Automedicação em crianças: entenda as armadilhas

A automedicação é a utilização de medicamentos por conta própria ou por indicação de pessoas não habilitadas e oferecem riscos de intoxicação principalmente às crianças. Os medicamentos são os principais agentes causadores de intoxicação, pois são amplamente usados, prescritos pelo pediatra ou pelas mães após “consultarem” as amigas ou o “Dr. Google”. Paracetamol, sulfato ferroso, descongestionantes nasais, corticóides podem causar graves reações colaterais.

A reportagem alerta para os perigos da automedicação e chama atenção para a importância da avaliação médica antes de usar um medicamento.

 

 

 

Automedicação em crianças: entenda as armadilhas

 

Apesar de tentador, o Dr. Google não é o melhor conselheiro dos pais. Na automedicação, os riscos superam os benefícios, alerta pediatra

Dar um medicamento a uma criança sem consultar um pediatra, repetir receitas antigas, ou ainda aumentar a dose e encurtar o tratamento são procedimento muitas vezes comuns entre os pais. Mas eles podem levar a consequências graves para os pequenos. Somando-se a isso a falta de cuidado com o armazenamento das embalagens, o quadro pode ficar mais crítico.

No Brasil, como na maioria dos países, os medicamentos são o principal agente de intoxicação. Eles correspondem a 27,86% dos casos registrados por ano, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox). Do total de casos por intoxicação de medicamentos, crianças menores de cinco anos representam 35%.

“Um ‘simples’ sulfato ferroso, para anemia; ou o paracetamol, amplamente utilizado como analgésico e antitérmico, parecem inofensivos, mas podem causar intoxicações graves, principalmente em crianças pequenas, podendo levar até à insuficiência hepática e à necessidade de transplante”, explica o endocrinologista pediátrico Rafael Mantovani, membro da Divisão de Endocrinologia da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da UFMG.

Outro problema apontado pelo médico são os descongestionantes nasais, de uso tópico ou sistêmico, que nos menores de dez anos podem provocar agitação, arritmia e até parada cardíaca, mesmo que a criança já tenha utilizado antes. O ibuprofeno, de ação antitérmica, analgésica e anti-inflamatória, é mais um exemplo de remédio que pode causar desidratação e até insuficiência renal, dependendo da dose. “No inverno, em que os casos de tosse e febre são frequentes, na maioria das vezes a melhor conduta é só repouso, hidratação e aplicação de soro fisiológico nas narinas. Aproveitar uma receita do irmão ou repetir a dosagem anterior pode piorar o quadro”, explica Mantovani.

Antibióticos e corticóides

Desde a RDC 20/2011, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que determina a retenção da receita na farmácia, os casos de automedicação de crianças envolvendo antibióticos caíram drasticamente. Por outro lado, tem aumentado o uso de corticoides (orais ou inalatórios), medicamentos cuja base são os hormônios, muito utilizados no tratamento de doenças alérgicas e respiratórias, como crises de asma e sinusites.

“Os pais percebem que esse tipo de tratamento traz melhoras muito significativas dos sintomas e começam a aplicar repetidamente. Mas o uso repetido pode interferir no crescimento da criança, no ganho de peso, na aquisição de massa óssea e levar até à insuficiência de hormônios produzidos pelas glândulas adrenais”, explica Mantovani.

O pediatra orienta a procurar a avaliação médica. “A automedicação provoca perda de tempo, potencializa efeitos colaterais e pode mascarar a causa real”, alerta. “Um dos meus pacientes estava apresentando cansaço frequente e, orientados por episódios anteriores, os pais ministraram corticoides. Mas, na verdade, havia um quadro inicial de diabetes e a medicação piorou a hiperglicemia da criança, que precisou ser internada com tratamento intensivo”, exemplifica.

Buscas implacáveis

Muitas vezes, a automedicação tem como fonte buscas na internet ou dicas de amigos. Uma pesquisa realizada em 2011 pela USP, que ouviu 116 pessoas entre 18 e 60 anos de todo o Brasil, apontou que 85% procuram informações médicas na internet e 83% fazem pesquisas online depois das consultas presenciais. Já um estudo da Universidade de Plymouth, na Inglaterra, revelou que, dos 278 milhões de acessos diários a páginas de busca na internet no mundo, mais de 12 milhões referem-se à saúde.

A comerciante Cláudia Mancini Araujo Lanna, mãe dos gêmeos João Pedro e Manoela, de cinco anos, faz uso da rede com moderação. “Muitas vezes, jogo as bulas dos remédios fora, para ficar mais fácil de guardar e carregar, e depois pesquiso na internet”, relata. Com os filhos, ela evita aplicar receitas e fórmulas, a não ser que sejam para coisas “inofensivas”. “Outro dia, consegui uma dica ótima sobre como tirar tinta de caneta de boneca. Mas com a saúde não se brinca, em qualquer idade. Minha mãe, por exemplo, precisou fazer um tratamento e o médico recomendou que ela parasse de fazer pesquisas, porque parecia até que ela estava com uma doença terminal pelos resultados dos buscadores”, conta Cláudia.

Já nos casos de febre e dor de ouvido, ela recorre aos medicamentos já prescritos pelo pediatra anteriormente. Um outro hábito são as conversas com outras mães, seja em encontros ao vivo ou virtuais. “Criamos até um grupo em um aplicativo de mensagens instantâneas, via celular, e sempre vemos algumas perguntas do tipo: minha filha está com afta, qual é mesmo a pomada que se usa? Acho que a referência antiga das avós, dos remédios caseiros e receitinhas se dissipou, a coisa agora é mais imediata e ágil”, explica a mãe dos gêmeos.

Segundo o pediatra Rafael Mantovani, uma boa medida para evitar contratempos com informações desencontradas é ter um pediatra acessível. Muitas vezes, o acompanhamento frequente restringe-se ao primeiro ano de vida e depois os pais aparecem só quando a criança tem algum problema mais grave. “A escolha desse profissional deve, inclusive, se basear nessa característica. O médico que conhece os episódios anteriores e os padrões de saúde da criança é a melhor pessoa para orientar. O médico que não é acessível não é um profissional completo”, defende.

Ele explica que qualquer medicação pode causar alergias, mesmo que a criança já tenha tido um contato prévio com a substância. “Todos os remédios envolvem riscos, mas nós os utilizamos quando os benefícios são maiores que os efeitos adversos. Acontece que, no caso da automedicação, seja por uma busca na internet, orientação de amigos ou parentes, essa relação é invertida: os riscos são maiores que os benefícios, quase sempre”, resume o médico.

Emergências

Nos casos de emergências, caso a criança tenha contato com uma dose errada do medicamento ou apresente alguma reação alérgica, os pais devem manter a calma, mas não podem retardar a procura por atendimento. E nem recorrer aos “primeiros socorros” sem orientação adequada. “Em casos de desmaio, é muito comum dar sal ou açúcar para os pequenos, mas a criança pode aspirar ou engasgar com esse conteúdo”, pondera Mantovani.

“Não adianta seguir fórmulas prontas. Quando o João Pedro e a Manoela eram pequenos, e eu mãe de primeira viagem, costumava pesquisar bastante. Depois que voltava do médico pesquisava de novo. Mas, com o tempo, você percebe que cada criança é de um jeito. Um menino já muito diferente de uma menina, por exemplo. É importante ficar tranquila e não transmitir essa ansiedade para as crianças, mas sem deixar de buscar ajuda. Muita gente diz que meus filhos são tranquilos porque eu também sou tranquila”, ensina Cláudia.

 

Fonte: http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2013/02/28/interna_tecnologia,353386/automedicacao-em-criancas-entenda-as-armadilhas.shtml