaço que faça esse debate, uma referência técnica que demarque a importância dessa política, é fundamental. Porém, a saúde da população negra perpassa todas as ações que estão paradas, do ponto de vista de estratégia ou dos processos formativos. O que a gente vê é a ausência do debate, da inserção do quesito raça-cor nos questionários, nos prontuários”, analisa. Ela também enfatiza que essa pauta precisa ser incluída no processo de formação dos profissionais da saúde.

A diretora de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de Belo Horizonte, Viviane Coelho, também reforça a importância de mulheres negras à frente de formulação de políticas públicas para essa população. “Por conta de políticas sociais que a gente já teve, no início dos anos 2000, muitas mulheres negras conseguiram se profissionalizar. Então nós temos muitas mulheres negras que estão formadas, ocupando espaços, ocupando cargos públicos e em outros setores. Então, o que eu vejo é que juntar essa efervescência com essa qualificação profissional auxilia no desenvolvimento de ações para as mulheres negras”, conclui.

Sobre o Programa de Rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Antônio Paiva – estagiário de Jornalismo
edição: Karla Scarmigliat