Vacinação de adolescentes é importante para saúde individual e coletiva, defendem especialistas

Especialistas da Faculdade de Medicina da UFMG defendem que ampliação da cobertura vacinal representaria avanço no controle da circulação do vírus


17 de setembro de 2021 - , , , , , , ,


*Maria Beatriz Aquino

Uma reviravolta na indicação de vacinar crianças e adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades contra a covid-19 tem sido questionada por especialistas em saúde e vai na contramão do que tem acontecido no mundo. Enquanto diversos países já iniciaram a vacinação dessa faixa etária, o Ministério da Saúde (MS) revogou, nesta última quinta-feira, 15 de setembro, a orientação de vacinação para esse público. Mas especialistas da Faculdade de Medicina da UFMG reforçam que a imunização dos jovens é importante para a saúde dessa população e para a saúde coletiva.

Atualmente, as orientações do MS indicam que a vacinação desse grupo deve ficar restrita aos adolescentes com deficiência, comorbidade e àqueles privados de liberdade. A pasta justifica que a mudança se deve à insuficiência de comprovação sobre os benefícios da imunização para crianças e adolescentes sem comorbidade.

No entanto, a professora do Departamento de Pediatria da Faculdade, Cristina Alvim, especialista na saúde da criança e do adolescente, chama atenção para a pertinência da ampliação da cobertura vacinal, visto que a imunização desse público pode ajudar a reduzir a circulação do novo coronavírus. Além disso, há uma preocupação de que essa faixa etária se torne nicho de novas variantes, cada vez mais adaptadas e nocivas.

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Mortalidade preocupa

Enquanto 39,6% da população adulta já completaram o esquema vacinal com duas doses ou dose única, mais de 20 milhões de adolescentes ainda não receberam nenhuma dose. O que torna preocupante, na visão de especialistas, é o fato de que crianças e adolescentes podem ter a saúde agravada por essa infecção e até irem ao óbito. 

É o que mostra estudo realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG, no qual identificou um número de mortes de crianças e adolescentes no Brasil, sete vezes maior do que em outros países, como o Reino Unido, especialmente na faixa etária que havia sido autorizada a receber a vacina.

Outra revisão, publicada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), relata que mais de 2.000 crianças e adolescentes perderam a vida para a covid-19 desde o início da pandemia. Ainda de acordo com o documento, foram confirmados 1.204 casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica (SIM-P) no país, com letalidade de 6,1%.

Terceira dose

Imagem: Reprodução/Pixabay

O Ministério da Saúde também alegou que a revogação da decisão está em acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que não orienta a vacinação de crianças e adolescentes com ou sem comorbidades. 

Mas a professora Cristina Alvim esclarece que essa recomendação do órgão se trata, apenas, de uma maneira de combater a desigualdade entre a aplicação de terceira dose em alguns países. Isso porque muitos locais ainda não tiveram acesso a primeira dose, o que demanda um esforço global para a vacinação dos grupos prioritários em escala mundial.

Para a professora, o ideal seria realizar a terceira dose em paralelo com a vacinação de adolescentes para que todos tenham a possibilidade de se imunizar. Além disso, com a vacinação dos jovens e, consequentemente, menor circulação do vírus, os mais velhos também se tornam menos vulneráveis ao risco de contágio do vírus.

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Segurança da vacina

A orientação anterior ao anúncio desta quinta-feira, para ampliar a vacinação para essa faixa etária, previa envio de doses da vacina produzida pelas empresas farmacêuticas Pfizer/BioNTech para todos os estados brasileiros. A SBP, por meio do Departamento Científico de Imunizações, recomenda a aplicação da vacina da Pfizer para todos os adolescentes maiores de 12 anos de idade com base nos estudos clínicos desenvolvidos com esta vacina neste grupo etário.

A pediatra e professora titular do Departamento de Pediatria, Maria do Carmo Barros de Melo, lembra que esse imunizante, inclusive, já está sendo aplicado em outros países nessa mesma faixa etária.


“É importante lembrar que recomendamos a vacina da Pfizer porque é a única que está aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil para esse grupo. Então, já foi comprovado que ela é eficaz”, ressalta Maria do Carmo.

O que pensam os adolescentes?

A mudança de orientação sobre a vacinação tem gerado maior ansiedade em pais e jovens que aguardam pela imunização. Esse é o caso do estudante Matheus Cardoso, de 14 anos, que viu sua rotina de estudos ser modificada pelo isolamento social. Ele afirma não ter medo de receber as doses e estar ansioso para o momento:

Matheus contraiu o vírus este ano e precisou se isolar junto com a família por 15 dias até desaparecerem os sintomas. Para o adolescente, os hábitos adquiridos durante o isolamento não irão mudar após a vacinação e a realidade não voltará a ser como antes. 

E quando se trata de nova realidade, a jovem Beatriz Cunha, de 16 anos, se identifica com Matheus. A estudante tem um histórico de problemas respiratórios, como asma, adenoide e crises de pneumonia e conta como lidou com a situação ao saber que seria um grupo de risco.

Beatriz relata ainda que sente saudade de conviver com seus amigos e professores da escola, já que teve uma grande mudança na rotina e um impacto negativo nos estudos. Por isso, ela também concorda em receber a vacina e acredita ser uma obrigação de todos.

A professora Maria do Carmo reitera que os cuidados preventivos, como o uso de máscara e álcool em gel, ainda serão essenciais e não deverão ser descartados após a imunização.

Pandemia e mudanças de hábito

As relações afetivas entre pais e filhos e a necessidade de adaptação ao ambiente doméstico são apenas alguns dos desafios enfrentados pelos núcleos familiares desde o início da pandemia. Segundo a pediatra e psicanalista, Cristiane Cunha, também professora do Departamento de Pediatria da Faculdade, a pandemia causou uma onda forte de sofrimento nessa faixa etária, principalmente pela distância das salas de aula. 

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Cristiane também comenta que houve aumento do trabalho doméstico repassado aos adolescentes, em muitos casos, motivado pela queda na renda das famílias. Para se ter uma ideia, pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) mostra que 61% das famílias que residem com crianças e adolescentes declararam que a renda diminuiu. Para a professora, a tristeza dos adolescentes é ainda maior quando precisam sair de casa para trabalhar nas ruas, de forma informal.

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As tensões sofridas por crianças e adolescentes podem resultar em problemas mais graves e que têm sido diagnosticados pelos pediatras. Sentimentos de insegurança, incertezas em relação ao futuro, adoecimento e o distanciamento social têm impactado na saúde mental desse jovens, com quadros de depressão e ansiedade, como constatou resultados preliminares de estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da UFMG. Para a professora Cristiane, a esperança de dias melhores, para uma vida um pouco mais normal para esses jovens, estava justamente na ampliação da vacinação para esse público.

Aspas Sonoras

As “Aspas Sonoras”, produção do Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG, ampliam a discussão sobre os temas abordados nas séries de rádio realizadas pelo Saúde com Ciência. As matérias apresentam áudios e textos inéditos do material apurado na produção das séries.

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*Maria Beatriz Aquino – estagiária de Jornalismo
Edição: Karla Scarmigliat