Pessoas LGBT enfrentam preconceito na quarentena

O aumento da convivência entre familiares durante o confinamento pode levar a casos de homofobia


26 de maio de 2020 - , , , , , ,


*Lethicia Pechim

O isolamento social está levantando diversos problemas sociais enraizados na sociedade como a violência e a opressão de grupos como os LGBTs. A Organização das Nações Unidas (ONU) soltou um comunicado em abril reconhecendo que a pandemia do coronavírus “está exacerbando as dificuldades da população LGBT” e que essa minoria “muitas vezes encontra discriminação e estigmatização ao buscar serviços de saúde e é mais vulnerável à violência e outras violações de direitos humanos”.  O assunto é tema do programa de rádio Saúde com Ciência, que exibe série “Livre para ser”, em comemoração ao dia internacional de luta contra a homofobia.

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 26 mulheres trans e travestis foram mortas durante os meses de março e abril desse ano, quando já estava valendo as medidas de isolamento social. Um levantamento feito pelo aplicativo de relacionamentos Hornet e divulgado pela Agência Brasil revela que 30% dos 3 mil homens gays, bissexuais e transexuais entrevistados não se consideram seguros dentro de casa com suas famílias.

Segundo o psicólogo, psicanalista e professor do Mestrado Profissional em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência da UFMG, Paulo  Ceccarelli, quem já se sente excluído e que não se sente aceito geralmente ficava pouco em casa e privilegiava passar tempo com amigos. “A família sabia que essa pessoa é gay, mas esse assunto não era falado. Porém, o membro desse grupo LGBT que não se assume em casa é confrontado diariamente com esse isolamento social”, explica.

De repente, essas pessoas não têm mais lugar, eu tenho um cliente que não está fazendo a terapia online porque ele tem medo de que alguém escute o que ele vai falar.”

professor Paulo Ceccarelli

“Essa situação só vai trazer mais desamparo, desconforto e mais medo porque a questão do núcleo familiar é que está sendo bastante exacerbada durante o confinamento”, afirma o professor.

O professor de Comunicação Social da UFMG e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura, Bruno Leal, afirma que a situação de filhos que vivem com pais homofóbicos é muito difícil e que não há como generalizar essas situações específicas, já que nenhuma família é igual à outra.

Cada família tem suas características, rituais, modos de ser e dinâmicas, mas família pede afeto e é preciso saber lidar com as dimensões afetivas das nossas relações”

professor Bruno Leal

O professor acrescenta que é preciso saber lidar com as nuances dos afetos e que nenhum afeto é um bloco integral. “Por isso que as relações afetivas são desafiadoras, mas se tem afeto é preciso ter respeito, saber respeitar, fazer-se respeitar. A condição de ter uma boa convivência é pensar nas dinâmicas afetivas que são importantes e, se esse afeto não dá conta, o respeito talvez dê”, reitera.

“Se o respeito é um elemento fundamental, assédios, agressões e violências são sempre intoleráveis e têm que ser abordados na sua criminalidade”

professor Bruno Leal

O professor esclarece que o fato de alguém não gostar do comportamento do outro não dá direito a cometer violência. “Por isso existem leis, instituições e grupos de apoio para evitar esse tipo de ultrapassagem de um limite. E é importante lembrar que, se o respeito é uma condição de convivência, e o afeto não é uma justificativa para ultrapassá-lo”, finaliza.

De onde vem a homofobia?

A homofobia está inserida em vários meios sociais como na medicina e psicologia e na religião, por demonizar as relações homoafetivas e no sistema heteronormativo da sociedade.

A cura gay é um tratamento pseudo-científico que entende a homossexualidade e as sexualidades não heterossexuais como patologias, doenças e desvios. Ao serem entendidas como doenças, precisam de terapêuticas para se normalizarem, visando tornar uma pessoa homossexual em heterossexual. O psicólogo, pós-graduando em psicologia clínica, Gabriel Fernandes Rodrigues, esclarece que a sexualidade não é uma doença e, por isso, não é necessário um tratamento.

“Essas pessoas acreditam que é justo ofertar o tratamento. Elas ignoram que o sofrimento em ser homossexual não está na vivência da sexualidade em si, mas está no preconceito, no estigma e na violência em que esta população é submetida, inclusive com a proposição de tratamentos, como a cura gay.”

Gabriel Fernandes

Há também a homofobia dentro do próprio movimento LGBT. Segundo o professor Paulo Ceccarelli, nós nascemos em uma sociedade e somos imersos em um universo social heteronormativo, que desde cedo é influenciado pela família, valores sociais, escolas e veículos de comunicação e que vão dar referências que vão servir de bases identificatórias para como se comportar na vida. Assim, essas referências fazem com que os indivíduos cresçam e assimilem a homofobia aos valores sociais e, após acatá-la em seu psiquismo, entendem a homossexualidade como algo errado. Quando ele descobre que ele faz parte daquele grupo, o conflito interno passa a ser muito grande.

“A pessoa passa a entrar em conflito com ela mesma”

Paulo Ceccarelli

Segundo o professor o sistema de valores heteronormativos não mostra o gay como o homem tendo uma relação amorosa com outro homem mas o estereótipo de ser passivo, de ser penetrado, e isso tem uma conotação que no imaginário social é muito pesado.

Saúde com Ciência

Em maio é celebrado o Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia. A data marca a retirada da homossexualidade na lista da Classificação de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso, o Saúde com Ciência dessa semana aborda aspectos da população LGBT na série “Livre Para Ser“. Confira:

:: De onde vem a homofobia
:: Preconceito e saúde
:: Homossexualidade não é doença
:: Alguém tem que saber?
:: Homofobia na quarentena

Sobre o Programa de Rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Lethicia Pechim – estagiária de jornalismo
Edição: Maria Dulce Miranda