O mundo está ficando exposto a mais sons e cada vez mais altos. E quais são as consequências disso?

A exposição à sons intensos e ao ruído é uma preocupação mundial e está em destaque no debate do 3º Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição, que também apresenta um estudo inovador a respeito das músicas supercomprimidas


06 de setembro de 2021 - , , , , , ,


Trânsito de carros, buzinas das motos, aviso da estação de trem, pessoas falando, obras nas vias, tudo ao mesmo tempo. Esses sons não só causam irritação como estão relacionados a um problema de saúde pública. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 10% da população do mundo está exposta a níveis de pressão sonora que podem provocar perda de audição e 30% desses casos estão associados aos ruídos das cidades. A preocupação mundial se soma ao hábito das pessoas escutarem músicas nos fones de ouvido, seja pelo volume escolhido ou pela própria produção desses áudios estarem aumentado a intensidade do som para evitar os tantos ruídos do mundo moderno.

A audiologista egressa da Faculdade de Medicina da UFMG, Thamara dos Santos, explica que, por muito tempo, acreditava-se que os sons do ambiente cotidiano estavam entre 20 e 65dB. Mas com a modernidade e urbanização, ambientes com mais pessoas e equipamentos, o ruído de fundo foi ficando cada vez mais elevado, aumentando a intensidade para a partir dos 40dB, aproximadamente. Com essa dinâmica, começou-se a utilizar uma técnica de compressão para difundir a música e fala, por exemplo, com o objetivo de deixar o som mais prevalente do que o ruído de fundo, para que sejam entendidos. A ideia é quem está ouvindo seja capaz de perceber todas as passagens da música, ou seja, até aquelas mais suaves, mais baixas, são intensificadas para se destacar do ruído.

A questão é que essa técnica que começou a ser usada de maneira mais ostensiva nos anos 80, aumentou a intensidade das músicas, diminuindo a variação do som, mas ainda permitindo que a orelha tivesse, de alguma maneira, momentos ora de escuta dos sons com intensidades fracas ora dos mais fortes. Mas, a partir de 2010, essa variação de intensidade das músicas caiu ainda mais para 3dB, ou seja, em momento nenhum da música há um instante em que a intensidade está mais baixa. Ela está o tempo inteiro deslocada para o mais alto, para o mais forte.

“Então uma técnica que veio para tentar deixar mais claro, harmonizar melhor os instrumentos, fazendo com que eu não tivesse transições tão bruscas entre instrumentos mais fortes e os mais fracos, acabou sendo usada para elevar todos os sons para o nível mais forte”

Afirma Thamara, que trabalha na Universidade Clermont Auvergne (França) e é pesquisadora responsável por desenvolver um projeto que busca entender qual é o efeito da ausência completa desses micro instantes de silêncio durante a exposição a uma música supercomprida, tema da sua palestra no  3º Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição.  

Os efeitos na saúde auditiva com tanta intensidade de sons

A ciência já tem debatido que sons intensos sobrecarregam o sistema auditivo, aumentando as chances de levar a danos. De acordo com a audiologista Thamara, para definir melhor esse risco é preciso pensar em diversos fatores, “conhecer o som, a intensidade, a gama de frequência, a duração desse som e conhecer o indivíduo que foi exposto, idade, saúde geral, porque isso tudo vai dizer como o sistema auditivo vai lidar com essa sobrecarga”.

Então considerando que os sons cotidianos ficam em até 65dB, um som a 85dB é um som intenso, mas pode causar sobrecarregar no sistema auditivo e lesões só após determinado tempo de exposição, por exemplo. É baseado nisso que há as leis ocupacionais de proteção auditiva. E não necessariamente esse som intenso vai ser considerado um ruído. “Estamos partindo dessa definição de ruído como algo desagradável, algo indesejado. Então eu posso ter um ruído bem fraquinho, mas que a partir do momento que incomoda, vai ser considerado ruído”, acrescenta Santos.

Assim, Thamara orienta sobre a importância de as pessoas estarem sempre atentas às normas que regulamentam a exposição de sons amplificados no cuidado com a preservação da saúde auditiva, além de não utilizar mais de 50% do volume do som se optar por fones de ouvidos. “A gente sabe que indivíduos expostos sistematicamente a sons intensos têm uma tendência a apresentar sintomas auditivos mais precocemente. Ou seja, pode até acontecer no início da vida adulta, mas do meio para o final da vida adulta você já tem sintomas auditivos que, talvez, seriam compatíveis com o envelhecimento”.

Em relação ao som supercomprimido, técnica cada vez mais usada nas mídias atuais para música, vídeos, podcast, nos serviços de streaming, ela conta que ainda não há respostas precisas. “Se isso vai se repetir para a música comprimida, se vai ser mais evidente, é uma resposta para o futuro. Até porque a gente precisa entender que a compressão está onipresente, então vai ser difícil, neste momento, ter a resposta que sem a compressão é menos agressivo para o sistema auditivo do que com”, discorre.

“A gente acredita que a realização de pausas entre uma exposição ou outra, ou até entre uma música e outra, podem favorecer essa respiração do sistema auditivo e a manutenção da função auditiva. Mas a gente ainda não tem estudo científico que mostre isso”. Isso é que seu projeto pretende mostrar entre os desdobramentos. “Existem marcadores do sistema auditivo nos animais que foram modificados com a exposição à música supercomprimida, então isso pode nos dar uma previsão. Esses indivíduos a longo prazo podem ter dificuldade em, por exemplo, entender a fala no ruído, podem ter a performance auditiva diminuída. Mas precisamos avançar muito no tema, entender mais, mapear mais características das músicas que estão sendo difundidas atualmente, tempo de exposição desses indivíduos…”, pontua.

“Não podemos esperar formar um exército de pessoas que vão sofrer as consequências dessa compressão para começarmos a discutir. A ideia não é abolir a compressão. Inclusive ela começou, e ainda tem, um fundo estético de harmonizar mais os instrumentos. Serve para deixar claro o som, para emergir do ruído de fundo. O problema é, como tudo na vida, o uso indiscriminado, é o abuso da utilização dessa técnica”.

Simpósio

A exposição à sons intensos e ao ruído é um dos principais temas do 3º Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição, que ocorre virtualmente nos dias 10 e 11 de setembro. O evento também aborda o equilíbrio, sua exploração em adultos e em usuários de implante coclear. 

“Pensando na inovação acerca das músicas supercomprimidas e no DNA do Simpósio, que é ter os pés no presente, mas com o olhar no que estar por vir, esse tema não poderia cair melhor para o evento. A gente está começando a refinar a discussão sobre como o som e suas características podem ser perigosas para a audição. Estamos aprofundando ainda mais no estudo da exposição geral a sons, considerando que o ambiente sonoro está se tornando cada vez mais ruidoso ou com a presença de sons cada vez mais intensos, além da onipresença da compressão e, sobretudo da supercompressão”, afirma Thamara.

“O evento foi concebido pensando nas demandas da própria audiência do Segundo Franco-Brasileiro. E o programa conseguiu abordar questões extremamente de vanguarda. Vamos falar de alterações do sistema auditivo, que não necessariamente são detectadas com as técnicas conhecidas; da particularidade dos sons aos quais estamos expostos e sons que foram emergindo com a modernidade”, comenta audiologista e palestrante. “Também vamos falar de equilíbrio e todas as questões relacionadas a ele, como tontura e quedas, uma das maiores causas de internação e até de morte entre idosos”, completa

“O evento traz o DNA das outras edições, falar do que realmente vai nos guiar na área de audição nos próximos anos”

Mais informações e inscrições para o 3º Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição.

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