Toxoplasmose Congênita: Por que e como prevenir

As infecções adquiridas intra-útero ou durante o parto representam importante causa de mortalidade
fetal e neonatal e contribuem para morbidade nos primeiros anos de vida. Dentre elas, tem importante
destaque a toxoplasmose, pelo impacto social da doença congênita.

A toxoplasmose é uma antropozoonose causada pelo Toxoplasma gondii – parasita intracelular obrigatório
amplamente distribuído no mundo e prevalente no Brasil. Em humanos, sua ocorrência está associada às
condições climáticas da região e hábitos higiênicos, alimentares e culturais da população. As principais vias
de transmissão da infecção para o homem são a oral, pela ingestão de carne crua ou mal cozida contendo
cistos do parasita ou ingestão de oocistos presentes na terra, areia ou água contaminadas com fezes de
gatos infectados; e a transplacentária (vertical).

Estudo epidemiológico com base populacional realizado recentemente em Minas Gerais evidenciou que,
ao contrário da Europa onde a principal fonte de infecção são as carnes mal cozidas, nas gestantes mineiras
predominaram as fontes ambientais associadas à presença de oocistos.

 

Figura 1: Prevalência mundial da toxoplasmose em gestantes.
Fonte: Pappas G. Int J Parasitol. 2009; 39(12):1385-94

A toxoplasmose, uma vez adquirida, pode ser assintomática em até 70% dos casos. Considerando-se que
em Minas Gerais cerca de 30 a 40% das mulheres em idade fértil são susceptíveis a contrair a infecção,
destaca-se a importância da triagem pré-natal, utilizando testes sorológicos, para identificação da infecção
aguda na gestação. A gestante com toxoplasmose aguda transmite a infecção ao feto (transmissão vertical)
em cerca de 40 % dos casos e as conseqüências podem ser o aborto ou seqüelas de intensidade variáveis

para o concepto, com déficit visual e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Ao nascimento,
a maioria das crianças infectadas (≈ 80%) não apresenta sinais/sintomas evidentes. Uma proporção
pequena delas pode apresentar manifestações inespecíficas como febre, eritema maculopapular,
hepatoesplenomegalia, microcefalia, convulsões, trombocitopenia, ou a tríade clássica: retinocoroidite,
hidrocefalia e calcificações intracranianas. Mas, a maioria dessas crianças assintomáticas ao nascimento,
quando não tratadas no primeiro ano de vida, manifesta sinais da doença tardiamente, ainda na infância ou
até mesmo na vida adulta. As seqüelas são atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, déficit auditivo,
calcificações cranianas, convulsões e, mais comumente, retinocoroidite, com conseqüente déficit visual
quando a mácula é acometida. O tratamento da toxoplasmose durante a gestação é baseado no uso de
Espiramicina ou Sulfadiazina, Pirimetamina e Ácido Folínico, sob critério e indicação médica. As crianças
com toxoplasmose congênita devem ser tratadas com a associação de sulfadiazina, pirimetamina e ácido
folínico durante o primeiro ano de vida e ser avaliadas regularmente pelo pediatra ou infectologista,
oftalmologista, audiologista e neurologista.

Como a toxoplasmose congênita é geralmente assintomática, apresenta repercussões que podem
ser graves para a criança e sua família, conta com métodos diagnósticos sensíveis e específicos e seu
tratamento na gestante e no recém-nascido melhora o prognóstico das crianças, impõe-se sua prevenção e
diagnóstico precoce. Três estratégias básicas estão disponíveis para o controle da toxoplasmose.

1. TRIAGEM PRÉ-NATAL: recomendada em países com elevada prevalência da toxoplasmose, onde
as gestantes estão expostas a um maior risco de infecção, como é o caso do Brasil. Essa estratégia
apresenta uma relação custo-benefício favorável e tem por objetivo:
a. Identificar mulheres suscetíveis (IgM e IgG negativas) e limitar seu risco de infecção durante a
gestação através da adoção de hábitos de higiene.
b. Realizar a sorologia (detecção de anticorpos no sangue materno) sistemática para diagnosticar
e tratar, o mais precocemente possível, as gestantes agudamente infectadas (IgM positiva
isoladamente ou associada a IgG positiva de baixa avidez), com o objetivo de limitar a
transmissão de infecção ao feto e suas consequências.
c. Diagnosticar e tratar a infecção fetal intra-útero para minimizar as conseqüências para o feto.
d. Diagnosticar e tratar os recém-nascidos infectados para diminuir o risco de complicações
tardias, especialmente as lesões oculares.
São fundamentais para o sucesso do programa de triagem pré-natal a abrangência do programa e
do tratamento instituído e a eficácia deste último. No Brasil, é direito de toda gestante, devendo ser
solicitado pelo médico já na primeira consulta de pré-natal.

TRIAGEM NEONATAL: recomendada em regiões com baixa prevalência da toxoplasmose, para o
diagnóstico e tratamento precoces da criança e redução de danos. Baseia-se na identificação de
IgM anti-T. gondii no sangue capilar de recém-nascidos absorvido em cartões de papel filtro. É uma
estratégia de baixo custo, pois é realizada juntamente com a triagem
neonatal de outras doenças – ”Teste do Pezinho”

(http://www.medicina.ufmg.br/nupad/triagem/triagem_neonatal.html). 

Os resultados positivos na triagem devem ser confirmados por meio de sorologia em sangue venoso,

ocasião em que deve ser investigada a infecção recente na mãe. Em Minas Gerais, o teste tem cobertura

próxima a 100%, sendo realizado gratuitamente em todos os municípios do estado.

3. PREVENÇÃO PRIMÁRIA: envolve uma série de medidas voltadas para a profilaxia da transmissão do T.
gondii. Neste contexto, inclui-se a educação da população em geral, melhoria das condições sanitárias
e da água para consumo, cuidados quanto à higiene de animais criados para abate, processamento
adequado dos alimentos e acesso das gestantes a informações de qualidade acerca da prevenção
da doença durante o pré-natal. A redução da exposição materna às fontes de infecção diminui a
vulnerabilidade à toxoplasmose em gestantes suscetíveis e é a conduta mais eficiente para diminuir
a morbimortalidade decorrente da toxoplasmose congênita. Os principais cuidados necessários para
este fim consistem em:

•   Cozinhar bem os alimentos;
•   Lavar frutas, legumes e hortaliças em água corrente tratada;
•   Lavar com sabão e água corrente os utensílios de cozinha que por ventura tenham entrado em
contato com carnes cruas;
•   Beber água tratada;
•   Utilizar luvas e lavar bem as mãos após o manuseio de terra ou areia e cuidados com o jardim;
•   Evitar contato com fezes de felinos, devendo a limpeza dos dejetos do gato ficar sob a
responsabilidade de outra pessoa. Se for necessário que esse cuidado seja feito pela gestante, faze-lo
com luvas. A limpeza dos dejetos deve ser feita diariamente, uma vez que os oocistos do toxoplasma
se tornam infecciosos após 24 horas.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado da Saúde em parceria com o NUPAD da Faculdade de Medicina
da UFMG iniciará em janeiro de 2013 o programa de triagem pré-natal para toxoplasmose. Esse programa
será oferecido a todas as gestantes do estado e consistirá em material educativo e testes para identificação
das gestantes em risco de adquirir ou que apresentarem toxoplasmose aguda. O sangue será obtido por
punção digital durante as consultas de pré-natal realizadas na Unidade Básica de Saúde e transportado em
papel filtro. Espera-se reduzir a incidência de toxoplasmose congênita e os danos para a criança infectada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

– CARELLOS, Erika Viana Machado. Epidemiologia da toxoplasmose congênita em Minas Gerais: um estudo populacional. 213 f., enc.: Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina.

– ANDRADE, Gláucia Manzan Queiroz de; GOULART, Eugênio Marcos Andrade; SIQUEIRA, Arminda Lúcia
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Triagem neonatal como estratégia para o diagnóstico e
tratamento precoces da toxoplasmose congênita em Belo Horizonte, Minas Gerais. 2008 239 f., enc.: Tese
(doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina.

– SUCUPIRA, Ana Cecilia Silveira Lins. Pediatria em consultório. 5.ed. São Paulo: Sarvier, 2010.

 

– Imagens retiradas de:

•   http://www.portaldaoftalmologia.com.br/site/site2010/images/stories/toxoplasmose1.jpg
•   http://www.anapolis.go.gov.br/portal/arquivos/noticias/testedopezinho-20120813-
120143.jpg