Entenda as doenças incluídas no teste do pezinho

Laboratório de Triagem Neonatal (LTN) vai identificar doenças neurológicas degenerativas e defeitos inatos do sistema de defesa do corpo por meio de técnicas moleculares.


26 de janeiro de 2024 - , , , , , , ,


As crianças precisam ser identificadas precocemente e as intervenções adequadas devem ser adotadas de imediato. Foto: Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG/Carol Morena

As três doenças incluídas no Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais são consideradas graves, raras e podem ser hereditárias ou alterações genéticas, além de difícil diagnóstico na fase natal, uma vez que seus efeitos começam antes da fase de manifestação de sintomas clínicos. Se corretamente identificadas e tratadas nos primeiros dias de vida da criança, a recuperação e a garantia de uma melhor qualidade de vida podem ser mais efetivas. Da mesma forma, seu diagnóstico tardio pode ser fatal e comprometer a qualidade de vida dos pacientes com sequelas irreversíveis.

Minas Gerais será o primeiro estado com grande população a realizar a testagem em massa para a Atrofia Muscular Espinhal (AME) pelo SUS, tendo o  Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad) como referência. No Brasil, apenas o Distrito Federal possui a doença em seu painel de triagem neonatal.

A atrofia muscular espinhal 5q (AME5q) é causada por mutações no gene SMN1, responsável pela produção da proteína do neurônio motor. Com a deficiência dessa proteína, os pacientes apresentam degeneração do neurônio motor inferior e fraqueza muscular progressiva. A doença tem incidência aproximada de 1:6000 a 1:10000 nascidos vivos, e seu diagnóstico é confirmado por teste genético. Trata-se de doença hereditária, causada por genes recessivos.

A AME5q apresenta cinco fenótipos: tipo 0 (mais grave, com óbito nas primeiras semanas de vida), tipo I, tipo II, tipo III e tipo IV (menos grave), que variam dos primeiros meses de vida até formas mais leves de início na vida adulta.

A professora Juliana Gurgel Giannetti, do Departamento de Pediatria (PED) explica que no tipo 0 (forma congênita), o paciente já apresenta manifestações ao nascimento e tem óbito nas primeiras semanas de vida. No tipo I, os principais sinais e sintomas da doença são hipotonia e fraqueza muscular global. Os pacientes apresentam atraso nas aquisições motoras, desenvolvimento cognitivo normal, déficit de deglutição e dificuldades respiratórias em graus variados. Por volta de 20 meses de idade, a maioria dos pacientes com AME tipo I estão dependentes de suporte ventilatório e gastrostomia.

Em pacientes do tipo II, os sinais da doença começam após 6 meses de idade, quando as crianças são capazes de se sentar mas não de deambular. Os pacientes com a forma tipo III manifestam os primeiros sinais da doença após 18 meses de idade e têm dificuldade de andar. A longo prazo, os pacientes com AME tipo II e III também terão comprometimento respiratório e de deglutição.

Os pacientes com diagnóstico de AME precisam de acompanhamento multidisciplinar com neuropediatra, pediatra, pneumologista, gastroenterologista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta motor e respiratório e terapeuta ocupacional. O acompanhamento beneficia a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes, mas não interrompe a progressão da doença.

Segundo a professora Juliana Giannetti, as medicações disponíveis para a AME são a Nusisnersena (aplicação por punção na medula) e Ridiplam (uso oral), que aumenta a eficiência do gene SMN2 (adjacente ao SMN1) na produção da proteína SMN. A terapia gênica (Zolgensma) é feita por meio de um capsídeo viral com uma cópia corrigida do gene SMN1 que passará a produzir a proteína SMN completa. 

As três terapias têm eficácia semelhante e aumentam a produção da proteína SMN, protegendo o neurônio motor da degeneração. O início precoce do tratamento em pacientes sintomáticos pode interromper a progressão da doença. Neurônios que ainda estão em processo de degeneração podem ser recuperados.

A janela terapêutica para início de tratamento em pacientes identificados em triagem neonatal é reduzida, especialmente em pacientes da forma clínica tipo I. O início do tratamento de pacientes identificados na triagem também deve ser idealmente até 15-30 dias de vida. A implantação do programa permitirá que eles tenham desenvolvimento motor normal sem disfunção respiratória.

Imunodeficiências primárias

Consideradas emergenciais, a Imunodeficiência Combinada Grave (SCID) e Agamaglobulinemia (AGAMA) são doenças que afetam o sistema imunológico dos bebês, deixando-os mais expostos a infecções bacterianas, que podem acarretar em morte precoce e sequelas.

A SCID, também conhecida como “a doença do garoto da bolha” é grave e demanda cuidados especiais e urgentes. “As crianças nascem praticamente sem células de defesa e estão sujeitas a infecções oportunistas logo após o nascimento ou mesmo a reações vacinais, como a BCGite, uma inflamação por causa da vacina” explica o professor Jorge Andrade Pinto, também do Departamento de Pediatria (PED).

Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais para o SUS é executado nos laboratórios do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da UFMG (Nupad). Foto: Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG

As crianças precisam ser identificadas precocemente e as intervenções adequadas devem ser adotadas de imediato. “Nesses casos, deve-se fornecer ao paciente o que ele não produz naturalmente. O transplante de células tronco embrionárias, hematopoiética e medula óssea são tratamentos que podem reconstituir a função imunológica dessas crianças, bem como a infusão regular de imunoglobulina endovenosa”, conclui Jorge Andrade. 

Já a AGAMA, apresenta um defeito seletivo na produção de anticorpos, em que apenas uma parte do sistema imunológico é comprometido, mas também deixa as crianças expostas a infecções, mas em um quadro menos grave. O tratamento com infusão regular de imunoglobulina endovenosa, única terapia requerida, estabelece que a criança tenha vida normal e não sofra as consequências de infecções bacterianas invasivas nos primeiros anos de vida, o que pode levar a lesões definitivas, como cicatrizes pulmonares. A terapia de reposição de imunoglobulina está disponível no SUS.

Equipamento de testagem é importado dos Estados Unidos e Finlândia. Foto: Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG

A nova seção do Laboratório de Triagem Neonatal (LTN) dispõe de equipamentos que agregam elevada tecnologia para atender uma demanda altamente complexa: identificar por técnicas moleculares, doenças neurológicas degenerativas ou defeitos inatos do sistema de defesa do corpo.

A triagem de defeitos inatos do sistema imunológico pela rede pública é uma política de saúde já estabelecida em países da europa e américa do norte, de onde a tecnologia de análise foi importada. O equipamento vai realizar a transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) para identificar os resíduos moleculares da maturação das células de defesa, a saber o TREC (SCID), das células T, e KREK (AGAMA), das células B, substâncias rastreáveis no sangue e que indicam a correta maturação do sistema imunológico das crianças.  

Ampliação da triagem neonatal em Minas

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais investirá  R$ 12 milhões para o ano de 2024 nesta fase de expansão da triagem. A última ampliação havia sido em 2021, que incluiu toxoplasmose congênita e mais cinco doenças relacionadas com defeitos da betaoxidação dos ácidos graxos (DOAG). Desde então, o programa detectou e acompanha 215 casos de toxoplasmose* e 12 de DOAG.

A expansão da triagem neonatal é uma cooperação entre a Secretaria de Saúde de Minas Gerais e a universidade. A estratégia de expansão do PTN-MG, deliberada pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB) do estado de Minas Gerais, para a inclusão de dezenas doenças triadas pelo teste do pezinho no SUS descreve ações em cinco etapas. A inclusão das imunodeficiências primárias e da ame correspondem às etapas 4 e 5 do planejamento da SES MG. A inclusão atende ao disposto na  Lei nº 14.154/21, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando o número de doenças rastreadas pelo teste feito pelo Sistema Único de Saúde.

Com a inclusão das novas três, são 15 doenças no painel de triagem neonatal do SUS em Minas Gerais, a saber:

Grupo dos defeitos da beta-oxidação dos ácidos graxos, assim distribuído:

*Existem ainda casos suspeitos sob acompanhamento clínico com possibilidade de confirmação. Apurado até 21/01/2024.